Centrais se unem para o 1º de Maio em Curitiba
A CUT e as demais centrais sindicais – ComLutas, CTB, Força Sindical, Intersindical, Nova Central e UGT – farão um evento unificado no Dia do Trabalhador em Curitiba (PR), a partir das 14h, na Praça Santos Andrade, conhecida como Praça da Democracia, onde Lula é mantido preso desde o dia 7 de abril, nas dependências da Polícia Federal. Mesmo partidos de esquerda que possuem seus próprios candidatos para presidente se reunirão na capital paranaense em torno do slogan Por Direitos, pela Democracia e por Lula Livre. Paralelo a isso, a CUT e sindicatos filiados organizam comitês e atos regionais em todo o país.
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Em entrevista exclusiva ao Extra Classe, o presidente da CUT/RS, Claudir Nespolo, diz que “a sociedade brasileira já se deu conta de que os mesmos que prenderam Lula foram os que atacaram a CLT, estão tentando extinguir o SUS e o direito do trabalhador se aposentar com dignidade, que entregaram o pré-sal para as multinacionais do petróleo e que estão privatizando o patrimônio público e dando de mão beijada para a iniciativa privada a preço de banana”. Nespolo fala também da organização dos trabalhadores e do papel dos sindicatos, sobre as atividades alusivas ao Dia do Trabalhador e a criação de comitês para resistir as investidas contra os direitos trabalhistas e sociais.
Em Porto Alegre, as festividades do 1º de maio serão realizadas, às 10h, junto ao Espelho D’água do Parque da Redenção (Parque Farroupilha) com manifestações das entidades e com a participação de partidos políticos do campo popular e democrático e apresentações culturais.
EC – Qual tem sido a orientação da CUT aos seus sindicatos no atual momento político?
Claudir Nespolo – O que preside a agenda sindical neste período é principalmente não se distanciar das tarefas normais de qualquer sindicato que tenha bem resolvida a sua concepção de cuidar dos interesses da sua categoria. Ter foco na tarefa principal que é fazer as convenções coletivas (e todos os sindicatos da CUT estão orientados a fazer o esforço que for necessário para impedir que baixem nas convenções coletivas as antirreformas nas leis trabalhistas, visto que há um esforço das entidades empresariais para desidratar as CCTs). Isso inclui manter a assistência dos sindicatos no ato das rescisões, não abrir mão de acompanhar o trabalhador neste momento, manter a questão da arrecadação financeira democraticamente definidas nas assembleias. Ou seja, praticar o bom sindicalismo responsável e que cumpre seu papel. Acrescentaria também, impedir que se legalize nas CCTs a flexibilização das jornadas de trabalho, que permite negociações individuais como prevê as reformas do Temer. Por outro lado, nós não podemos ignorar e orientamos todas a entidades a não ignorar este momento de grave crise nacional.
EC – Como?
Nespolo – Então, sem se descuidar disso, que são tarefas-chave, o movimento sindical cutista está sendo convidado a refletir também sobre o cenário. O golpe que foi o impeachment de Dilma Rousseff, um golpe nos direitos dos trabalhadores e no futuro do Brasil. Ou seja, para fazer negócios estão entregando o futuro do país. Para isso, chegaram a prender o Lula porque ele significa a última viabilidade de contenção à consolidação da agenda do golpe, que é neoliberal. Transformar o Brasil em um país totalmente subordinado ao capital internacional e com as suas relações internas totalmente precarizadas, bem ao gosto deste projeto que está em curso. De desregulamentação e de adequação do país às regras e à lógica da subordinação internacional.
EC – Dá para dizer que as forças políticas que protagonizaram o golpe o fizeram de um forma jurídico-midiático-eleitoral?
