MOVIMENTO

Banco Central: independente do governo e amigo do mercado

Entidades sindicais, movimentos populares e partidos políticos protestaram em dez cidades do país contra a autonomia do Banco Central e os juros altos
Da Redação / Publicado em 14 de fevereiro de 2023
Banco Central: independente do governo e amigo do mercado

Foto: Nadja Kouchi /TV Cultura

O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, no programa Roda Viva, da TV Cultura

Foto: Nadja Kouchi /TV Cultura

Nesta terça-feira, 14, entidades sindicais, movimentos populares e partidos políticos protestaram em dez cidades do país contra a dita autonomia do Banco Central e os juros altos.

Os protestos começaram pela manhã com um tuitaço nas redes sociais. A mobilização seguiu durante o dia em frente às sedes do BC, em capitais como Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador e Brasília.

As críticas foram principalmente contra a taxa básica de juros, a Selic (de 13,75% ao ano), e a dependência do Banco Central ao capital financeiro especulativo. É o que detalha Sérgio Nobre, presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT).

“O Campos Neto (Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central) está dizendo que vai manter essa política de juros altos até o final do ano (…) e o presidente da República, desde janeiro, está dizendo que tem que cair os juros, tem que incentivar a produção, tem que aumentar o salário mínimo. Então, ele (Campos Neto) está na contramão. O ato aqui é para dizer que nós exigimos que os juros baixem, para que o país possa crescer, e que ele tenha dignidade, entregue o cargo e vá cuidar da vida se ele não concorda com a visão do novo governo”, defendeu o sindicalista.

Os manifestantes, além de criticarem a chamada autonomia do Banco Central, reforçaram que a manutenção da taxa de juros, no atual patamar, trava o crescimento econômico, aumenta o desemprego e a fome, com vantagens apenas aos rentistas.

Presidente do BC colocado na roda

Ao participar do Programa Roda Viva, da TV Cultura, na segunda-feira, 13, o presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, afirmou que a instituição “não gosta de juros altos”, negou atuação política à frente do BC e afirmou ser contra alterar a meta da inflação.

“O Banco Central não gosta de juros altos. Óbvio que a gente quer fazer o melhor possível para ter o juro baixo. Para ter um crescimento sustentável […] toda a agenda do Banco Central é social […] Então, a gente acredita que é possível fazer fiscal junto com o bem-estar social. Mas a gente acredita que é muito difícil ter bem-estar social com inflação descontrolada”, disse o economista.

Queda de braço entre Banco Central e governo Lula

Banco Central: independente do governo e amigo do mercado

Foto: Lula Marques/Agência Brasil

Foto: Lula Marques/Agência Brasil

“É uma vergonha esse aumento de juros e a explicação que eles deram para a sociedade brasileira”, disse Lula

Desde que o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) anunciou no início deste mês de fevereiro, que a taxa básica de juros do país, a Selic, ficará em 13,75% ao ano, o maior patamar desde janeiro de 2017 no país e o maior do mundo, o presidente  Luíz Inácio Lula da Silva (PT) tem criticado essa decisão dizendo que assim não é possível o país crescer.

O presidente vem constantemente se manifestando insatisfeito em relação à execução da política monetária atual, que é responsabilidade do BC e metas de inflação que não vem sendo cumpridas nos últimos anos.

“É uma vergonha esse aumento de juros e a explicação que eles deram para a sociedade brasileira”, disse Lula no dia 6 de fevereiro em um discurso durante um evento no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

O assunto voltou à tona e esquentou os noticiários quando o presidente Lula afirmou: “Não é possível que a gente queira que este país volta a crescer com taxa de 13,75%. Nós não temos inflação de demanda. É só isso. É isso que eu acho que esse cidadão [Campos Neto], indicado pelo Senado, tenha possibilidade de maturar, de pensar e de saber como vai cuidar deste país. Ele tem muita responsabilidade”.

O presidente Lula não está sozinho nas críticas ao presidente do BC Roberto Campos Neto, indicado por Jair Bolsonaro (PL) e que teve o seu nome aprovado pelo Congresso Nacional, após o banco ter se tornado independente do governo federal.

