MOVIMENTO

Alta da inflação força demanda por ações de combate à fome

Por Adriana Lampert / Publicado em 8 de outubro de 2021
No Rio Grande do Sul, os assentamentos do MST ampliaram a produção especialmente para abastecer comunidades carentes durante a pandemia

Foto: Maiara Rauber/ MST/ Divulgação

No Rio Grande do Sul, os assentamentos do MST ampliaram a produção especialmente para abastecer comunidades carentes durante a pandemia

Foto: Maiara Rauber/ MST/ Divulgação

O combate à fome dentro de comunidades carentes tem se tornado cada vez mais desafiador em solo gaúcho, principalmente na Capital. Não bastasse o cenário de desemprego que assola as periferias em meio à pandemia da covid-19, também as ações da sociedade civil estão fragilizadas pela alta dos preços

“Os produtos ficaram mais caros e as organizações sociais têm tido menos recursos para contribuir”, comenta o membro da coordenação do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Fernando Fernandes Damasceno Júnior. “Com o dinheiro que a gente paga por duas cestas básicas atualmente, se comprava três no ano passado”, compara.

No ranking das mais caras do país, a cesta básica de Porto Alegre registrou aumento de 1,18% em agosto, passando a custar R$ 664,67. “Esse valor equivale a 65,32% do salário mínimo (atualmente em R$ 1.100,00)”, destaca a economista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos do Rio Grande do Sul (Dieese-RS) Daniela Santi.

“Nas comunidades onde estamos distribuindo cestas básicas, as pessoas –  apesar de terem uma casa – não têm condições de preparar os alimentos, porque falta gás”, afirma a coordenadora do Cozinheiros do Bem – Food Fighters, Patrícia Stein. “Por conta disso, além de alimentos, em alguns casos também tem sido necessário doar botijões de gás para viabilizar que os produtos sejam aproveitados.”

Desde o início da pandemia, em março do ano passado, o projeto distribuiu 23 mil cestas básicas para comunidades carentes da Vila Cruzeiro, Beco do Buda, Chapéu do Sol, Restinga, Vila dos Sargentos, Vila No Limite, bairro Humaitá, entre outros. “Antes, a gente preparava um kit de alimentos essenciais com R$ 50,00. Atualmente, este dinheiro compra bem menos insumos.”

O sentimento de perda no poder de compra para as cestas básicas é compartilhado pelo integrante do MAB, ao afirmar que também o volume de recursos das doações diminuiu em 2021. De acordo com Damasceno Júnior, ainda assim as ações de solidariedade do MAB têm ocorrido quase todos os meses desde o início da pandemia. A distribuição de alimentos contempla cerca de 300 famílias de baixa renda que moram próximo de barragens na Lomba do Pinheiro, em Porto Alegre, e em periferias das regiões de Erechim e Santa Rosa.

“Ao todo, já foram distribuídas 1,5 mil cestas básicas”, calcula o militante. “No ano passado, participamos de um edital promovido pela Coordenadoria Ecumênica de Serviço (CESE), onde foi possível arrecadar verba para a compra de 130 botijões de gás.” Ao destacar que essa também é uma necessidade recorrente entre as comunidades que têm recebido as doações de alimentos, Damasceno enumera outras três ações que ocorreram através da disponibilização de vale-gás, em parceria com o Sindipetro e uma distribuidora local da Lomba do Pinheiro.

Foto: Igor Sperotto

Foto: Igor Sperotto

Aumento do gás impactou nas comunidades

A integrante do Comitê de Combate à Fome Contra o Vírus Saraí Brixner concorda que, quando se fala em alta dos preços, o que “mais chamou atenção neste ano foi o aumento do gás”. “No que se refere aos alimentos, nós damos um jeito de substituir, para fazer render os recursos que arrecadamos, mas em muitos momentos nossas cozinhas comunitárias precisaram utilizar fogão a lenha, porque só com gás, não se consegue dar conta.”

Criado por lideranças comunitárias da Lomba do Pinheiro, o Comitê atua com sete cozinhas comunitárias. A iniciativa surgiu a partir de uma doação feita à comunidade, que entregou cestas básicas para quem havia ficado desempregado no começo da pandemia. “Na época, percebemos que não era o suficiente. A realidade de fome, que já existia de forma intensa, ampliou consideravelmente”, explica Saraí.

MST sentiu dobrar a demanda

Um dos movimentos sociais que mais tem contribuído neste sentido é o dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). No Rio Grande do Sul, os assentamentos localizados em dez regiões ampliaram a produção especialmente para abastecer comunidades carentes durante a pandemia. Desde março do ano passado, já foram distribuídas 450 toneladas de produtos in natura, como hortaliças, mandioca, batata, repolho, beterraba, além de arroz, feijão, leite, e suco. E até o final de 2021 devem ser entregues mais 100 toneladas.

