OPINIÃO

Pandemia, teatros fechados e fomento à Cultura

Por Cristiano Goldschmidt / Publicado em 13 de março de 2021
O espetáculo <em>De La Mancha: O Cavaleiro Trapalhão</em> estava em cartaz no Porto Verão Alegre de 2020. Na foto, os atores Henrique Gonçalves e Guilherme Ferrêra, que também dirigiu o espetáculo

Foto: Tom Peres

O espetáculo De La Mancha: O Cavaleiro Trapalhão estava em cartaz no Porto Verão Alegre de 2020. Na foto, os atores Henrique Gonçalves e Guilherme Ferrêra, que também dirigiu o espetáculo

Foto: Tom Peres

No dia 11 março de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) classificou o novo coronavírus como uma pandemia. Os países começavam a se preocupar, mas ainda não havia como prevermos a real dimensão que essa tragédia tomaria.

Naquele dia, o mundo contabilizava 118 mil pessoas infectadas pela covid-19 em 114 países, com 4.291 mortes. Um ano depois, temos mais de 118 milhões de infectados, e o número de mortes ultrapassa dois milhões e seiscentas mil pessoas.

No Brasil, em 11 de março de 2020, tínhamos 34 casos confirmados e nenhum óbito. Hoje, temos mais de 11 milhões de infectados e ultrapassamos a marca de 275 mil mortes.

Enquanto muitos países lutam para conter o avanço do vírus e minimizar o seu impacto na população, há os que ainda desdenham do seu poder de destruição. O Brasil, infelizmente, encontra-se nesse segundo grupo, tendo como presidente um indivíduo que encabeça a lista dos governantes que menos agem para proteger o seu povo. Bolsonaro, juntamente com seus filhos, também é considerado o que mais contribui com a disseminação de fake news, confundindo e desinformando a população, além de atacar sistematicamente a ciência e os cientistas.

Se os ataques aos adversários políticos, à educação, às artes e às minorias étnicas e de gênero contribuíram para a eleição do presidente, seus discursos de ódio e sua postura beligerante se intensificaram depois da posse, com perseguições diretas, fragilizando instituições e extinguindo políticas públicas, cortando investimentos em saúde, em programas sociais e em setores primordiais da economia, afetando milhões de pessoas de Norte a Sul do país.

Trabalhadores e trabalhadoras da cultura desde a campanha eleitoral vinham sendo alvo de notícias falsas que jogavam o povo contra esses profissionais, como as que afirmavam que os artistas enriqueciam às custas da Lei Rouanet.

Às difamações e mentiras, seguiu-se o estrangulamento e o sufocamento de uma das áreas mais importantes para o desenvolvimento da Nação, e assim os trabalhadores da economia criativa se tornaram as primeiras vítimas. Tão logo Bolsonaro tomou posse, resolveu extinguir o Ministério da Cultura.

É nesse contexto dramático e desolador, potencializado pela pandemia, que levou ao fechamento dos teatros e centros culturais a partir de março de 2020, que no próximo dia 27 de março “comemoraremos” o Dia Mundial do Teatro, data criada em 1961 pelo Instituto Internacional de Teatro, ligado à Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco).

Da eleição de Bolsonaro para cá, a situação agravou-se. Os ataques do presidente aos artistas não cessaram, e a tragédia só não foi maior porque há constante mobilização de alguns parlamentares, governadores, secretários estaduais de cultura e prefeitos para garantir verbas para a área, num esforço conjunto que tem proporcionado à classe a manutenção de suas atividades, mesmo que de forma aquém da ideal.

Editais e Leis de Incentivo garantem respiro aos artistas

Para o escritor Airton Ortiz, presidente do Conselho Estadual de Cultura do RS (CEC-RS), o drama dos artistas só não é maior porque os editais de fomento à cultura, como os da Lei Aldir Blanc – conquistados pela movimentação das lideranças que fazem oposição à política genocida do governo Bolsonaro –, têm sido importantes mecanismos de apoio desde o início da pandemia.

“Vejo essas iniciativas possibilitando a muitos grupos de teatro e artistas independentes a continuidade de suas produções artísticas, mesmo que em novos formatos, como a adaptação das peças para as transmissões virtuais, bastante difundidas e discutidas atualmente”, observa.

