JUSTIÇA

Como ficou o texto final da tese do STF que derrubou o marco temporal

Entre outros pontos, ficou definido que, nos casos em que a demarcação envolva a retirada de não indígenas que ocupem a área de boa-fé, caberá indenização
Por César Fraga / Publicado em 28 de setembro de 2023

Como ficou o texto final da tese do STF que derrubou o marco temporal

Foto: Antônio Cruz/Agência Brasil

Foto: Antônio Cruz/Agência Brasil

Enquanto o Plenário do Senado Federal corria para aprovar a tese do marco temporal, com alguns jabutis, o Supremo Tribunal Federal (STF) fixava, na mesma quarta-feira, 27, a tese de repercussão geral no Recurso Extraordinário (RE) 1017365, em que o Tribunal rejeitou, já na semana passada, a possibilidade de adotar a data da promulgação da Constituição Federal (5/10/1988) como marco temporal para definir a ocupação tradicional da terra pelas comunidades indígenas.

Entre outros pontos, ficou definido que, nos casos em que a demarcação envolva a retirada de não indígenas que ocupem a área de boa-fé, caberá indenização, que deverá abranger as benfeitorias e o valor da terra nua, calculado em processo paralelo ao demarcatório, garantido o direito de retenção até o pagamento do valor incontroverso. Não haverá indenização nas terras indígenas que já estejam reconhecidas e declaradas em procedimento demarcatório, a não ser que o caso já esteja judicializado.

O relator do recurso, ministro Edson Fachin, destacou que a tese de julgamento foi gradativamente construída e conta com contribuições dos 11 integrantes do Tribunal. No mesmo sentido, a presidente do STF, ministra Rosa Weber, em sua última sessão plenária, celebrou o fato de que a tese tenha sido elaborada de forma colegiada, o que, em seu entendimento, “a fortalece aos olhos da sociedade”.

Durante a sessão, os ministros discutiram pontos que ficaram pendentes de julgamento e validaram a indenização a particulares que adquiriram terras de “boa-fé”.

A indenização por benfeitorias e pela terra nua valerá para proprietários que receberam dos governos federal e estadual títulos de terras que deveriam ser consideradas como áreas indígenas.

A tese aprovada confirma a derrubada do marco temporal e autoriza a indenização prévia paga em dinheiro ou em títulos de dívida agrária. No entanto, o processo deverá ocorrer em processo separado, não condicionando a saída dos posseiros de terras indígenas ao pagamento da indenização.

Votos pela indenização por boa-fé

Durante a sessão, o ministro Alexandre de Moraes votou para garantir a indenização para proprietários de boa-fé.

O ministro citou caso de colonos que lutaram na Guerra do Paraguai e receberam títulos de terras no Mato Grosso e no Mato Grosso do Sul. As terras estão em localidades que poderiam ser reconhecidas como terras originárias.

“Há situações em que nós não podemos resolver criando uma injustiça”, afirmou.

Para facilitar a finalização do julgamento, o ministro Dias Toffoli retirou sua proposta de voto para determinar prazo de 12 meses para o Congresso aprovar uma lei para permitir a exploração econômica das terras pelos indígenas.

Pela proposta, a produção da lavoura e de recursos minerais, como o potássio, poderiam ser comercializados pelas comunidades. Os indígenas teriam participação nos lucros.

“Havendo exploração legítima, autorizada na forma da lei, a ser aprovada, tenho a convicção de que diminuirão muito as ilegalidades e a exploração”, concluiu.

O processo que motivou a discussão trata da disputa pela posse da Terra Indígena (TI) Ibirama, em Santa Catarina. A área é habitada pelos povos Xokleng, Kaingang e Guarani, e a posse de parte da terra é questionada pela procuradoria do estado.

