CULTURA

Ataques do MBL provocam encerramento de exposição de arte em Porto Alegre

Banco se rende às agressões e antecipa em um mês o fechamento, provocando críticas de artistas. Dentre os lideres do ataque o deputado Van Hattem
Flavio Ilha / Publicado em 10 de setembro de 2017
Queermuseu

Foto: divulgação

Obra de Bia Leite na exposição Queermuseu

Foto: divulgação

O Santander Cultural encerrou neste domingo, 10 – um mês antes do previsto –, a exposição QueerMuseu, em Porto Alegre, depois que a mostra recebeu uma série de ataques homofóbicos desferidos por pessoas identificadas com o Movimento Brasil Livre (MBL). A QueerMuseu – Cartografia da Diferença na América Latina, que abriu ao público no dia 15 de agosto, foi a primeira exposição com recorte em obras de arte de temática LGBT realizada no Brasil, segundo os organizadores: reuniu 270 obras de 85 artistas, entre eles nomes consagrados da arte contemporânea como Adriana Varejão, Fernando Baril, Lygia Clark, Candido Portinari e Leonilson.

Nem com um time de artistas de primeira grandeza conseguiu resistir aos ataques de ordem moral que criticaram o caráter contemporâneo da mostra, com a utilização de símbolos religiosos junto a temáticas sexuais e de gênero que exaltavam o sentido libertário da arte.

Queermuseu

Foto: divulgação

Obra do artista Nino Cais integra a mostra

Foto: divulgação

O curador da exposição, Gaudêncio Fidélis, definiu a situação antes do fechamento oficial da mostra como “extremamente complicada” e relatou que a violência do grupo agressor cresceu nos últimos dias – culminando com os ataques diretos a frequentadores da mostra neste sábado, 9. “Eles entravam continuamente na exposição e agrediam verbalmente os visitantes, artistas e até organizadores. A tática que usam é de filmar principalmente crianças e adolescentes e perguntar, aos gritos, se são tarados ou pedófilos. Os seguranças não deram conta de tirá-los do espaço”, lamentou Gaudêncio.

As agressões iniciaram pelas redes sociais na sexta-feira, 8 e se espalharam pelas páginas de simpatizantes do MBL. As postagens denunciavam uma suposta profanação de símbolos católicos e incentivos à pedofilia e à zoofilia. Os autores das mensagens exortavam os clientes do Santander a fecharem suas contas no banco caso a exposição fosse mantida. Também ameaçavam denunciar o banco e os organizadores ao Ministério Público.

Um dos líderes das agressões foi o secretário municipal de Serviços Urbanos, Ramiro

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Obra de Cibelle Cavalli Bastos

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Rosário, notório integrante do MBL. Na sua página na internet, ele insuflou seus seguidores no sábado, 9, a realizarem orações em frente à sede da exposição e também a apresentarem queixa na Polícia por exposição de obscenidades. “É o símbolo do ultraje e do nojento”, escreveu em sua página sobre a QueerMuseu. Outro simpatizante do MBL, o deputado Marcel Van Hattem também puxou o coro de agressões contra a mostra de arte considerando-a uma “afronta aos cristãos.

Os agressores, além disso, atacaram pessoalmente o curador – em um vídeo gravado no espaço expositivo, um simpatizante do MBL defende a prisão de Fidélis. O artista plástico, que já foi diretor do Margs, foi exposto e ofendido nas redes sociais, chamado de satã, pedófilo e depravado. A maioria dos agressores se identificou.

Os simpatizantes do MBL também ameaçaram inviabilizar a palestra A Plataforma QueerMuseu: Conceito, Modelo, Estratégia, marcada para a próxima terça-feira, 12, às 16h30, no Santander Cultural. A conferência foi suspensa.

Depois da repercussão negativa, o Santander oficializou na tarde deste domingo o encerramento da mostra. Em nota, o banco se rendeu às agressões e pediu desculpas “aos que se sentiram ofendidos por alguma obra que fazia parte da mostra”. Segundo a nota, o Santander Cultural nunca interferiu no conteúdo apresentado por curadores e artistas em suas exposições, “mas desta vez ouvimos as manifestações e entendemos que algumas das obras da exposição desrespeitavam símbolos, crenças e pessoas”.

A decisão causou revolta nos meios culturais de Porto Alegre. O ex-secretário executivo do Ministério da Cultura, Vitor Ortiz, disse que o ataque comandado pelo MBL merece uma resposta de todo o setor museológico brasileiro. O ator e diretor Zé Adão Barbosa comparou o episódio com as pressões sofridas por uma novela televisa em que duas mulheres idosas tinham um romance. “O que me choca é o Santander atender a pressão desses zumbis”, disse.

O curador da Fundação Ecarta, Leo Felipe, também considerou “um desastre” o fechamento da mostra por parte do Santander. “Mais grave do que esse bando de fascistas inúteis atacarem uma exposição é a instituição ceder a essa pressão sob a alegação de que arte não pode ofender crenças. Mas não causa espanto, infelizmente. A cartografia da diferença só pode interessar aos bancos se atender a interesses econômicos”, disse.

O curador também criticou a decisão pelo encerramento da mostra. “O maior desastre é o precedente que se abre. Minha tristeza não é por mim, mas pela enorme celebração que a exposição representou ao criar um espaço seguro de liberdade para as pessoas caminharem e verem a arte de mãos dadas. Um sonho que se foi rápido”, lamentou Fidélis.

O episódio lembra as agressões de Hitler à arte moderna, que tachou de “arte degenerada” as pinturas de Paul Klee, Marc Chagal, Henri Matisse, Paul Gauguin, Lasar Segall, Wassily Kandinski, entre dezenas de outros artistas, e determinou, nos anos de 1930, as bases de uma arte ariana em contraponto à pintura “judia-blochevique”. Em 1937, o regime de Hitler promoveu uma exposição de artistas modernistas propositadamente expostas de modo caótico com o objetivo de inflamar a opinião pública. O resultado, na década seguinte, é bem conhecido.

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