OPINIÃO

Afeganistão, um desastre do século XX

Por Fernando Horta / Publicado em 20 de agosto de 2021

Foto: Visualhunt.com/ Banco de Imagens

“O Afeganistão é mais uma demonstração inequívoca do fracasso das intervenções internacionais do ocidente”

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Trinta e quatro trilhões de dólares. Este é o número que é importante conhecer para que se comece a falar sobre o problema atual no Afeganistão. Entre 2001 e 2021, os EUA gastaram 34 trilhões de dólares na chamada “Guerra ao Terror”. Os atentados ao World Trade Center geraram no governo dos EUA um sentido de inimputabilidade das ações internacionais, ocasionalmente amparado pela solidariedade internacional, consequência dos odiosos atos que tinha sido vítima.

O cálculo feito pelo governo Bush era de que seu governo precisava dar uma resposta para a opinião pública interna e, ao mesmo tempo, poderia aumentar a ingerência norte-americana no mundo. Condolezza Rice, secretária do Departamento de Estado no governo Bush (o equivalente ao nosso Itamaraty), gestou um plano audacioso que incluía o ataque aberto e também por forças de segurança e serviço secreto sobre alguns países nomeados “eixo do mal” pelo governo. Supostamente, estes países seriam sede de treinamento, financiamento e apoio a grupos terroristas.

Doutrina Bush

A chamada “Doutrina Bush” inicialmente nominava o Irã, o Iraque e a Coréia do Norte. Alguns meses adiante, a inteligência norte-americana viria a afirmar que a Al-Qaeda, que naquele momento se defendia estar sediada sob a proteção do governo de Saddam Hussein, teria “se movimentado” para o território do Afeganistão. O país asiático aparecia novamente para o mundo ocidental como espaço de necessidade de intervenção.

Quase dez anos foi o tempo da caçada dos EUA ao terrorista Osama bin Laden, tendo sido morto em 2011 por forças especiais americanas. No rastro desta caçada, o ocidente – representado nas ações dos EUA – impôs ao Afeganistão mais uma ação de intervenção internacional. Mais uma desastrosa ação.

A história do Afeganistão pode ser descrita como sendo um território de passagem. Desde a conquista das populações locais como parte da expansão muçulmana no século VII, até as invasões dos turcos e mongóis no século XI, o território do Afeganistão é espaço de passagem entre Ásia, Europa e Oriente Médio.

O conhecimento do ocidente sobre esta atormentada parte do globo se torna maior apenas quando, em 1978, um golpe de Estado retira do poder a dinastia Barakzai (que havia, por exemplo, tornado a escravidão ilegal apenas em 1923!) e estabelece um governo comunista, apoiado pela antiga URSS.

A verdade é que na segunda metade do século XX o Afeganistão vivia o que foi chamado de “ocidentalização”, a partir das influências da Inglaterra e dos EUA sobre a região. A disputa ideológica pelo país – fronteira com a URSS – se tornou um objeto de barganha da dinastia Barakzai com o ocidente.

Guerra fria

Entre 1978 e 1979, a geopolítica da guerra fria passou a funcionar abertamente dentro do Afeganistão. O mundo ocidental passou a apoiar, treinar e financiar grupos que lutavam contra o regime comunista recém-instalado. Diante da ameaça em suas fronteiras, a URSS invade o Afeganistão para proteger o regime dito revolucionário que assumiu o poder em 78.

Tal ação provocou indignação do ocidente e até o boicote das Olimpíadas de 1980, sediadas em Moscou.

O Afeganistão viu seu território e sua população envolvidos nas grandes disputas da Guerra Fria. A invasão soviética passou a ser conhecida como “o atoleiro do Afeganistão”, lembrando a mesma função de desgaste que cumpria o Vietnã para os EUA.

Grupos guerrilheiros muçulmanos que se escondiam nas montanhas do centro e nordeste do país passavam a fazer guerras e escaramuças contra as forças soviéticas com o auxílio logístico e financeiro do ocidente. Os “mujahedin”, como eram conhecidos, receberam o nome de “Freedom Fighters” no ocidente, e figuraram como homenageados inclusive em filmes de Hollywood.

Guerra Civil

Uma sangrenta guerra civil toma conta do país entre 1989 (quando a URSS se retira) até 2001. Neste período, a maior parte do país estava sob controle do grupo islâmico Taleban que se financiava – segundo acusação dos EUA – permitindo que seu território fosse utilizado como área de treinamento de grupos terroristas internacionais.

Entre 2001 e 2014 os EUA instalaram um governo “democrático” no Afeganistão, chefiado por Hamid Karzai. Ao mesmo tempo que os EUA diziam estar fortalecendo a democracia, intensos combates entre tropas dos EUA e o Taleban destruíam toda a infraestrutura do país.

Entre 2014 e 2021, a retirada das tropas do Afeganistão foi promessa de campanha de TODOS os presidentes norte-americanos.

Os 34 trilhões de dólares gastos na Guerra ao Terror estão fazendo falta hoje para a sociedade mais rica do planeta. Os EUA de Joe Biden pretende uma transformação na sua matriz produtiva e energética (o Green New Deal) e a recuperação da infraestrutura sucateada do país, e busca rivalizar com a China em todas as áreas possíveis.

Hegemonia violenta

Gastos com o Afeganistão figuram entre os considerados supérfluos para o novo governo, e o abandono da região joga o país novamente nas mãos do Taleban que era, junto com o Partido Democrático do Povo Afegão (comunista) as duas forças sociais com maior suporte durante o século XX. A interferência ideológica para a destruição de uma levou à hegemonia violenta da outra.

O Afeganistão é mais uma demonstração inequívoca do fracasso das intervenções internacionais do ocidente durante todo o século XX, e é preciso que a comunidade internacional inaugure uma nova forma de intervenção. Uma forma que proteja as pessoas e não o capital. Que proteja as vidas e não seja um mercado de armas para a morte.

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