Nespolo – Perfeitamente. E iria além, trata-se de um golpe jurídico, midiático, partidário. Trata-se de um projeto neoliberal para o Brasil e o processo eleitoral é muito importante para este projeto. Agora, eles querem eleições seguras, mas seguras, para eles, significa que a eleição consolide esse modelo de organização do estado brasileiro: um estado para poucos. Isso se faz direcionando o orçamento para poucos e tirando da grande maioria da população. Nessa perspectiva, o Lula significa uma grande ameaça para a consolidação dessa agenda política. Identificado isso, destaca-se um ponto central da ação política da CUT para discutir com a base sindical. Os trabalhadores estão sendo convidados a refletir e compreender por que é preciso defender o Lula. O Lula não está sendo defendido porque é o Lula, mas porque fez um bom governo. Porque gerou políticas favoráveis à classe trabalhadora. A razão pela qual os trabalhadores estão sendo convidados a compreender que a mesma rede Globo, as mesmas federações empresariais de todos os segmentos econômicos, os mesmos partidos políticos de patrões que atendem aos interesses neoliberais se unificaram para tirar Dilma, deram o golpe e atacaram a CLT, e com isso elegeram suas prioridades na agenda política do país: reforma trabalhista, reforma da Previdência, etc. O mesmo aparato midiático, partidário, judicial e empresarial que tentou acabar com a aposentadoria pediu a prisão de Lula.
EC – O trabalhador está sendo convidado a escolher seu lado?
Nespolo – A questão é o trabalhador refletir o seguinte: se ele está neste momento da história com aqueles que promoveram a reforma trabalhista e tentaram acabar com a aposentadoria ou se está com Lula e com aqueles que acham que é possível ainda que haja um processo eleitoral limpo, honesto, com Lula concorrendo, para que se possa restabelecer os procedimentos para que o país possa voltar a crescer com distribuição de renda. Isso é o que está em disputa neste momento. A base sindical não pode ser ingênua. Tem de identificar que este arco de força combina uma visão neoliberal que nos exclui e quer impedir aquele que é a última contenção diante da possibilidade de instalarem a agenda do golpe em caráter definitivo e legitimado pelas urnas. Se isso ocorrer, infelizmente será um longo período de destruição do que restou de direitos.
Foto: Ricardo Stuckert
Extra Classe – Semelhante ao que aconteceu anos atrás no México e Espanha?
Claudir – Diria que o México é o melhor exemplo para ser acompanhado.
EC – Faz parte deste debate com as bases e com as categorias, também reconhecer as contradições dos governos do PT?
Claudir – As críticas que o movimento sindical tinha com Lula e Dilma são que esses governos não avançaram na questão da redução da jornada de trabalho, de Dilma ter colocado o Levy como ministro e que defendia medidas precarizantes do ambiente de trabalho e isso gerou um sinal invertido para nossa base social. Mas apesar disso, temos convicção de que Dilma foi golpeada e o Lula está sendo impedido de concorrer mais pelas virtudes e não pelos defeitos dos seus governos. Isso é muito importante deixar esclarecido. Ou seja, incluir os trabalhadores na agenda e no orçamento em centenas de iniciativas governamentais, de programas ou de projetos. Por exemplo, expansão do ensino técnico e profissionalizante público e federal, o que na visão deles deveria ocorrer apenas via Sesi/Senai/Senac, na iniciativa privada. Os governos petistas expandiram o ensino superior público em escala extraordinária. Houve crescimento real do salário mínimo e pleno emprego. Vejam só que problema que foi criado (em tom de ironia). Antes havia um desemprego residual em segmentos em que trabalhadores até desistiram de procurar emprego, mas o pleno emprego levou a uma situação de crescimento vegetativo da massa salarial, que é um negócio extraordinário. Muitas categorias que não conseguiram aumento real compatível naquele período Lula/Dilma, pela própria lei da oferta e da procura de profissionais, gerou a valorização da mão-de-obra para poder disputá-la.
EC – Isso depois de um longo período em que nas negociações coletivas das categorias mal conseguiam repor a inflação, procede?
Nespolo – O país vinha de um histórico de salários arrochados e finalmente passou-se a ter ganho real de salários e o mínimo que cresceu 76%. Isso gerou consumo e moveu a roda da economia.
EC – Dá para dizer que os trabalhadores passaram a disputar o lucro com os patrões?
Nespolo – Sim. Isso gerou um problemão para as empresas: a manutenção da sua mão de obra. Porque sem desemprego os profissionais estavam mais valorizados. Agora está bom para o empresariado ganancioso, pois existe oferta de trabalhadores qualificados à disposição, desempregados, para que ele possa fazer a adaptação do seu processo produtivo.
