OPINIÃO

Roquenrol

Por Luis Fernando Verissimo / Publicado em 8 de outubro de 2021

Ilustração: Ricardo Machado

Ilustração: Ricardo Machado

O aniversário do Sgt. Pepper’s, dos Beatles, me pôs a pensar no meu currículo roqueiro. Posso dizer que conheço o roquenrol desde antes de ele nascer, ou pelo menos antes de se chamar assim. Morávamos em Washington e eu ia muito a concertos de rhythm and blues, onde geralmente era o único branco na plateia, e lembro quando as primeiras músicas de R&B começaram a pular a barreira racial e ser tocadas em programas de rádio para brancos. Em seguida, começaram a aparecer grupos brancos tocando mais ou menos a mesma música com o nome novo. A expressão “rock and roll”, com sua conotação sexual, também vinha da cultura negra, mas foram os grupos brancos que a capitalizaram. Como Bill Halley e seus Cometas, que fizeram a trilha sonora do filme Blackboard Jungle, que levou jovens à loucura e provocou quebra-quebras em muitos cinemas do mundo, e gravaram o Rock Around the Clock, espécie de hino inaugural do movimento.

A base do roquenrol era a progressão harmônica do blues, e uma das suas raízes estava no “blues” branco, misturado com música caipira do sul dos Estados Unidos, de onde saíram Jerry Lee Lewis e Elvis Presley. O rhythm and blues negro continuou a existir e gerou muitas das formas que o roquenrol tem hoje. Mas foi o roque branco nascido há 60 anos da encampação da música popular negra que tomou conta do mundo e o domina até hoje. Ajudou o fato de que, junto com o roque, começava a existir o jovem como consumidor diferenciado, e não só de música. Um mercado que também domina o mundo até hoje.

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Acompanhei o roquenrol até os Beatles se separarem. Lembro que os Beatles e os Rolling Stones representavam correntes adversárias dentro do universo do roque. Os dois grupos vinham da mesma origem proletária, mas os Beatles tinham se sofisticado e, com o Sgt. Pepper’s, enveredado para uma coisa mais intelectualizada, enquanto os Stones se mantinham fiéis ao backbeat básico e à pura energia hormonal, a mesma que atrai os jovens até hoje, embora eles já pareçam as suas próprias múmias.

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Quando os Beatles acabaram, me desliguei. Fui ouvir meu jazz, minha bossa e meus barrocos, e só tenho prestado atenção quando o roque se transforma em fenômeno psicossocial e a atenção é inescapável – como no caso das apresentações dos Stones. Uma ocasião para refletir sobre esses 60 anos e a durabilidade daquele ato de apropriação, quando os blues ficaram brancos. Sem falar, claro, na eternidade do Mick Jagger.

 

Crônica publicada originalmente em junho de 2017

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