MOVIMENTO

O agro colocado em xeque

Relatório da Associação Brasileira de Reforma Agrária apresenta aspectos negativos do atual modelo do agronegócio brasileiro
Por Marcelo Menna Barreto / Publicado em 22 de outubro de 2021
Segundo pesquisa, agrongócio fomenta a desigualdade, que faz com que atualmente 55% da população não tenha certeza se terá o suficiente para se alimentar no dia seguinte

Foto: Governo do Mato Grosso/Divulgação

Segundo pesquisa, agronegócio fomenta a desigualdade, que faz com que atualmente 55% da população não tenha certeza se terá o suficiente para se alimentar no dia seguinte

Foto: Governo do Mato Grosso/Divulgação

O Agro não é tech, o Agro não é pop e muito menos tudo, estudo apresentado ontem, 21, pela Associação Brasileira de Reforma Agrária (Abra) é, segundo a vice-presidente da entidade, a geografa Yamila Goldfarb, muito mais do que uma provocação. “Além dos impactos ambientais, econômicos e dos conflitos sociais, o agronegócio extensivo do ponto de vista econômico não é propriamente interessante”, afirma.

Para ela que, ao lado do também geógrafo Marco Antônio Mitidiero Júnior, assina o estudo, é justamente por isso as grandes iniciativas de marketing do setor que tem como carro chefe a campanha nacional que é veiculada na Rede Globo.

Financiado pelo escritório brasileiro da Friedrich-Ebert-Stiftung (FES), o trabalho da Abras aponta para a necessidade de se repensar o modelo de desenvolvimento que está sendo aplicado no Brasil.

Yamila registra que a pandemia acabou deixando claro a falsidade do conceito. “O discurso de que ele (o agronegócio) alimenta o Brasil é furado”, afirma.

Concretamente, o estudo vai mais longe. “O Agro não alimenta o mundo porque não alimenta nem os brasileiros, como pôde ser visto pela ótica da inflação dos preços alimentares e aumento da fome no Brasil”.

Yamila lembra os mais de 20 milhões de brasileiros que hoje passam fome e os mais de 50% da população em algum grau de situação de risco alimentar.

Drenagem de recursos

Yamila Goldfarb, geógrafa

Foto: Arquivo Pessoal

Yamila Goldfarb, geógrafa

Foto: Arquivo Pessoal

Com base em dados do Produto Interno Bruto do Brasil, o trabalho sentencia que Agro não só não é e não produz a “riqueza do Brasil” como drena a maior parte de recursos públicos em créditos, incentivos, isenções tributárias, perdões de dívidas, entre outras. “O grande lucro fica com empresas de capital estrangeiro como Bunge e Cargill”, denuncia a Abra.

Além disso, o setor depende de pacotes tecnológicos importados de fora e não é um grande gerador de postos de trabalho e renda. “Quem gera empregos são os setores de serviços, indústria e, no campo da agropecuária, a agricultura familiar”, recorda Yamila.

Outro efeito nefasto é a desindustrialização do país. De acordo com a vice-presidente da Abras, de 2014 para cá, há uma média de fechamento de sete fábricas por dia no Brasil.

“A década de 2000, com o boom das commodities fez com que o projeto nacional, inclusive de outros países da América Latina, abandonasse o setor industrial”, diz Yamila. A consequência disso se vê agora. O alto nível de desemprego.

Poder político

Para Yamila, o agronegócio com seu grande poder político consegue “negociar todas as benesses que a gente cita no estudo, inclusive em detrimento, de outros setores. Como eles não pagam impostos vendendo produtos primários, sem agregar valor, sem processamento, o próprio setor industrial fica de lado”.

Outra faceta desse poder político se mostra na instrumentalização de organismos do estado.

Silvio Porto, professor da Universidade Federal do Recôncavo Baiano (UFRB),

Foto: Arquivo Pessoal

Silvio Porto, professor da Universidade Federal do Recôncavo Baiano (UFRB)

Foto: Arquivo Pessoal

Silvio Porto, professor da Universidade Federal do Recôncavo Baiano (UFRB), recorda que na ocasião que o Ministério da Agricultura apresentou a proposta de desmobilização de armazéns da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), que tem por missão a estocagem de alimentos para a regulação do preço interno, a bancada ruralista no Congresso “não saiu em defesa da estatal e de sua função estratégica para o abastecimento alimentar do país. Agora, com a crise com a China, imediatamente recorrem ao governo para que a Conab compre os excedentes de carne, que não estão sendo exportados”.

Segundo Porto que foi diretor de Política Agrícola e Informações da Conab entre 2003 e 2013, os parlamentares ligados ao agronegócio entendem que a Conab “serve para salvaguardar seus interesses, ao invés de servir para garantir a segurança alimentar e Nutricional da população brasileira”, conclui.

 

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