EC – Mas como convencer os trabalhadores?
Nespolo – Isso tem de resultar numa tomada de consciência e essa tomada de consciência vem da criação de comitês em defesa da libertação do Lula que se chamarão: Comitês por direitos, pela democracia e pela libertação do Lula. O Lula está preso sem provas para que ele não participe do processo eleitoral. Isso caracteriza uma prisão política. Ele, portanto, está preso em uma condição de exceção.
EC – E como estão sendo organizados esses comitês?
Nespolo – A CUT e a Frente Brasil Popular tiraram a decisão política de criação desses comitês. Então, o que antes eram comitês de resistência à agenda do golpe estão sendo transformados em comitês pela libertação do Lula, no caso são comitês municipais e nos locais de trabalho. Já existem muitos no Rio Grande do Sul, que já estão se reunindo pra definir como agir imprimindo panfletos, tirando uma agenda de trabalho para esclarecer para a população o que está acontecendo por trás da prisão do ex-presidente. Nosso objetivo dentro das fábricas, das escolas, dos bancos é que os trabalhadores comecem a criar os comitês por local de trabalho para que a gente possa disputar essa opinião. E ela tem de ser disputada porque todos os dias os meios de comunicação de massa, principalmente a Globo entra no ar e dá a sua versão dos fatos e nós só temos um instrumento de contraponto, que são os comitês. Eles são auto-organizativos. Porém, nós não consideramos que isso deva ser feito de forma isolada das ações normais dos sindicatos, tem de ser incorporado nas ações de forma natural. E passa por discutir com as bases qual a saída política para a crise.
EC – Como a CUT está lendo este cenário?
Nespolo – Do nosso ponto de vista, e não do ponto de vista deles, porque eles devem estar bem satisfeitos com os resultados e com o desmonte do aparato de direitos. Mas, do ponto de vista da população foi um fracasso econômico, político e social. O fracasso econômico está nos terríveis índices de crescimento anunciados, embora eles anunciem recuperação que não há. Eles desorganizaram a cadeia produtiva, acabaram com a indústria naval, desmontaram praticamente com a indústria da construção pesada e estão se esforçando para acabar com a cadeia produtiva da carne.
EC – A tal mexicanização?
Nespolo – Sim. Do ponto de vista político estamos nos aproximando do México. A pauta da corrupção foi apenas para perseguir o PT porque as malas de dinheiro estão lá, helicóptero de cocaína está ali. Portanto, os visados seguem sendo os petistas ou criminalizam a esquerda. Do ponto de vista da política o que está resultando são as máfias bem ao estilo mexicano. Os cartéis tomaram conta. O que torna muito difícil um acúmulo político que permita à esquerda propositiva, que pensa um projeto de desenvolvimento para todos, com inclusão e distribuição de renda, se constituir. E, do ponto de vista social eles estão criando as condições para a volta da fome e da miséria. A fome estava extinta no Brasil e a miséria absoluta também. Agora, é só caminhar por qualquer cidade que se observa sinais evidentes da fome e da miséria. Isso é na entrada do supermercado, no semáforo, embaixo das marquises está instalado de novo a fome e a miséria no Brasil do golpe. Esta é a situação geral.
EC – Como sair disso?
Nespolo – Nós entendemos que só pode haver alguma alteração no jogo político se houver alguma ação popular. Até agora não conseguimos montar uma reação popular que possa sinalizar desejo de mudança. A população ainda não entrou no jogo e continua assistindo, embora conforme vai aprofundando o desemprego, a carestia e o custo de vida, as pessoas começam a ter saudades imensas do Lula.
EC – A população têm medo?
Nespolo – Paralelo ao medo existe o ódio. Há o medo de perder o pouco que tem; do empregado não ficar desempregado. Há o medo decorrente dum nível de violência desejável por quem comanda o país, porque ela não é combatida com intervenção social. Ela é combatida só com repressão, o que retroalimenta a própria violência. O que nos coloca numa situação de conscientização e de necessidade fundamental desses comitês. A ideia é conseguir montar um comitê a exemplo dos metalúrgicos: cada sindicato tenha um comitê e a partir daí os comitês nas empresas.
