OPINIÃO

Cinefilia (I)

Por Fraga / Publicado em 11 de maio de 2012

Colunista Fraga

Ilustração: Rafael Sica

Ilustração: Rafael Sica

Às vezes a gente lembra de coisas que até os neurônios duvidam. Cenas que passam como um filme. Todas em desaparecidos cinemas de Porto Alegre. Em sessões contínuas, entre 1952 e 1985. Na tela mental, vejo a mim mesmo no escurinho, ao meu lado a indispensável companheira, a suspensão da descrença – sem ela ninguém se diverte.

A primeira tela é a do salão paroquial do Pão dos Pobres, que vira cinema aos domingos. Logo a cavalaria americana e os índios vão pra casa com a gente. Depois vem o carro do Sesi e o cinema pro trabalhador, tela ao ar livre. Dali, já fã das imagens, corro pro centro.

O roteiro é geográfico, nada cronológico.

Estou no Cacique, ladeado pelos imponentes índios de Glauco Rodrigues. O projetor da memória emenda sucessos: Tubarão, O Franco Atirador, Homem Elefante. Subo até o Scala, ao lado, onde tá em cartazEsposamante. Satisfeito, me mando pros vizinhos Guarani e Imperial, e neles as atrações se embaralham, impossível separar o que vi num ou noutro: Se Meu Apartamento Falasse, Irma La Douce, ambos do meu mais admirado diretor, Billy Wilder. Minhas sinapses também me chamam atenção sobreCassino Royale e Deu a Louca no Mundo.

Dali sigo pra 7 de Setembro, pro meu cinema favorito, o Rex, onde me sinto na França. Lá sou envolvido pela novelle vagueUma Mulher Para Dois, Os Amantes, O Demônio das Onze Horas. E a graça de Esses Homens Maravilhosos e Suas Máquinas Voadoras. Volto à Rua da Praia, rumo ao Ópera, também com atrações europeias Ontem, Hoje, Amanhã. Deixo Vitório de Sica e Mastroiani e me acho no Carlos Gomes, vendo Pistoleiros do Entardecer e Inferno no Pacífico.

Subo a Borges, até o Victória, pra assistir a obra-prima de Jerry Lewis, O Professor Aloprado. De lá saio marcado pelo penúltimo Visconti, Violência e Paixão. Perto dali, no São João, assisto Excaliburem matinal do Clube de Cinema. Passo depois pelo Continente ou Lido, onde vejo Klute, o Passado Condena, algum Drácula e até umColumbo, que escapuliu da telinha pra telona. Mais abaixo, no Marabá, uma experiência sensorial, numa sala lotada num verão de rachar: Lawrence da Arábia, todo solar, enche a tela em reprise inesquecível. Fica, para sempre, no topo das lembranças.

O projetor cerebral acelera e as fitas rebentam. Sou obrigado a interromper esta sessão e reorganizar o acervo. Pra completar o circuito dos antigos cinemas faço um intervalo, como ocorria entre filmes numa tarde. Entram os baleiros e, mês que vem, o segundo rolo.

 

Fraga é escritor, humorista, publicitário. Escreve mensalmente para o jornal Extra Classe.

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