OPINIÃO

Os sinais da barbárie se alastram pelo Brasil

Os códigos básicos da civilização vêm sendo infringidos e rasgados no Brasil, dia após dia, em meio a um véu de silêncio e cumplicidade, cujos principais agentes têm nome e sobrenome
Por Marco Aurélio Weissheimer / Publicado em 11 de março de 2020

Os sinais da barbárie se alastram pelo Brasil

Arte de Fabio Alves sobre imagens de vídeoweb

Arte de Fabio Alves sobre imagens de vídeoweb

Ninguém poderá dizer que foi pego de surpresa. O Brasil está vivendo um surto de envenenamento do convívio social e democrático que se expressa diariamente em cenas de violência, truculência, agressão e morte.

Mais grave ainda: essas práticas têm como um de seus principais protagonistas o próprio Estado que, em tese, deveria zelar pelo cumprimento da Constituição e da rede de direitos, garantias e princípios de convivência social necessários para que qualquer comunidade humana se constitua como uma sociedade minimamente civilizada.

Os códigos básicos da civilização vêm sendo infringidos e rasgados no Brasil, dia após dia, em meio a um véu de silêncio e cumplicidade, cujos principais agentes têm nome e sobrenome.

Os banqueiros e demais agentes do sistema financeiro comemoram o aumento de seus lucros e o desmonte do país, sob o olhar cúmplice ou omisso de generais, empresários, juízes das mais altas cortes, donos de grandes conglomerados midiáticos, governadores, prefeitos e parlamentares.

Em agosto de 2019, o procurador Enrico Rodrigues de Freitas, da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão (PRDC), do Ministério Público Federal, em uma conversa com jornalistas, alertou para os riscos de um recrudescimento do clima de ódio e intolerância no país. “Eu acho que se não houver uma reação forte da sociedade civil esse cenário tende a se agravar.

Aquelas pessoas que pensavam que é legítima a tortura hoje se sentem com a possibilidade de afirmar isso publicamente, legitimando atos de barbárie”, disse o procurador naquela ocasião. Enrico de Freitas apontou ainda o incremento de uma tentativa de legitimação de um discurso de violação de direitos humanos, na sociedade como um todo e dentro de órgãos do Estado brasileiro.

Autora de um estudo que vem monitorando o crescimento de grupos e movimentos de extrema-direita no Brasil, a antropóloga Isabela Oliveira Kalil, alertou, na mesma linha do procurador Enrico de Freitas, que a violência e a violação de direitos estão se banalizando no Brasil e a sociedade está aceitando como tolerável aquilo que deveria ser considerado intolerável numa democracia.

Ao eleger Jair Bolsonaro presidente da República, uma parcela expressiva da sociedade brasileira decidiu apostar em um projeto punitivista para resolver os problemas do país, tolerando socialmente autoritarismos e violações de direitos, a partir da ideia de que os direitos são seletivos e não se aplicam a todas as pessoas, disse ainda a antropóloga, que é coordenadora do Núcleo de Etnografia Urbana da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo.

A banalização da violência e da violação de direitos se reflete também nas relações pessoais. O aumento da já historicamente grave situação de violência contra a mulher é um exemplo disso. Só nos dois primeiros meses do ano, no Rio Grande do Sul, houve um aumento de 233% do número de feminicídios, segundo levantamento feito pela Força-Tarefa Interinstitucional de Combate aos Feminicídios criada pela Comissão de Segurança e Serviços Públicos da Assembleia Legislativa.

Para Ariane Leitão, advogada feminista,  especialista em Direitos Humanos e coordenadora da Força-Tarefa, esse incremento da violência é resultado direto do desmantelamento das políticas públicas na área, com o fim da Secretaria Estadual de Políticas para as Mulheres, no governo José Ivo Sartori (MDB), que só se agravou no governo de Eduardo Leite (PSDB), que disponibilizou apenas R$ 20 mil para aplicação em políticas públicas para as mulheres.

É um exemplo que se reproduz em outras áreas, atingindo indígenas, sem-terra, jovens, pequenos agricultores, trabalhadores urbanos, pessoas em situação de rua, LGBTs… A lista é extensa.

Em outubro de 2018, em um artigo que analisava a figura de Jair Bolsonaro, os simbolismos associados ao assassinato da vereadora Marielle Franco e a outros episódios de violência física e simbólica, o antropólogo Luiz Eduardo Soares vaticinou: “A mensagem já foi passada à sociedade. E a mensagem se resume a uma autorização. Autorização à barbárie.

A morte foi convocada. A barbárie está autorizada. O horror saiu do armário. Os espectros do fascismo estão aí, entre nós, a nos assombrar e ameaçar. Estão aí porque já existiam inclusive no espírito de alguns sujeitos que não imaginavam que pudessem ser contaminados”.

Policiais agredindo estudantes e mulheres grávidas, o presidente da República agredindo e insultando jornalistas, cadáveres estampados em capas de revistas… O horror saiu do armário e está entre nós. Nos governando inclusive.

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