Como ficou a tese final

Confira a íntegra tese de repercussão geral fixada no Tema 1.031, que servirá de parâmetro para a resolução de, pelo menos, 226 casos semelhantes que estão suspensos:

I – A demarcação consiste em procedimento declaratório do direito originário territorial à posse das terras ocupadas tradicionalmente por comunidade indígena;

II – A posse tradicional indígena é distinta da posse civil, consistindo na ocupação das terras habitadas em caráter permanente pelos indígenas, das utilizadas para suas atividades produtivas, das imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e das necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições, nos termos do §1º do artigo 231 do texto constitucional;

III – A proteção constitucional aos direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam independe da existência de um marco temporal em 5 de outubro de 1988 ou da configuração do renitente esbulho, como conflito físico ou controvérsia judicial persistente à data da promulgação da Constituição;

IV – Existindo ocupação tradicional indígena ou renitente esbulho contemporâneo à promulgação da Constituição Federal, aplica-se o regime indenizatório relativo às benfeitorias úteis e necessárias, previsto no art. 231, §6º, da CF/88;

V – Ausente ocupação tradicional indígena ao tempo da promulgação da Constituição Federal ou renitente esbulho na data da promulgação da Constituição, são válidos e eficazes, produzindo todos os seus efeitos, os atos e negócios jurídicos perfeitos e a coisa julgada relativos a justo título ou posse de boa-fé das terras de ocupação tradicional indígena, assistindo ao particular direito à justa e prévia indenização das benfeitorias necessárias e úteis, pela União; e quando inviável o reassentamento dos particulares, caberá a eles indenização pela União (com direito de regresso em face do ente federativo que titulou a área) correspondente ao valor da terra nua, paga em dinheiro ou em títulos da dívida agrária, se for do interesse do beneficiário, e processada em autos apartados do procedimento de demarcação, com pagamento imediato da parte incontroversa, garantido o direito de retenção até o pagamento do valor incontroverso, permitidos a autocomposição e o regime do art. 37, §6º da CF;

VI – Descabe indenização em casos já pacificados, decorrentes de terras indígenas já reconhecidas e declaradas em procedimento demarcatório, ressalvados os casos judicializados e em andamento;

VII – É dever da União efetivar o procedimento demarcatório das terras indígenas, sendo admitida a formação de áreas reservadas somente diante da absoluta impossibilidade de concretização da ordem constitucional de demarcação, devendo ser ouvida, em todo caso, a comunidade indígena, buscando-se, se necessário, a autocomposição entre os respectivos entes federativos para a identificação das terras necessárias à formação das áreas reservadas, tendo sempre em vista a busca do interesse público e a paz social, bem como a proporcional compensação às comunidades indígenas (art. 16.4 da Convenção 169 OIT);

VIII – A instauração de procedimento de redimensionamento de terra indígena não é vedada em caso de descumprimento dos elementos contidos no artigo 231 da Constituição da República, por meio de procedimento demarcatório até o prazo de cinco anos da demarcação anterior, sendo necessário comprovar grave e insanável erro na condução do procedimento administrativo ou na definição dos limites da terra indígena, ressalvadas as ações judiciais em curso e os pedidos de revisão já instaurados até a data de conclusão deste julgamento;

IX – O laudo antropológico realizado nos termos do Decreto nº 1.775/1996 é um dos elementos fundamentais para a demonstração da tradicionalidade da ocupação de comunidade indígena determinada, de acordo com seus usos, costumes e tradições, na forma do instrumento normativo citado;

X – As terras de ocupação tradicional indígena são de posse permanente da comunidade, cabendo aos indígenas o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e lagos nelas existentes;

XI – As terras de ocupação tradicional indígena, na qualidade de terras públicas, são inalienáveis, indisponíveis e os direitos sobre elas imprescritíveis;

XII – A ocupação tradicional das terras indígenas é compatível com a tutela constitucional ao meio ambiente, sendo assegurados o exercício das atividades tradicionais dos indígenas;

XIII – Os povos indígenas possuem capacidade civil e postulatória, sendo partes legítimas nos processos em que discutidos seus interesses, sem prejuízo, nos termos da lei, da legitimidade concorrente da FUNAI e da intervenção do Ministério Público como fiscal da lei”

Comentários