Segundo o integrante da direção estadual do MST e da coordenação da força-tarefa Periferia Viva, Gerônimo Pereira da Silva, desde 2020 a demanda dobrou. Atualmente, a ação do MST beneficia cerca de 10 mil pessoas que residem em locais como a Grande Cruzeiro, Lomba do Pinheiro e Morro da Cruz, em Porto Alegre; e em outras cidades da Região Metropolitana, como Gravataí, Viamão e Canoas (neste caso, no bairro Mathias Velho).

Para preencher a lacuna deixada pelo poder público (que, em cenário de pandemia, pouco tem feito para mudar a realidade das comunidades carentes), também igrejas, associações, sindicatos, e uma série de movimentos da sociedade civil seguem articulados no combate à fome. E ainda que neste ano a inflação seja a maior desde 2015 (segundo o IBGE), os movimentos e as organizações da sociedade civil seguem se esforçando para fazer os alimentos chegarem à mesa dos mais vulneráveis.

Um mês só não basta, pessoas comem todos os dias

Entre os desafios, está justamente o conteúdo de uma cesta básica, que, dependendo do tamanho da família, não dura o mês todo, confessa a assessora de projetos da Cáritas Regional-RS, Eliane Brochet. “Não basta dar uma cesta básica para uma família um mês, pois as pessoas comem todos os dias.”

“Levamos três toneladas de alimentos diretamente para as aldeias Guarani em Viamão, Barra do Ribeiro e Maquiné. Também foram distribuídas três toneladas de alimentos em cestas básicas para famílias em insegurança alimentar nos municípios de Cachoeirinha, Canoas, Alvorada e Santo Antônio da Patrulha”, calcula o bispo da Igreja Episcopal Anglicana do Brasil na Diocese Meridional, Humberto Maiztegui Gonçalves.

Também, a Comissão Pastoral da Terra do Rio Grande do Sul conseguiu arrecadar – entre 2020 e 2021 – R$ 190 mil para comprar cestas de alimentos, e sementes de feijão, milho crioulo e ramas de aipim, as quais foram entregues para plantio em comunidades quilombolas e aldeias indígenas. Parte dos recursos foi destinada à confecção de máscaras, para serem distribuídas nas comunidades, além de materiais de higiene e limpeza.

Ao todo, foram beneficiadas 500 famílias entre quilombolas, sem-terras, Guaranis e Kaingangs e outras de bairros pobres de Canoas e Ijuí. “Seguimos tentando auxiliar estas famílias, priorizando as que estão em situação mais crítica. É sempre difícil escolher, pois todas precisam destes alimentos”, comenta o coordenador da CPT/RS, Luiz Antônio Pasinato.

Mais de 195 toneladas de alimentos foram entregues pela CUT e sindicatos afiliados

Foto: Igor Sperotto

Mais de 195 toneladas de alimentos foram entregues pela CUT e sindicatos afiliados

Foto: Igor Sperotto

Movimento sindical já distribuiu quase 200 toneladas

Mobilizados através da Central Única dos Trabalhadores (CUT), mais de 20 sindicatos no estado também têm realizado mutirões semanais para distribuir cestas básicas à população em situação de vulnerabilidade. Até agora, foram mais de 195 toneladas de alimentos, o que equivale a 8,5 mil cestas básicas. Além disso, houve, no período mais crítico da pandemia, distribuição de máscaras e kits de higiene e limpeza, a fim de evitar a contaminação pelo novo coronavírus.

De acordo com o presidente da CUT, Amarildo Cenci, as campanhas de arrecadação acontecem em Porto Alegre e nas regiões de Rio Grande, Caxias do Sul, Pelotas, Santa Maria, Erechim. “Fizemos um levantamento no ano passado, para direcionar as cestas básicas também para comunidades indígenas e quilombolas, além de ocupações urbanas”, comenta o dirigente. “A realidade só piora, o que fez com que a gente evoluísse para trabalhar com quentinhas feitas por cozinhas comunitárias, além das doações de cestas básicas e de roupas de inverno.”

Cenci avalia que, no entanto, “isso não resolve o problema”. “Precisamos que o Estado brasileiro e os gestores responsáveis ajudem a construir saídas econômicas para que as pessoas tenham trabalho e renda e não precisem mais de doações.”

Leia também matéria sobre o projeto Professores Solidários, do Sinpro/RS.

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