OPINIÃO

Uma breve história do teatro no Rio Grande do Sul

Por Cristiano Goldschmidt / Publicado em 26 de março de 2021
Theatro Sete de Abril, de Pelotas. Filme O Mágico de Oz. Década de 1940. Acervo Memorial Theatro Sete de Abril

Foto: Reprodução Acervo Memorial Theatro Sete de Abril

Theatro Sete de Abril, de Pelotas. Filme O Mágico de Oz. Década de 1940

Foto: Reprodução Acervo Memorial Theatro Sete de Abril

Todos os anos, o dia 27 de março é dedicado às comemorações do Dia Mundial do Teatro. Neste ano, em Porto Alegre, a data foi celebrada dez dias antes, em 17 de março, numa sessão do Conselho Estadual de Cultura do Rio Grande do Sul (CEC-RS), transmitida ao vivo pelas redes sociais, alcançando 570 visualizações no Facebook. Na oportunidade, artistas, professores e pesquisadores, além de discutirem questões de gênero e raça nas artes da cena, apresentaram o que vem sendo feito em teatro em nosso Estado ao longo dos anos.

Quando se fala em teatro, para a maioria das pessoas vem à mente aquilo que é apresentado em um palco. A reunião organizada pelo CEC teve como objetivo mostrar ao público que o teatro vai além daquilo que é feito no que chamamos palco italiano, e que nas suas diferentes possibilidades, mais que entretenimento, ele contribui para o desenvolvimento de uma nação, gerando milhares de empregos, produzindo e agregando conhecimento e ampliando os horizontes da população.

Participaram da celebração, Marcelo Ádams, reconhecido e premiado ator gaúcho, também professor de teatro da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (Uergs), a quem coube traçar um panorama do teatro no Rio Grande do Sul; Vera Bertoni, atriz, professora e pesquisadora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), que falou sobre a contribuição do Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da instituição na formação de professores de teatro e dança; William Molina, ator, professor de teatro do Colégio de Aplicação da Ufrgs, que apresentou as memórias do ensino de teatro no Aplicação; Marcos Breda, ator gaúcho, que há muito reside fora do Estado, emprestando seu talento para produções que correm o país, mas que nunca perdeu o contato e o afeto com suas origens, que falou sobre a obra dramatúrgica de Caio Fernando Abreu: O Teatro de Caio Fernando Abreu: 25 anos Luz; e Sirmar Antunes, ator que do alto do seu talento, já reconhecido pela sociedade em anos de carreira, falou sobre os artistas negros em cena.

Por uma questão de espaço, e também por considerar importante a profundidade das informações e discussões dos cinco artistas convidados, que trouxeram diferentes aspectos da história, da prática e dos estudos teatrais, optei por apresentar um apanhado desse panorama em nosso Estado em três diferentes textos, a serem publicados em momentos distintos. Assim, nesta primeira publicação, compartilho com os leitores uma breve e incompleta história do teatro gaúcho, muito bem resumida por Marcelo Ádams nos seus dez minutos de fala – algo que só bons professores conseguem fazer. Em meus dois próximos textos, pretendo entregar ao leitor as principais contribuições de Vera Bertoni (a universidade na formação de artistas e professores) e William Molina (teatro na escola); e de Marcos Breda (o teatro de Caio Fernando Abreu) e Sirmar Antunes (artistas negros em cena).

Folha da Tarde de 25 de agosto de 1967 noticia nascimento do Teatro de Arena, na Capital. Imagem do livro Teatro de Arena Palco de Resistência, de Rafael Guimaraens

foto: Reprodução/livro Teatro de Arena Palco de Resistência, de Rafael Guimaraens

Folha da Tarde de 25 de agosto de 1967 noticia nascimento do Teatro de Arena, na Capital

foto: Reprodução/livro Teatro de Arena Palco de Resistência, de Rafael Guimaraens

Panorama da história do teatro gaúcho

Ao traçar um breve panorama da história do teatro em nosso Estado, Marcelo Ádams iniciou lembrando que desde o século 18, o RS conta com casas de espetáculo, pontuando que nos primórdios elas eram chamadas de Casas de Ópera, locais em que, como o próprio nome indica, encenavam-se óperas, comédias, tragédias, pantomima, atos burlescos e uma série de outras manifestações cênicas.

Nas palavras de Ádams, esse apreço pelo Teatro, que remonta ao período colonial do Brasil, iniciou sob a influência da colonização portuguesa, fato que pode ser constatado por pesquisadores e estudiosos pelos registros dos espetáculos, em que predominavam artistas e dramaturgias provenientes de Portugal. Mas ele também lembrou que outra influência foi a da cultura francesa, que perdurou até as primeiras décadas do século XX.

Em sua fala, o professor da Uergs fez referência à localização geográfica estratégica do RS e de algumas de nossas cidades, que devido a essas condições, foram privilegiadas com a visita de companhias europeias que se deslocavam do Rio de Janeiro para Montevidéu e Buenos Aires.

“Além da cidade do Rio de Janeiro, sede da corte, e algumas outras cidades nordestinas, como Salvador e Recife, três cidades gaúchas se notabilizaram pelo trânsito intenso de companhias europeias, durante boa parte do século 19: Pelotas, Rio Grande e Porto Alegre. Artistas que desembarcavam na América do Sul com seus elencos e estruturas cênicas, para realizar apresentações de seus espetáculos em cidades grandes como Buenos Aires e Montevidéu, tinham que cruzar o Rio Grande do Sul. E por esse motivo, dada a proximidade de nossas cidades com Argentina e Uruguai, aproveitavam a oportunidade para também realizar apresentações por aqui”.