EC – O que Lula pode fazer preso?
Nespolo – Vai chegar um momento em que o Lula vai reagir mesmo estando preso. E se o Lula é um porta-voz da esperança, de restabelecer as coisas e é o único que tem viabilidade eleitoral, vai chegar esse momento. A pressão internacional está assumindo um caráter importante, os eventos, o acampamento em Curitiba, a resistência ao lado da Polícia Federal, os comitês se instalando. Vai chegar um momento em que, esgotados os recursos legais e a Justiça não se apresentar e continuar com esse ambiente de injustiça, de prisão sem provas, de condenação sem crime, Lula tomará alguma outra atitude de dentro da prisão. Ele está jogando no limite da legalidade. E, na hora que ele provocar, que tiver uma atitude, que a gente não sabe qual será, nós temos de estar em condições de ter respaldo popular. Nós não temos ilusão de que o povo virá espontaneamente. Temos de aumentar a militância e o engajamento de pessoas. O que faz os grandes processos históricos é 1,5% da população. Se conseguirmos colocar dois milhões de pessoas nas ruas pressionando por uma libertação do Lula com eleições limpas, a gente determina o processo histórico.
EC – Mas esse é um movimento partidário?
Nespolo – Não. Estamos fazendo um movimento como classe trabalhadora que não é partido. Nós não somos partido. A base dos sindicatos é plural e estamos trabalhando para aumentar o nível de consciência do que está acontecendo. E o que está ocorrendo é uma brutal luta de classes. O outro lado está organizado: rede Globo, federações empresariais, setor midiático, para nos tirar direitos.
EC – A rede Globo se apropriou do jargão da esquerda que é a “disputa de narrativa” e vem repetindo isso em seus noticiários, que a esquerda “tenta disputar a narrativa” para impor sua visão dos fatos. Qual o contraveneno para essa retórica do jornalismo engajado nos interesses dos grandes grupos de mídia?
Nespolo – Para nós é muito difícil fazer o contraponto ao sistema midiático como um todo, que não é só a Globo. As demais se esforçam para ser ainda piores, porque estão todas compradas por essas federações empresariais ou têm seus interesses próprios no processo. A nossa possibilidade de acumulação está nos comitês e nas ruas, além de contar com as mídias alternativas (blogs, rádios comunitárias, imprensa independente) e com o engajamento das redes sociais. Existe um aparato interessante para estabelecer esse contraponto à Globo que tenta naturalizar a prisão do Lula. Porque se naturalizar cria inércia.
EC – Como vai ser o 1º de Maio nesse contexto?
Nespolo – Em 1886, o que deu origem ao 1º de Maio foi a greve geral, nos Estados Unidos, com morte de trabalhadores em Chicago, inclusive. Qual era a pauta? Oito horas de trabalho. E, no Brasil nessa época qual era o modelo de trabalho? A escravidão, que só acabou, ao menos no papel, dois anos depois, em 1888. O Brasil foi o último país do mundo a libertar seus escravos e do jeito que libertou. Aqui tem um problema de uma elite que é preguiçosa e que efetivamente não tem a vocação para fazer as reformas, nem mesmo as reformas liberais que qualquer país precisa para ser desenvolvido. Então, no 1º de Maio teremos um grande ato em Curitiba, será um evento internacional, em que várias delegações se dirigirão para lá. Curitiba se transformou em símbolo da resistência por conta de Lula estar preso na cidade.
EC – E em Porto Alegre?
Nespolo – Aqui em Porto Alegre, no espelho d’água da Redenção (Parque Farroupilha), teremos um 1º de Maio unificado com todas as centrais, às 10 horas da manhã. Será um evento de caráter regional, portanto quem mora até 150 quilômetros da Capital deverá se dirigir para Porto Alegre. É um feriado, mas será um dia de luta, de reivindicação, de mobilização e marcharemos por Direitos, pela Democracia e por Lula Livre. No interior os sindicatos e as centrais sindicais também promoverão atos em diversas cidades.
EC – Todas as centrais?
Nespolo – Todas, inclusive a Força Sindical. De repente bateu uma saudade do Lula até em setores que combatiam o Lula.