POLÍTICA

Autonomia do Banco Central fragiliza política econômica, diz Dieese

Projeto que desvincula a instituição financeira do Ministério da Economia e a transforma em autarquia alinhada ao mercado financeiro foi aprovado por 399 votos a 114 na Câmara
Por Gilson Camargo / Publicado em 11 de fevereiro de 2021
Sessão deliberativa virtual aprovou desvinculação do Banco Central do Ministério da Economia e alinhamento da instituição com o mercado especulativo

Foto: Michel Jesus/Câmara dos Deputados

Sessão deliberativa virtual aprovou desvinculação do Banco Central do Ministério da Economia e alinhamento da instituição com o mercado especulativo

Foto: Michel Jesus/Câmara dos Deputados

A Câmara dos Deputados aprovou na noite de quarta-feira, 10, o projeto de autonomia do Banco Central (PLP 19/2019), que define os mandatos do presidente e dos diretores do BC com vigência não coincidente com o do presidente da República e desvincula dos ministérios a instituição financeira que é um dos principais instrumentos das políticas econômicas de governo. A proposta, aprovada por 339 votos a 114, teve origem no Senado e por isso será enviada à sanção presidencial. O projeto recebeu críticas por alinhar o BC à especulação financeira.

O Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) divulgou uma síntese na qual alerta que a iniciativa representa o enfraquecimento da autonomia de governos eleitos sobre a economia.

“Se é importante a autonomia, por que não damos duplo papel, como nos Estados Unidos, cujo órgão tem de se preocupar também com o emprego, evitando a especulação financeira pura?”, indagou Enio Verri, líder do PT

Foto: Michel Jesus/Câmara dos Deputados

“Se é importante a autonomia, por que não damos duplo papel, como nos Estados Unidos, cujo órgão tem de se preocupar também com o emprego, evitando a especulação financeira pura?”, indagou Enio Verri, líder do PT

Foto: Michel Jesus/Câmara dos Deputados

“O presidente da República não poderá mais trocar a diretoria do Banco Central, exceto em situações especiais. Se, por exemplo, em 2022, o país eleger um novo presidente, com um projeto de retomada da atividade econômica, geração de empregos, desenvolvimento econômico, com redução das desigualdades, ele terá sérios problemas para seguir adiante com os propósitos que o elegeram”, ilustra.

A justificativa dos defensores das mudanças é que, com o descasamento dos mandatos, seria evitado o risco de interferência do governo na política monetária do país, principalmente em períodos eleitorais.

“No entanto, é preciso observar que o Banco Central tem autonomia operacional, o que significa que a proposta aprovada representa, na verdade, o enfraquecimento dos mecanismos de política econômica à disposição do governo eleito pela população – seja ele qual for – para enfrentar os graves problemas do país relacionados à desigualdade, ao desemprego, à renda, ao poder de compra dos brasileiros e aos serviços públicos”, diz o comunicado.

O Dieese cita um estudo do Banco Mundial que identificou nexos entre o aumento da desigualdade e arranjos das instituições responsáveis pela política monetária.

No estudo, são elencados três argumentos principais sobre o tema: a independência dos bancos centrais aumenta a tendência à liberalização de mercados financeiros, além de ampliar a dívida privada, o que beneficia proprietários de ativos financeiros.

Em segundo lugar, o enrijecimento da política monetária tende a expandir o risco de desemprego e empurra os governos para a realização de novas reformas trabalhistas flexibilizantes. Por fim, a independência dos bancos centrais intensificaria ainda a dificuldade de os governos executarem gastos com bem-estar social.

Novas regras e privilégios

Para Ricardo Barros, a aprovação da autonomia do BC "dá um excelente sinal aos brasileiros de que vamos ter controle da inflação e dministração monetária adequada"

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Para Ricardo Barros, a aprovação da autonomia do BC “dá um excelente sinal aos brasileiros de que vamos ter controle da inflação e dministração monetária adequada”

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Os deputados rejeitaram todos os destaques apresentados pelos partidos na tentativa de fazer mudanças no texto-base da proposta.

Mesmo com a aprovação, as metas relacionadas ao controle da inflação anual continuam a cargo do Conselho Monetário Nacional (CMN), e o Banco Central terá os mesmos instrumentos atuais de política monetária.

O principal objetivo da instituição continuará sendo assegurar a estabilidade de preços, mas também deverá zelar pela estabilidade e pela eficiência do sistema financeiro, suavizar as flutuações do nível de atividade econômica e fomentar o pleno emprego.