Privilégio geográfico

Marcelo Ádams não tem dúvidas ao afirmar que foi esse privilégio geográfico do RS que de alguma forma incentivou não apenas a construção de teatros como o Sete de Abril, de Pelotas, de 1833, o Sete de Setembro, de Rio Grande, de 1832, e o São Pedro, de Porto Alegre, de 1858, mas de várias outras casas de espetáculos, em várias cidades gaúchas. Para ele, ao lado dessa feliz constatação, também se coloca outra, bem mais triste. “Muitos desses teatros do século 19 foram demolidos, propositalmente, ou incendiados, acidentalmente. Como caso exemplar, cito o Teatro Sete de Setembro, de Rio Grande, que foi demolido em 1949”.

Se muitos dos nossos imponentes teatros já não existem mais, fruto do descaso das autoridades, Marcelo lembra que essa desvalorização do nosso patrimônio cultural não se restringe aos séculos passados. “Em pleno século 21, testemunhamos não apenas a destruição a marretadas de nossos teatros, mas principalmente a morte à míngua de nossos espaços culturais, por falta de investimentos públicos para manutenção e, coisa grave, a não criação de novos espaços, que acompanhem o ritmo de crescimento e a diversidade de nossa população”.

Produção intensa

Para o pesquisador, relembrarmos a ligação do Rio Grande do Sul com as artes cênicas comprova a intensa e relevante produção teatral aqui realizada, “considerada pelos especialistas como uma das mais importantes do Brasil, pela qualidade artística e pela pesquisa de linguagem”.

Pulando algumas décadas, Ádams também falou sobre o teatro gaúcho em um momento marcante na história brasileira: o golpe civil-militar de 1964. Segundo ele, desde os anos 1950 a organização de grupos de teatro no Estado havia se intensificado, e tudo indicava que um movimento de apropriação de temas e linguagens brasileiras passava a preocupar nossos artistas da cena.

Teatro de Equipe, Pelotas e Arena

“A fundação do Teatro de Equipe de Porto Alegre, em 1958, mesmo ano do início do curso de Arte Dramática da Ufrgs, ligado à Faculdade de Filosofia, demonstrava que se andava a passos largos na renovação estética e temática de nossas artes cênicas”, conta Ádams.

Outro aspecto deste triste capítulo de nossa história salientado pelo professor e pesquisador, é que a partir do golpe militar, o incremento na produção teatral do RS de alguma forma refletiu o sentimento generalizado de insegurança, com o surgimento de vários grupos e artistas de teatro que, mesmo não abordando criticamente, em todas as ocasiões, o regime de exceção então vigente, consolidou esses coletivos em torno de uma necessidade de expressão. Ádams lembra ainda que esse momento da história brasileira, dos anos 1960 e 1970, foi paralelo à explosão da contracultura e dos movimentos libertários ao redor do mundo.

“Temos em Pelotas, a partir dos anos 1960, o trabalho de Valter Sobreiro Júnior; e em Porto Alegre, o Teatro de Arena, criado em 1967, comandado por Jairo de Andrade, cujo espaço localizado na Avenida Borges de Medeiros é, atualmente, administrado pelo Estado. Em 1970, surgiu o grupo de teatro Província de Porto Alegre com suas inovações estéticas e experimentações cênicas; em 1978, foi criado o coletivo porto-alegrense Ói Nóis Aqui Traveiz, que continua até hoje lutando por um espaço físico próprio que abrigue sua arte e sua forte ligação com a comunidade; e a Cia Teatro Novo, de Ronald Radde, as produções de Ana Maria Taborda, etc.”

Ciente da incompletude de sua fala, Marcelo Ádams citou uma lista de dezenas de grupos teatrais do interior do Estado e da capital, antigos e atuais, mas fez questão de ressaltar que os nomes são muitos, impossíveis de serem mencionados em tão curto espaço de tempo, e que alguns deles já pararam de fazer teatro, deixando em seu lugar novas gerações de artistas, que foram formados justamente com a audiência a esses espetáculos. Para ele, esse é um dos pontos importantes de serem mencionados.

Novas gerações

“As novas gerações de artistas teatrais, ainda que subvertam as estéticas dos que lhes antecederam, são resultado da insistência em fazer teatro em locais que, muitas vezes, não favorecem em nada seu florescimento, em virtude das condições técnicas e do parco ou inexistente incentivo público. Mas, paradoxalmente, nunca se viu tanto fazer teatral, em nosso Estado, como hoje”, reflete. E acrescenta: “Juntar-se em grupos foi e é a solução que os teatreiros encontraram para agregarem força e conseguirem levantar suas produções, e fazê-las chegar ao máximo de pessoas, nas mais diferentes regiões do Estado. Fazer teatro em localidades fora da capital é, sempre, um movimento de resistência e, por que não dizer, revolucionário”.

Ao finalizar sua manifestação, Marcelo Ádams disse que celebrar o Dia mundial do Teatro é um gesto simbólico que merece nossa adesão, mas que ao mesmo tempo, “pensar em um Dia Mundial não pode fazer com que essa abstração gigantesca chamada mundo nos faça esquecer que, para além do mundo lá fora, existe o Teatro aqui dentro, perto de nós, nas pequenas cidades, nos bairros afastados”. Nas suas palavras: “É esse teatro não mundial, mas local, que devemos celebrar em primeiro lugar. É esse Teatro daqui, feito por nossos artistas, que necessita, urgentemente, de um olhar próximo e acolhedor, e que enxergue a importância fundamental da presença da Arte em nossas vidas” reflete.

Cristiano Goldschmidt é doutorando e mestre em Artes Cênicas (Ufrgs). Conselheiro de Estado da Cultura do RS.

Comentários