SAÚDE

Estudo analisa morte por câncer associada à exposição laboral

Atlas do Ministério da Saúde analisa vínculo entre atividade laboral e câncer por região do país, atividade econômica e nível de exposição a agentes cancerígenos como agrotóxicos
Por Gilson Camargo / Publicado em 17 de março de 2022

Ilustração: Atlas do Câncer Relacionado ao Trabalho no Brasil/MS

Ilustração: Atlas do Câncer Relacionado ao Trabalho no Brasil/MS

Estudo elaborado pelo Ministério da Saúde indica que, entre 1980 e 2019, mais de 3 milhões de pessoas morreram no Brasil por até 18 tipos de câncer que podem ter sido causados pela exposição a produtos, substâncias ou misturas presentes em ambientes de trabalho.

Segundo o Atlas do Câncer Relacionado ao Trabalho no Brasil, ao longo de 39 anos, o Sistema de Informações Sobre Mortalidade (SIM) registrou 3.010.046 óbitos decorrentes desses tipos de câncer. O resultado, segundo a equipe técnica, poderia ser menor caso mais ações tivessem sido feitas para controlar ou eliminar a exposição dos trabalhadores a agentes cancerígenos.

“As iniciativas de prevenção e controle do câncer relacionado ao trabalho são prementes para evitar a exposição dos trabalhadores a um conjunto de produtos, substâncias, misturas ou situações que possam predispor ao desenvolvimento da doença”, alertou uma das coordenadoras do estudo, Isabella de Oliveira Campos Miquilin.

O atlas foi lançado durante a abertura do seminário Câncer Relacionado ao Trabalho – Desafios e Perspectivas para a Estruturação da Vigilância Nacional, promovido pelo ministério na quarta, 16, e manhã desta quinta-feira, 17.

Vigilância em saúde do trabalhador

Foto: Mateus Pereira/ Agecom/ Governo da Bahia

Objetivo do estudo é a estruturação do planejamento e tomada de decisões nas ações de vigilância em saúde do trabalhador

Foto: Mateus Pereira/ Agecom/ Governo da Bahia

Para atualizar a primeira versão do atlas, publicada em 2018, os pesquisadores voltaram a se debruçar sobre os registros nacionais de câncer de bexiga, esôfago, estômago, fígado, glândula tireoide, laringe, mama, mesotélio, nasofaringe, ovário, próstata, rim e traqueia/brônquios/pulmões.

Também são analisados o sistema nervoso central (incluindo o cérebro) e casos de leucemias, linfomas Não Hodgkin, melanomas cutâneos e mielomas múltiplos.

O objetivo do estudo é contribuir no planejamento e na tomada de decisão nas ações de vigilância em saúde do trabalhador.

“Compartilhamos o entendimento de que o trabalho é uma das mais importantes categorias de análise para a compreensão dos processos de consolidação da cidadania e dos modelos de desenvolvimento estabelecidos na sociedade”, disse a coordenadora.

Isabella, que é mestre e doutora em Saúde Coletiva pela Unicamp, ressaltou que o câncer relacionado à exposição ocupacional é considerado um “grave problema de saúde pública” em todo o mundo, sendo uma das quatro principais causas de mortes prematuras globais.

Segundo as estimativas globais, em 2015, cerca de 26% dos trabalhadores vítimas de doenças associadas ao trabalho morreram em consequência de um tipo de câncer também relacionado ao trabalho.

Do total de mortes em consequência dos 18 tipos de câncer, a proporção de óbitos foi 1,4 vezes maior entre os homens. No caso do câncer de laringe, a diferença chegou a ser sete vezes maior. Além disso, os óbitos relacionados a apenas oito das 18 tipologias selecionadas (pulmão, mama, próstata, estômago, esôfago, fígado, leucemia e sistema nervoso central) representam mais de 80% de todas as mortes.