Os mandatos serão de quatro anos e haverá um escalonamento para que apenas no terceiro ano de um mandato presidencial a maioria da diretoria e o presidente do BC tenham sido indicados pelo mandatário do Poder Executivo. A indicação continuará a depender de sabatina do Senado.

Os oito diretores terão mandatos que se iniciam em anos diferentes do período do presidente da República. Assim, dois diretores terão seus mandatos iniciados em 1ª de março do primeiro ano do novo governo; outros dois, em 1º de janeiro do segundo ano do mandato presidencial.

No começo do terceiro e quarto anos do mandato de presidente da República, haverá a indicação de mais dois diretores a cada ano, respectivamente. Cada indicado poderá ser reconduzido para mais um mandato sem passar por nova sabatina.

O projeto caracteriza o Banco Central como uma autarquia de natureza especial sem vínculo, tutela ou subordinação hierárquica a qualquer ministério, garantindo a autonomia técnica, operacional, administrativa e financeira.

Debate no Plenário

Silvio Costa Filho: “O projeto vai permitir ao capital estrangeiro lançar um novo olhar sobre o Brasil”

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Silvio Costa Filho: “O projeto vai permitir ao capital estrangeiro lançar um novo olhar sobre o Brasil”

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O relator da proposta, deputado Silvio Costa Filho (Republicanos-PE), defendeu a aprovação da medida. “Mais do que nunca, o projeto vai permitir ao capital estrangeiro lançar um novo olhar sobre o Brasil, que consolidará sua governança monetária”, afirmou.

Contrário ao projeto, o líder do PT, deputado Enio Verri (PT-PR), argumentou que seria “menos mal” se o BC tivesse metas relacionadas ao emprego. “Se é importante a autonomia, por que não damos duplo papel, como nos Estados Unidos, cujo órgão tem de se preocupar também com o emprego, evitando a especulação financeira pura?”, questionou. 

Regras de transição

No caso dos atuais diretores e presidente do BC, o texto prevê uma nova nomeação sem necessidade de sabatina pelos senadores se os indicados estiverem em exercício.

Com isso, se o projeto virar lei, o atual presidente do BC, Roberto Campos Neto, e mais dois diretores terminarão seu mandato em 31 de dezembro de 2024. Dois diretores terão mandato até 31 de dezembro de 2023; dois outros até 28 de fevereiro de 2023; e os últimos dois com mandato até 31 de dezembro de 2021.

Aqueles indicados com base nessa transição poderão ser reconduzidos ao cargo por uma vez.

Entretanto, o texto não especifica quais diretorias farão o revezamento em cada ano. Essa escolha vinculará as renovações sucessivas devido ao mandato fixo de quatro anos de cada uma delas.

Doença ou desempenho

A exoneração do cargo feita pelo presidente da República ocorrerá somente a pedido; por doença que incapacite o titular para o cargo; se houver condenação definitiva por ato de improbidade administrativa ou por crime cuja pena implique proibição de exercer cargos públicos; ou quando o indicado apresentar “comprovado e recorrente desempenho insuficiente”.

Neste último caso, caberá ao CMN submeter o pedido ao presidente da República; e a exoneração terá de passar também pelo Senado, com quórum de maioria absoluta para aprovação.

Quando houver vacância do cargo, um substituto poderá ser indicado até a nomeação de novo titular, mas essa substituição terá de passar também pela sabatina dos senadores após indicação da Presidência da República. A posse deve ocorrer em 15 dias após a aprovação.

RELATÓRIOS – No primeiro e no segundo semestres de cada ano, o presidente do BC deverá apresentar, no Senado Federal, com arguição pública, relatório de inflação e relatório de estabilidade financeira, explicando as decisões tomadas no semestre anterior.

RESTRIÇÕES – O projeto impõe restrições ao presidente e aos diretores do Banco Central, como de exercer qualquer outro cargo, emprego ou função, públicos ou privados, exceto o de professor.

Eles não poderão ainda manter ações, seja de forma direta ou indireta, de instituição do sistema financeiro que esteja sob supervisão ou fiscalização do banco. Isso se estende a cônjuges e parentes até o segundo grau.

QUARENTENA – Após terminar o mandato ou mesmo no caso de exoneração a pedido ou de demissão justificada, será proibido ao presidente e aos diretores participar do controle societário ou exercer qualquer atividade profissional direta ou indiretamente, com ou sem vínculo empregatício, nas instituições do Sistema Financeiro Nacional por um período de seis meses. Durante esse tempo, o servidor receberá remuneração compensatória do Banco Central.

*Com informações da Agência Câmara.

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