OPINIÃO

Pesquisas covid-19, censo ensino superior e Enade

Por Gabriel Grabowski / Publicado em 3 de novembro de 2020

Foto: Igor Sperotto

Foto: Igor Sperotto


No livro Como mentir com estatística, publicado em 1954, Darrell Huff adverte que “Médias, relações, tendências e gráficos nem sempre são o que parecem. Pode haver mais coisas do que o olho vê, e pode haver bem menos”. No entanto, com o recente levantamento sobre publicações científicas relacionadas com a covid-19, analisados com os dados do Censo do Ensino Superior e do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade) de 2019, é possível, com os devidos cuidados, construir uma análise panorâmica em torno da qualidade do ensino superior brasileiro.

Em 2020, foram realizadas 168.546 publicações científicas sobre covid-19. O Brasil, com 4.029 publicações, é responsável por 2,39% da produção mundial, sendo o 11º país que mais publicou. Com 729 publicações, a Universidade de São Paulo (USP) responde por 18,5% da produção brasileira e é a 16º instituição que mais publicou sobre covid-19 no mundo. Está na nossa média histórica. É o que conseguimos oferecer com o que investimos nas pesquisas básicas e aplicadas.

Universidades públicas

As demais universidades brasileiras que se destacam são todas públicas Unifesp com 213 publicações, UFMG com 209, Unicamp com 195, Ufrgs com 131, Uerj com 124, Ufpe com 114, UFPR com 113, UNB com 112 e Ufsc com 107 trabalhos. É privilégio das públicas?

Não. É resultado de investimentos em Ensino, Pesquisa e Extensão que são desenvolvidos há décadas que, em situações de emergência, respondem com a agilidade necessária. Porém, há os que criticam o elevado “gasto” com ensino superior brasileiro, não querendo entender que a dependência científica e tecnológica, assim como a ignorância, são bem mais onerosas ao país.

O Censo do Ensino Superior, publicado pelo Inep/MEC em 23/10/2020, demonstra uma configuração diversificada do ensino superior. Do total de 2.608 instituições de ensino superior (IES), 2.076 são faculdades (79,6%), com 1.636.828 (19%) das matrículas. Os institutos federais e os Centro Federal de Educação Tecnológica (Cefet) totalizam 40 IES (1,5%) e 215.843 (2,5%) dos estudantes. Outras 294 IES (11,35) são Centros Universitários, com 2.263.304 (26,3%) estudantes matriculados. Apenas 198 (7,6%) IES são Universidades, com 4.487.849 (52.2%) das matrículas. Centros Universitários e Universidades gozam de autonomia, porém, somente as universidades são obrigadas a promover a pesquisa, com, no mínimo, quatro mestrados e dois doutorados. Porém, nem todas cumprem este requisito mínimo.

EAD já respondem por 28,4% das matrículas

O censo de 2019 revela outra tendência que deve alertar quem preza a qualidade da formação ofertada e o futuro desempenho dos egressos. A oferta de matrículas privadas retomou crescimento e já é responsável por 75,8%, quando em 2017 correspondia a 75,3%. O ensino na rede privada é 65% presencial e 35% em Educação a Distância (EAD), mais de um terço do total. As 20 maiores Universidades com cursos em EAD, 19 são privadas.

Na graduação, a EAD já é responsável por 28,4% do total das matrículas, com destaque para os cursos superiores de tecnologia (tecnólogos), com 58,1% e Licenciaturas com 53,3% de matrículas em EAD. As IES privadas respondem por 64% das matrículas da Licenciatura, sendo 73,5% em EAD. No entanto, as IES públicas respondem por 36% das matrículas, com 82,6% de oferta presencial. Ou seja, o crescimento da oferta e expansão da EAD se dá nas IES privadas, a maioria sem investimento em pesquisa; e, a oferta presencial, predomina nas universidades públicas.

Na edição Enade 2019, também divulgados em outubro, foram avaliados 8.368 cursos de graduação, mas somente 511 (6,1%) obtiveram nota máxima. Apesar de representarem apenas 24% dos milhares de cursos avaliados, as universidades públicas brasileiras – federais e estaduais – concentraram 81% das graduações com nota máxima. No Rio Grande do Sul (RS), 592 cursos foram avaliados, sendo que 6,5% obtiveram nota máxima, sendo apenas três (3) destes com oferta em EAD.

As IES particulares são a maioria no Brasil

Representam cerca de 76% das graduações avaliadas, mas têm apenas 23% dos cursos com nota máxima. Já no RS, das 37 graduações com nota máxima, 29 são públicas federais, sete são privadas sem fins lucrativos e, apenas uma com fins lucrativos. Na outra ponta da tabela, 2.891 (34%) cursos obtiveram notas um e dois, portanto, “reprovados”. Os cursos das instituições privadas com fins lucrativos são a grande maioria, com 1.650 cursos e, as privadas sem fins lucrativos, somam 1.041 com notas um e dois.

Neste segmento com fins lucrativos, predominam grupos educacionais empresariais mercadológicos, hegemonizando a maioria das matrículas na esfera privada, apostando na modalidade EAD e sem padrão mínimo de qualidade, como prevê a Constituição Federal. O problema não reside na modalidade da EAD em si, mas nesta EAD brasileira, extremamente frágil, padronizada, customizada e de escala exponencial.

A relação público & privado na educação brasileira é um desafio histórico. Muitos estudos recomendam a necessidade de discutir e estruturar um Sistema Nacional de Educação Articulado, bem como um novo padrão de qualidade do ensino superior. Este novo modelo precisa estar integrado as demandas da sociedade e deve priorizar o ensino e a pesquisa, com bons professores, com aumento de investimentos – conforme estabelece Meta 20 do PNE vigente -, e autonomia acadêmica.

Iniciação científica e desempenho dos estudantes

Existem evidências e correlações robustas nas estatísticas entre instituições que praticam a iniciação científica, a pesquisa como princípio educativo e a pesquisa científica, sejam instituições de educação básica ou ensino superior, com a qualidade do ensino e o desempenho dos estudantes. Os Institutos Federais (IFs), a Escola Fundação Liberato (estadual), as Universidades Públicas – federais e estaduais – e as instituições Comunitárias sem fins lucrativos comprovam esta afirmação.

Há outros fatores que impactam na educação e produção científica nacional, tais como: as condições econômicas das famílias, as desigualdades sociais, as diferenças regionais, a ausência de conectividade digital com qualidade, condições precárias de vida da população, a crise econômica e o alto desemprego dos jovens trabalhadores.

Vivemos a maior crise que a educação já enfrentou, superior a todas que já ocorreram, com a evasão de jovens do ensino médio e superior, a queda da qualidade do ensino virtual e o agravamento das consequências sobre os jovens. E o Ministério da Educação se omite do papel de coordenar iniciativas que possam amenizar os efeitos desta situação: saiu de cena neste momento de crise, quando mais se precisa de coordenação, de programas emergenciais e novos investimentos.

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