Câncer laboral por agrotóxicos

O atlas produzido pelo Ministério da Saúde também apresenta uma análise do problema nas cinco regiões brasileiras e informações sobre atividades econômicas, situações de exposição. Há, ainda, algumas recomendações, como a importância da fiscalização dos processos e atividades com potencial cancerígeno e a urgência de estruturação de sistemas de informação e monitoramento capazes de gerar dados sobre os efeitos dos contaminantes ambientais na saúde humana.

“Quando falamos de câncer relacionado ao trabalho, estamos falando de agentes químicos, físicos e biológicos que podem ser eliminados e substituídos. Mas, no Brasil, isto constitui um problema, uma vez que convivemos com agentes que já foram banidos em outros países”, disse a gerente da Unidade Técnica de Exposição Ocupacional, Ambiental e Câncer do Instituto Nacional de Câncer (Inca), Ubirani Barros Otero.

No campo, trabalhadoras expostas a venenos

Um estudo nacional do tipo caso-controle identificou que trabalhadores agrícolas do Rio de Janeiro apresentaram um aumento no risco de morte por câncer de estômago, com incremento do risco de acordo com o aumento da exposição a agrotóxicos.

Em relação a agentes, produtos, substâncias e condições de trabalho, a pesquisa aponta que a exposição a névoas de ácidos inorgânicos fortes, tintas e gases da queima de combustíveis (gasolina e diesel) são os agentes ocupacionais que mais aumentam o risco para o desenvolvimento do câncer de laringe.

Estudos encontraram associação dessa tipologia com exposição ao óleo de corte, à poeira de madeira e de cereais, ao couro, ao cimento, além de exposição a produtos químicos utilizados na indústria têxtil, nas indústrias de petróleo, plásticos, amianto e mostarda de enxofre e na metalurgia.

Exposição ao formaldeído, sílica, operações de decapagem, fuligem de carvão, fumaça do tabaco, solventes orgânicos e agrotóxicos também estão associados ao desenvolvimento de câncer de laringe.

O Atlas encontrou um aumento no risco de câncer de ovário entre mulheres que trabalham na aplicação de agrotóxicos nas lavouras do agronegócio. “Trabalhadoras expostas ao asbesto e enfermeiras também mostraram um risco aumentado para câncer de ovário em alguns estudos. Está associado aos trabalhos que envolvam o uso do amianto na construção, renovação e para produção de produtos para isolantes”, aponta o estudo.

Arte: MS

Arte: MS

Rio Grande do Sul

O estudo apresenta a proporção de óbitos e frequência acumulada segundo os tipos de cânceres por quinquênio entre 1980 e 2019, por regiões e estados do país. No Rio Grande do Sul, a maior incidência entre as mulheres é de câncer de pulmão, mama, SNC, estômago, fígado, ovário e esôfago.

“As neoplasias de mama, pulmão, fígado, esôfago e ovário foram observadas em todos os quinquênios entre o conjunto de tipologias que corresponderam a pouco mais de 80,0% do total de óbitos. Entre as sete tipologias de câncer que representaram 80,0% do total de óbitos no último quinquênio, a faixa etária mais acometida foi a de 60 anos ou mais”.

Destacam-se óbitos por melanoma, mesotelioma e nasofaringe em todos os quinquênios, apresentando em alguns, óbitos em idades nas quais essas tipologias são raras, 15 a 19 anos.

Já entre os homens, destacam-se em ordem de proporção no estado câncer de pulmão, próstata, esôfago, estômago, fígado, SNC e laringe. Quanto às faixas etárias mais acometidas, destaca-se no último quinquênio que a proporção de óbitos entre maiores de 60 anos foi maior em todas as sete tipologias de maior proporção de óbitos. Óbitos por mesotelioma, nasofaringe e melanoma ocorreram em todos os quinquênios e em todas as tipologias ocorreram casos em idade abaixo da relatada na literatura: 15 a 19 anos, 20 a 39 e 40 59 anos.

ÍNTEGRA – A íntegra do Atlas do Câncer Relacionado ao Trabalho no Brasil: Análise Regionalizada e Subsídios para a Vigilância em Saúde do Trabalhador está disponível na página da Biblioteca Virtual em Saúde, na internet.

Com informações do Ministério da Saúde e ABr.

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