O ator Henrique Gonçalves, com alguns anos de palco e importantes premiações no currículo – integrante da Rococó Produções Artísticas e Culturais, e do Projeto Gompa – diz que desde o início da pandemia tem refletido sobre a necessidade da arte para a vida das pessoas. E declara: “O que tem me salvado durante todo esse período se relaciona com arte: música, filmes, séries, poesias”.

Contemplado com o edital 09/2020 da Secretaria da Cultura do RS, da Lei Aldir Blanc, Henrique é o exemplo real da importância das políticas de incentivo à cultura, da disponibilização e da aplicação de recursos nas produções artísticas.

Mas ele também fala da necessidade da continuidade desses investimentos. “A criação e a manutenção dos editais culturais são necessárias para a arte e para que nós, artistas, consigamos resistir. A Lei Aldir Blanc é um grande exemplo disso, porque inúmeras famílias, profissionais, coletivos, trabalhadoras e trabalhadores das artes acessaram esses recursos e estão buscando formas de continuar”.

Mesmo beneficiado com o edital da LAB, ao ver as dificuldades e a paralisação desse que é um dos setores que mais movimenta a economia nacional, Henrique desabafa sobre o descaso para com a cultura do país, e diz sentir-se angustiado com as poucas perspectivas de retorno às atividades: “Entre as inúmeras dificuldades desses tempos tão tristes e obscuros, uma das que mais me afeta é a dificuldade em encontrar prazer para continuar exercendo o nosso ofício com a mesma motivação de antes”.

Para o diretor Luciano Alabarse, 2020 realmente virou toda a classe cultural de cabeça para baixo, “puxou o tapete e nos tirou o chão, levando embora qualquer ideia de rotina”, afirma. Ele afirma que os efeitos do vírus foram devastadores para a atividade cultural, e as grandes questões, que ainda permanecem, são essas: “Como voltar a trabalhar em grupo? Como ensaiar? Como se comunicar com o público de forma presencial?”, pergunta.

Alabarse lembra ainda que todas as tentativas foram experimentadas nesse um ano. “Lives, ciclos de palestra, grupos de estudos, espetáculos na internet, todas válidas, mas com resultados díspares”, expõe. O diretor também concorda com Airton Ortiz e Henrique Gonçalves quando afirmam que a Lei Aldir Blanc ajudou os artistas nesse período. “Com o respiro da LAB, cumpre buscar e criar condições para que a atividade artística volte a demonstrar sua usual potência, tanto aos artistas quanto o próprio público”. E finaliza: “A fresta de sol, por enquanto, não deixa o sol brilhar em plenitude”.

Como alternativa ao momento difícil, Ortiz também fala sobre a possibilidade de viabilização de projetos culturais através da Lei de Incentivo à Cultura do RS, a LIC-RS, mecanismo que possibilita a artistas e produtores culturais a captação de recursos em empresas privadas via renúncia fiscal, mas aponta para o baixo número de projetos voltados para as Artes Cênicas que buscam sua viabilização junto a este sistema.

“É preciso identificar o que de fato acontece. Recentemente aprovamos no CEC um projeto muito interessante do grupo Tholl, de Pelotas, cujo trabalho e trajetória é do conhecimento de todos, mas são em menor número os projetos do segmento das Artes Cênicas que nos chegam”, atesta. “Sem dúvida as empresas agregariam bastante não só para a cultura do Estado se investissem mais em espetáculos teatrais, mas principalmente para a sua imagem, porque a diversidade dos investimentos faz com que ampliem o seu público, o que resulta em aumento de prestígio na sociedade em que estão inseridas e atuam”.

Nesse sentido, uma contribuição que o CEC-RS está dando para a comunidade cultural do Estado é a apreciação dos projetos da LIC-RS antes do prazo regimental, que é de 60 dias. Um verdadeiro tour de force dos Conselheiros de Cultura para que os projetos sejam aprovados antes do prazo, para que artistas e produtores culturais possam captar os recursos com a maior brevidade possível.

Cristiano Goldschmidt é doutorando e mestre em Artes Cênicas (Ufrgs). Conselheiro de Estado da Cultura do RS.

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