As críticas vieram também da ex-presidenta Dilma Rousseff (PT) e de diversos economistas como André Lara Resende, um dos “pais” do Plano Real, e de Luiz Gonzaga Belluzzo, Luiz Carlos Bresser-Pereira e Leda Paulani, entre outros. Para eles, a taxa de juros trava o crescimento do país.

Dowbor concorda com o governo

“O planeta produz 80 trilhões de dólares de bens e serviços. Isso dá R$ 11 mil por mês para uma família de quatro pessoas. O que se produz no planeta dá para todo mundo viver de maneira digna e confortável”

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Ladislau Dowbor, conomista e professor da PUC de São Paulo

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Outro crítico da decisão do Copom é o economista e professor da PUC de São Paulo, Ladislau Dowbor. Para ele, o presidente Lula tem toda razão em entender que a taxa de juros impede o crescimento do país e a geração de empregos.

“A taxa de juros do Banco Central nada mais é do que apropriação indébita porque tira entre R$ 600 a R$ 700 bilhões ao ano de dinheiro público”, disse Dowbor.

“É dinheiro dos impostos do povo brasileiro utilizado para pagar títulos da dívida pública, impedindo que o governo federal invista em políticas públicas como aberturas de estradas, construção de escolas e moradias populares, entre outras. Você drena a capacidade do Estado de fazer políticas sociais e de infraestrutura”, acrescenta o economista.

Segundo Dowbor, a taxa Selic ficar neste patamar só interessa a um por cento da elite econômica do país que compra títulos do governo para investimentos (a arrecadação dos governos depende de impostos recolhidos e parte de títulos vendidos no mercado), e a cerca de 10% da classe média que têm aplicações financeiras, pois com a alta dos juros vale mais a pena deixar o dinheiro aplicado em algum título do governo do que abrir uma empresa e gerar empregos. São os chamados rentistas que vivem dos juros de suas aplicações.

Pelas contas do economista, o custo dos juros do BC ao governo federal daria para pagar dez vezes mais a 50 milhões de pessoas que dependem do Bolsa Família de R$ 600 e mais R$ 150 por cada criança de até seis anos de idade.

Os interesses do mercado financeiro

O professor da PUC explica que aliado à alta da Selic nos dois últimos governos, os juros cobrados pelos bancos privados que chegam a 410% no cartão de crédito ao ano, estrangularam a capacidade de compras das famílias (79% estão inadimplentes e 30% em bancarrota); e os investimentos de empresas. Isso é mais um componente que não justifica os juros de 13,75% praticados pelo BC.

“O empresário não tem crédito para investir e mesmo que tivesse ele evita, pois não tem quem compre o seu produto tal o grau de endividamento das famílias, impedindo a geração de empregos”, pondera.

Um dos pais do Plano Real também critica taxa de juros básica

O economista André Lara Resende, um dos pais do Plano Real também criticou a taxa de juros básica. Segundo ele, o índice de 13,75% está profundamente errado.

“Faz sentido nesse contexto você ter uma taxa de juros que há dois anos nesse nível? Claramente não. Os objetivos do Banco Central, determinados na lei que deu autonomia ao Banco Central são o controle da inflação, a estabilidade do sistema financeira e a garantia do pleno emprego. Obviamente essa taxa de juros de 13,75%, é incompatível com esses objetivos. Ela está errada”, disse.

Os economistas Luiz Gonzaga Belluzzo, Luiz Carlos Bresser-Pereira, Monica de Bolle, Luciano Coutinho, Nelson Marconi, Leda Paulani, Antonio Corrêa de Lacerda, Clélio Campolina, Paulo Nogueira Batista Jr. e Lena Lavinas são alguns dos nomes que participam de um movimento no qual defendem, por meio de um manifesto divulgado no último sábado (11), a “razoabilidade” da taxa básica de juros, a Selic. Publicado como abaixo-assinado na plataforma Change.org, o texto tinha mais de 2.800 assinaturas até o início da tarde desta segunda-feira (13).

No texto, os economistas dizem que “a eleição de outubro renovou as esperanças de que o Brasil possa reencontrar os caminhos para a estabilidade política e um lugar respeitável no mundo. O Brasil precisa de paz e de perspectivas. O mundo precisa da estabilidade do Brasil”. Os signatários afirmam que “a superação dos desafios brasileiros só pode ser alcançada com uma nova política econômica, promotora de crescimento e prosperidade compartilhada”.

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