OPINIÃO

MEC acelera reformas educacionais contestadas

Por Gabriel Grabowski / Publicado em 6 de março de 2018
"A gestão atual do MEC desmonta políticas e programas que foram construídos nacionalmente e que estavam sendo aprimorados para, de forma apressada e irresponsável, impor mudanças que geram dúvidas, incertezas, contestações e graves ameaças a qualidade da formação que estas gerações terão"

Foto: Mídia Ninja/ Divulgação

“A gestão atual do MEC desmonta políticas e programas que foram construídos nacionalmente e que estavam sendo aprimorados para, de forma apressada e irresponsável, impor mudanças que geram dúvidas, incertezas, contestações e graves ameaças a qualidade da formação que estas gerações terão”

Foto: Mídia Ninja/ Divulgação

Prestes a deixar o cargo, o ministro da Educação acelera “reformas” educacionais para desmontar, em tempo, políticas e programas que estavam sendo implementadas há, pelo menos 15 anos, no Brasil. Em menos de dois anos tenta “reformar” a educação básica através de uma BNCC fragmentada e contestada; alterou e flexibilizou irresponsavelmente toda a legislação da EaD; mudou a regulação, supervisão e avaliação do ensino superior (Decreto nº 9.235, de 15/12/2017); estancou a expansão do ensino superior, reduzindo financiamento estudantil; descumpriu as metas do PNE 2014-2024 e o congelou; impôs um “novo ensino médio”; está mudando a política de formação de professores, e reúne-se com empresários para alinhar ainda mais estas reformas na educação aos interesses econômicos do mercado.

Neste 06 de março, o “dia nacional de mobilização pela BNCC” – dia “D” – é mais uma tentativa de legitimar, via publicidade e imprensa oficial paga, uma Base Nacional Comum Curricular contestada e criticada pelas entidades educacionais e científicas, até porque a comunidade escolar (professores, estudantes e país) e a comunidade acadêmica (universidades, especialistas, entidades científicas e educacionais) não foram escutadas nem suas proposições foram incorporadas. A metodologia de elaboração utilizada pelo MEC privilegiou a participação quase exclusiva do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), a Undime, organismos internacionais e entidades como Instituto Alfa e Beta, Fundação Lemann, Instituto Ayrton Sena e Todos pela Educação.

Cabe relembrar que a BNCC, na verdade, torna-se a agenda central da reforma da educação básica a partir deste governo. Ela substitui as demandas por igualdade de condições, melhoria da infraestrutura das escolas públicas, valorização profissional dos professores, apoio financeiro aos jovens estudantes de baixa renda e aumento dos investimentos em educação ao patamar de 10% (conforme determina a meta 20 do Plano Nacional de Educação) por discussões de natureza meramente curricular.

O texto do BNCC para educação infantil e ensino fundamental, aprovado em 20 de dezembro de 2017, representa um retrocesso em temas que o Brasil, enquanto nação republicana, já tinha avançado, tais como: ensino laico ao invés de ensino religioso; obrigatoriedade de alfabetização até segunda série (7 anos), desrespeitando o processo de desenvolvimento de cada criança; restrição de educação sexual nas escolas e orientação de gênero; aprender competências e habilidades em detrimento de uma sólida formação humana, científica e tecnológica, e conhecimentos fragmentados em detrimento da unidade de formação na educação básica, entre outros equívocos pedagógicos e epistemológicos.

Quanto ao ensino médio, após a reforma imposta, primeiro por Medida Provisória, a BNCC está sendo gestada na mesma lógica: “itinerários formativos” divididos por áreas de formação e formação profissional; ela definirá “os direitos e objetivos de aprendizagem do ensino médio” e será organizado por “áreas de conhecimento”; apenas duas disciplinas serão obrigatórias: português e matemática e, a carga horaria não poderá ser “superior a mil e oitocentas horas do total da carga horária do ensino médio, de acordo com a definição dos sistemas de ensino”. Entre tantas incertezas para onde apontarão as BNCC do ensino médio, uma certeza já temos: A educação da juventude será ainda mais precária e estreita e, também, irá preparar o ensino médio para um processo ainda mais profundo de controle e privatização, com viés profissionalizante.

Entidades nacionais, universidades e pesquisadores também receberam com preocupação o lançamento dos editais Capes 6 e 7/2018, que tratam do novo Programa de Residência Pedagógica (PRP) e do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (Pibid), respectivamente. As propostas para os dois programas articulam-se à atual política de formação docente do MEC, empenhada em submeter os programas de formação inicial (cursos de Licenciatura) à nova Base Nacional Comum Curricular (BNCC).

As críticas à política de formação do MEC são várias, especialmente porque o ministério parte do princípio de que os cursos de Licenciatura são “muito teóricos”, e a solução oferecida – o Programa de Residência Pedagógica – é reorientá-los para a aplicação prática da BNCC. Se por um lado o edital inclui, entre as “abordagens e ações obrigatórias” do PRP, “a apropriação analítica e crítica da BNCC nos seus princípios e fundamentos”, por outro exige a elaboração de “atividades que envolvam as competências, os conteúdos das áreas e dos componentes, unidades temáticas e objetos de estudo previstos na BNCC, criando e executando sequências didáticas, planos de aula, avaliações e outras ações pedagógicas de ensino e aprendizagem”.

Tal perspectiva incorre em uma visão reducionista da formação de professores, que em vez de implementar no processo formativo a necessária unidade teoria-prática, que não pode ser dicotomizada, propõe uma desvinculação definitiva de teoria e prática, reduzindo a formação docente a um “como fazer” descompromissado de uma concepção emancipadora e sócio-histórica. Isso prejudica a qualidade da educação básica das crianças e jovens brasileiros, esvaziando-a de sua função social e cidadã.

A educação é um processo social e coletivo que exige paciência, tempo e continuidade. A gestão atual do MEC desmonta políticas e programas que foram construídos nacionalmente e que estavam sendo aprimorados para, de forma apressada e irresponsável, impor mudanças que geram dúvidas, incertezas, contestações e graves ameaças a qualidade da formação que estas gerações terão.

A função da educação é desenvolver pessoas com autonomia intelectual, ética e política por meio da construção do conhecimento. A infância, a adolescência e a juventude são fases do desenvolvimento humano complexas e, a formação desenvolvida, impacta por toda a vida. Por isso, a educação básica deve estruturar-se numa sólida formação humana, integral, de sólidos valores éticos e sociais, relegada nesta reforma, que fará muita falta na vida desses estudantes.

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