OPINIÃO

A comunidade branca precisa ser confrontada com as mazelas que impôs ao povo negro

A polêmica acerca do trecho racista do hino rio-grandense expõe o abismo social em um estado que se orgulha de ser racista, onde sempre prevaleceu a cultura de exclusão, segregação e violência étnica
Por Ritchele Luis Vergara da Fontoura* / Publicado em 26 de janeiro de 2021
Não pense, caro leitor, que a cidade de Porto Alegre possui poucos negros. Por aqui somos mais de 20% da população. Mas 50% de nós moram em apenas seis bairros, segregados. Contudo, até este ano nós nunca tivemos uma bancada negra na Câmara Municipal de Porto Alegre.

Foto: Matheus Gomes/ Twitter/ Divulgação

Não pense, caro leitor, que a cidade de Porto Alegre possui poucos negros. Por aqui somos mais de 20% da população. Mas 50% de nós moram em apenas seis bairros, segregados. Contudo, até este ano nós nunca tivemos uma bancada negra na Câmara Municipal de Porto Alegre.

Foto: Matheus Gomes/ Twitter/ Divulgação

Enquanto homem negro, vejo como extrema necessidade a discussão acerca do racismo enraizado na sociedade gaúcha. Sim, há negros no Rio Grande do Sul. Só para se ter uma ideia do abismo social, Porto Alegre é a capital mais segregada do Brasil. Aqui a comunidade branca expulsou as pessoas negras através de medidas legais, mas também violentas, das regiões centrais da cidade, relegando a elas os bairros mais distantes e sem infraestrutura urbana. O resultado dessa fórmula, pode-se imaginar, muita violência e miséria, mas não sem muita luta social.

Não pense, caro leitor, que a cidade de Porto Alegre possui poucos negros. Por aqui somos mais de 20% da população. Mas 50% de nós moram em apenas seis bairros, segregados. Contudo, até este ano nós nunca tivemos uma bancada negra na Câmara Municipal de Porto Alegre.

O ano de 2021 iniciou com a primeira bancada negra fazendo sucesso. Sim, sucesso! Jornais de todo o país divulgaram a notícia: protestos contra trecho racista no hino do RS durante a cerimônia de posse de vereadores da capital gaúcha virou o grande assunto do momento.

No estado como um todo somos percentualmente menos expressivos, se comparado com a percentagem nacional, contudo, para além de existir, resistimos através de organizações, de cultura e de intelectualidade. O dia 20 de novembro, por exemplo, foi elaborado por pensadoras e pensadores negros. A data se tornou referência. É o dia da Consciência Negra. A data tornou-se feriado em muitos lugares do país.

Na última década, com um número crescente de pessoas negras nas universidades, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), se deparou com a seguinte situação: sempre que o hino gaúcho era entoado nas cerimônias de colação de grau, muitos dos negros formandos e dos que estavam na plateia permaneciam sentados, em protesto ao hino com frase racista.

O resultado disso foi a derrubada da obrigatoriedade da execução do hino rio-grandense nas formaturas.

Entenda. Vereadores da comunidade branca se sentiram ofendidos com a manifestação silenciosa – ato de não se levantar durante a execução do hino gaúcho. A “revolta” foi vocalizada pela vereadora Nádia Gerhard (DEM), que foi à tribuna para dizer que considerava a atitude de protesto como desrespeitosa e que os vereadores contrários ao hino deveriam “sair da sala”.

“Atitudes dessa forma desrespeitosas, de indisciplina, não estão permitidas aqui dentro dessa Câmara Municipal de Vereadores. Nós temos, sim, que fazer a correção dos atos para que isso não aconteça dentro da Câmara que legisla Porto Alegre”, disse Nádia.

A Nádia acredita que ela tem poder de permitir, mandar e desmandar em colegas vereadores. Risos.

A vereadora foi prontamente respondida por Matheus Gomes (PSol), que assumia na data o seu primeiro mandato na Câmara de Porto Alegre.

“Nós, como bancada negra, pela primeira vez na história da Câmara de Vereadores, talvez a maioria daqui que já exerceu outros mandatos não esteja acostumada com a nossa presença, não temos obrigação nenhuma de cantar um verso que diz: ‘povo que não tem virtude acaba por ser escravo’”, disse.

Até porque povo que não tem virtude é aquele que escraviza, não é mesmo, Matheus Gomes. Foi certeiro. E que aula!

Em aceno positivo à população negra, o deputado estadual Luiz Fernando Mainardi (PT) protocolará um projeto de lei na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul para alterar o trecho considerado racista pelo movimento negro do Estado. Na nova versão, a alteração é no verso “povo que não tem virtude acaba por ser escravo”, que passaria a ser “povo que não tem virtude acaba por escravizar”.

A comunidade branca vai precisar se deparar com todas as mazelas que impôs ao povo negro. O hino gaúcho é só a primeira questão trazida à luz pela bancada negra em 2021.

*Ritchele Luis Vergara da Fontoura é estudante de Direito na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) e servidor municipal Prefeitura de Porto Alegre (RS) – @negoritchie

Comentários