POLÍTICA

Liminar derruba projeto do Escola sem partido

Manobra de vereadores de Porto Alegre para aprovar Lei da Mordaça foi frustrada pelo TJRS, que anulou a votação e exigiu realização de audiência pública
Por Gilson Camargo / Publicado em 20 de dezembro de 2019

Nagelstein (C) e aliados aproveitaram a ausência da oposição no plenário para aprovar o Escola sem partido, mas a alegria dos parlamentares durou pouco: votação foi anulada pela Justiça

Foto Ederson Nunes/ CMPA/ Divulgação

Foto Ederson Nunes/ CMPA/ Divulgação

Durou menos de 24 horas a comemoração do vereador Valter Nagelstein (MDB) pela aprovação do projeto de sua autoria que institui as ideias do movimento Escola sem partido em Porto Alegre. A votação do PL 124/16, às pressas, em um momento de distração dos parlamentares de oposição na sessão extraordinária da Câmara na noite de quinta-feira, 19, foi anulada pela Justiça, que comunicou o legislativo municipal ao meio-dia desta sexta-feira, 20. De acordo com a decisão, a matéria não poderia ter ido a plenário sem a realização de uma audiência pública.

A proposta estava tramitando nas comissões desde 2016. O autor e aliados aproveitaram um momento em que a maioria dos vereadores de oposição se ausentou do plenário para aprovar o PL com 19 votos favoráveis.

Ocorre que o Tribunal de Justiça (TJ-RS) havia concedido pouco antes da sessão uma liminar que exige a realização de audiência pública antes que o projeto fosse votado, conforme determina o regimento interno da casa. Ao meio-dia, a presidência da Câmara recebeu a notificação sobre a liminar que anula a votação. O documento foi encaminhado à Procuradoria Jurídica, que não quis se manifestar.

Municipários comemoraram liminar que determina a realização de debate com a comunidade antes da apreciação da matéria pelo Legislativo

Foto: Simpa/ Divulgação

Nagelstein (C) e aliados aproveitaram a ausência da oposição no plenário para aprovar o Escola sem partido, mas a alegria dos parlamentares durou pouco: votação foi anulada pela Justiça

Foto: Simpa/ Divulgação

A ação foi movida pelo Sindicato dos Municipários de Porto Alegre (Simpa). “Em caso de realização da votação, determino a nulidade desta, devendo ser realizada a audiência pública requerida para posterior prosseguimento da tramitação do projeto”, ressaltou a juíza Vera Leticia Vargas, da 7ª Vara da Fazenda Pública do Foro Central de Porto Alegre.

“Foi anulada a votação. É o que consta na liminar expedida pela Justiça, entendendo que o regimento é maior que o desejo de alguns vereadores de direita e determina claramente que necessita uma audiência pública, um amplo debate na sociedade, antes da votação do projeto”, comemorou o diretor do Simpa, Jonas Reis. Ele considera que a estratégia dos vereadores para passar o projeto foi uma “manobra espúria”. “O vereador Valter, mais uma vez, passa vergonha ao tentar atropelar o regimento como fazia no ano passado, quando era presidente da Câmara”, criticou.

INCONSTITUCIONAL – A pretexto de impedir “doutrinação ideológica do ensino por profissionais cuja filiação político-partidária possa ser colocada a serviço de uma causa menor que a própria educação”, como argumenta o autor, a proposta repete as investidas do Movimento Escola Sem Partido.

Criado em 2004 pelo advogado Miguel Nagib para combater “o uso das escolas e universidades para fins de propaganda ideológica, política e partidária”, o ESP atenta contra a liberdade de aprender e ensinar ao defender de maneira explícita o cerceamento da liberdade de cátedra e promover a perseguição a professores.

Além de colocar em xeque a educação pública, desestabilizar o professor e estabelecer a desconfiança em sala de aula, projeto é inconstitucional, destaca Aline (ao microfone) da Associação Mães e Pais pela Democracia

Foto: Leonardo Contursi/ CMPA/ Divulgação

Além de colocar em xeque a educação pública, desestabilizar o professor e semear a desconfiança em sala de aula, projeto é inconstitucional, destaca Aline (ao microfone) da Associação Mães e Pais pela Democracia

Foto: Leonardo Contursi/ CMPA/ Divulgação

Outros projetos de lei apresentados em âmbito nacional, estaduais e municipais com amplo apoio de partidos políticos de direita e do Movimento Brasil Livre (MBL) foram sistematicamente derrotados no Legislativo e o STF considerou o movimento inconstitucional. Depois do arquivamento de um projeto que tramitava na Câmara dos Deputados, Nagib anunciou o encerramento das atividades do movimento a partir de agosto deste ano, mas a deputada Bia Kicis (PSL-DF) promete instalar uma comissão especial para recolocar em pauta o seu Projeto de lei 246/2019. Na justificativa do PL, ela afirma que “não existe liberdade de expressão no exercício estrito da atividade docente”.

MORDAÇA – O dirigente do Simpa destaca que “o projeto ataca os direitos constitucionais do exercício da docência que são a liberdade de cátedra e de expressão. Ou seja, a interferência no currículo se da através de pareceres dos conselhos nacional, estaduais e municipais de educação, bem como as matrizes curriculares das secretarias de educação”. Pessoas que não entendem de educação, ressalta, não podem tirar a liberdade de estudar tudo que a ciência, a cultura e a tecnologia acumularam na humanidade. “Prevalecem a justiça, a democracia e o amplo debate que será feito com a audiência pública sobre esse famigerado projeto que busca amordaçar os professores”, avalia.

Mesmo após a realização da audiência pública, o projeto não poderia ir à votação, porque já existem pareceres de inconstitucionalidade da Procuradoria Jurídica e da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara de Porto Alegre, alerta a presidente da Associação Mães e Pais pela Democracia, Aline Kerber. “O Escola sem partido é inconstitucional e tem sido rejeitado no país inteiro. Além de sua proposta clara de colocar em xeque a educação pública e desestabilizar a figura do professor, atenta contra a liberdade de ensinar e aprender (artigo 206º da CF) e a liberdade de expressão (artigo 5º da CF). Por conta disso, não tem como ser aprovado”, alerta. Socióloga, especialista em segurança cidadã, Aline destaca que o projeto do vereador Valter Nagelstein parte da premissa de que os professores são doutrinadores. “Só isso já torna o projeto inconstitucional”, repara. “A proposta afirma claramente a instituição de controle e mediação das relações em sala de aula, provocando impacto simbólico muito negativo, de desconfiança na relação ensino aprendizagem”, ressalta.

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