SAÚDE

Preços disparam em itens essenciais para combater epidemia de coronavírus

Máscaras de proteção tiveram aumento de até 1.000% e um quilo de álcool em gel pode custar até R$ 300,00 em Porto Alegre. Quem pratica preços abusivos pode sofrer multa de até R$ 9 milhões
Por Flávio Ilha / Publicado em 18 de março de 2020
Maior distribuidora de produtos descartáveis do Brasil justifica que a alta de até mil por cento no custo das máscaras para o consumidor se deve à alta do dólar e o custo do frete. Produtos são fabricados na China e estão esgotados em Wuhan

Foto: Makoto Lin / Gabinete da Presidência/ Divulgação

Maior distribuidora de produtos descartáveis do Brasil justifica que a alta de até 1.000% no custo das máscaras para o consumidor se deve à alta do dólar e o custo do frete. Produtos são fabricados na China e estão esgotados em Wuhan

Foto: Makoto Lin / Gabinete da Presidência/ Divulgação

Na epidemia do novo coronavírus no Brasil, não é apenas a curva de infectados que sobe exponencialmente. Os preços de produtos essenciais ao combate à infecção, como máscaras de proteção e álcool em gel, dispararam em níveis assustadores a partir da confirmação do primeiro caso no Brasil, em 25 de fevereiro.

A reportagem do Extra Classe negociou com uma empresa distribuidora, sediada em São Paulo, a compra de uma grande quantidade da máscara tripla cirúrgica com tiras – que são usadas para proteção semiprofissional – e foi informada que não há produtos disponíveis no mercado.

O próximo lote, previsto para chegar a partir do próximo dia 23, custará R$ 180,00 a embalagem com 50 unidades – ou seja, R$ 3,60 a unidade. Há cerca de um ano, o custo unitário dessa mesma máscara era de R$ 0,07 ou R$ 3,60 o pacote. A máscara N95, usada por profissionais, passou a custar entre R$ 30,00 e R$ 35,00 a unidade. Há cerca de um ano, podia ser comprada por R$ 3,00.

A máscara tripla é recomendada para atividades coletivas, em que pode haver contaminados assintomáticos que possam transmitir o vírus.  Necessita ser trocada a cada quatro horas, em caso de uso contínuo, mas na hipótese do usuário apresentar sintomas ou for de grupo de risco, a troca tem de ser de duas em duas horas. Além de hospitais e centros de saúde, tem sido procurada por indústrias e supermercados. Já a N95 é uma máscara de uso exclusivamente médico, regulamentada pela ABNT.

 

Orçamento apresentado pela distribuidora cobra R$ 180,00 a embalagem com 50 unidades, ou R$ 3,60 a unidade. Há cerca de um ano, o custo unitário dessa mesma máscara era de sete centavos de real ou R$ 3,60 o pacote

Imagem: Reprodução

Orçamento apresentado pela distribuidora cobra R$ 180,00 a embalagem com 50 unidades, ou R$ 3,60 a unidade. Há cerca de um ano, o custo unitário dessa mesma máscara era de sete centavos de real ou R$ 3,60 o pacote

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A lista de preços antes da crise

Imagem: Reprodução

A lista de preços antes da crise

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Sem garantia de entrega

A reportagem se apresentou como representante de uma grande indústria que não pode interromper sua linha de produção e encomendou 20 mil pacotes da máscara, ou seja, um milhão de unidades. O vendedor cotou a compra por R$ 3,6 milhões, com pagamento à vista. E, assim mesmo, condicionado à autorização da diretoria da distribuidora e sem garantia de entrega.

“Vamos ter até o final a entrada de um lote grande de máscara, mas o que estamos fazendo é cadastrar o pedido para ver quantos clientes vamos conseguir atender. Não sabemos que quantidade vai chegar, tá, só sabemos que desembarca dia 23 (segunda-feira) ou 25 (quarta-feira). Prioridade para as pessoas cadastradas. Tá bem difícil mesmo, não tem no mercado”, disse o vendedor por WhatsApp. O site da empresa informa que o produto não está disponível.

A empresa justificou o aumento de preço, que passa dos 1.000%, pela alta do dólar e pelo frete aéreo, devido à urgência da entrega. As máscaras são fabricadas na China e customizadas com a marca da empresa, que tem sede em São Paulo. Trata-se da maior distribuidora de produtos descartáveis do país.

Um vendedor autônomo que atua no mercado de descartáveis, entretanto, disse que a alta de preços acompanhou a curva de casos de contaminação pelo novo coronavírus: a partir do início de fevereiro, o preço do kit de máscaras cirúrgicas subiu de R$ 3,60 em média, em várias distribuidoras, para R$ 8,50 e, poucos dias depois, para R$ 22,00. “Daí para R$ 100,00 no dia 13 de fevereiro foi rápido”, disse o autônomo. Na semana passada, antes da fase mais aguda da crise, a caixa com 50 unidades já estava orçada em R$ 120,00.

Álcool em gel também registrou aumentos de preços

A partir de 25 de fevereiro, o frasco de 500 gramas, que custava em média R$ 12,00, com pequenas oscilações, deu um salto e passou a custar acima de R$ 42,00 – mantendo estável o patamar e elevando esse valor para embalagens menores. A informação é do Procon de Porto Alegre.

Nas farmácias, porém, o preço é maior. Em duas farmácias da região central, consultadas pela reportagem, as embalagens de 30 gramas, 60 gramas e 250 gramas custam respectivamente, em média, R$ 9,00, R$ 14,00 e R$ 25,00. Dessa forma, dependendo do tamanho do frasco, o quilo do álcool gel varia de R$ 100,00 a R$ 300,00. Em farmácias de manipulação, autorizadas pela Anvisa a oferecer o produto aos consumidores, o valor é muito semelhante.

A Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (Abihpec) recomendou que os consumidores não estoquem o produto para evitar desabastecimento. A associação infirmou que as vendas de álcool em gel em janeiro e fevereiro já superaram todo o resultado de 2019. A Abihpec estima que o faturamento dos fabricantes, neste ano, deverá superar R$ 1 bilhão – 10 vezes mais que o exercício passado.

Prática abusiva

O advogado Cauê Vieira, especializado em relações de consumo, diz que o artigo 39 do Código de Defesa do Consumidor classifica como prática abusiva aumentar preços sem justa causa, “o que é exatamente o caso relatado”.

Já sobre ser crime, há uma controvérsia. Não há, completa o advogado, um enquadramento explicitado para esse comportamento, mas o artigo 76 trata como “agravante” de um dos crimes previstos no Código o fato de ser cometido em caso de calamidade, como a epidemia do coronavírus.

“Objetivamente, dá pra dizer que essa conduta é abusiva e que pode configurar crime em situações específicas, como enganar a população dizendo, por exemplo, que a pessoa vai morrer se não usar aquele álcool”, explica Vieira.

O advogado recomendou que os consumidores usem o aplicativo Nota Fiscal Gaúcha para acompanhar a variação do preço do produto e, encontrando preços abusivos, não comprar e denunciar imediatamente no Procon da cidade.

“Em casos extremos, como fornecedor único no município, também recomendo registrar boletim de ocorrência numa delegacia”, acrescenta. A multa pode chegar a R$ 9 milhões.

CURVA – A secretária de Saúde do estado, Arita Bergmann, estimou que o caso 50 deverá ser registrado no Rio Grande do Sul no início da próxima semana. A partir daí, segundo ela, o avanço das contaminações será exponencial: 500 casos em uma semana e mais de 4,3 mil em 14 dias.

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