AMBIENTE

Justiça suspende licenciamento ambiental da Mina Guaíba

Liminar confirma que Copelmi e Fepam omitiram da Funai existência de territórios mbyá guarani em área destinada a mina de carvão a céu aberto entre Eldorado do Sul e Charqueadas
Por Gilson Camargo / Publicado em 23 de fevereiro de 2020
Comunidades indígenas das aldeias Guajayvi e Pekuruty existentes no entorno da área visada pela mineração foram ignoradas pela empresa e pelo órgão que deveria fiscalizar os impactos socioambientais do projeto

Foto: Igor Sperotto

Comunidades indígenas das aldeias Guajayvi e Pekuruty existentes no entorno da área visada pela mineração foram ignoradas pela empresa e pelo órgão que deveria fiscalizar os impactos socioambientais do projeto

Foto: Igor Sperotto

A 9ª Vara Federal de Porto Alegre determinou a suspensão imediata do processo de licenciamento ambiental do projeto Mina Guaíba devido à omissão por parte da empresa de mineração Copelmi e da Fundação Estadual de Proteção Ambiental Henrique Luis Roessler (Fepam), que deixaram de comunicar à Fundação Nacional do Índio (Funai) a existência de duas comunidades mbyá guarani na área que será impactada pelo projeto.

Nove famílias de indígenas mbyá guarani da Aldeia Guajayvi, vivem na área da mina localizada no perímetro de Charqueadas. Outros dez mbyá guarani da comunidade Pekuruty, ou Arroio Divisa, vivem às margens da BR 290, em Eldorado do Sul, a 7,2 km do local escolhido para o empreendimento.

As duas comunidades indígenas estão localizadas na Área de Influência Direta da Mina Guaíba, ou seja, irão sofrer os impactos diretos do projeto, mas no processo de licenciamento não há qualquer referência a elas. As outras populações que vivem nessa área são as mais de 70 famílias de agricultores do Assentamento Apolônio de Carvalho, que cultivam 700 hectares de lavouras de arroz orgânico – uma das maiores da América Latina –, produção de hortaliças e desenvolvem um projeto de piscicultura e as mais de cem famílias do condomínio Guaíba City. Ao contrário dos indígenas, essas comunidades são referidas no EIA/Rima, mas serão alvo de reassentamento forçado e incerto pela Copelmi, que não informa quando os moradores serão removidos, onde serão reassentados nem os valores das indenizações.

Análise do componente indígena

“Caso a mina seja licenciada, as comunidades teriam que conviver com explosões e abalos sísmicos diuturnamente, durante cerca de 30 anos, com emissões de gases tóxicos e contaminantes na atmosfera, respirariam materiais particulados carregados de mercúrio, conviveriam com alterações e degradação toda a paisagem cênica do entorno de seu território, haveria dificuldades de obtenção de água potável e de qualidade”

Além de não terem sido consultados, os indígenas seriam removidos à força, já que para a Copelmi e a Fepam eles não existem

Foto: Observatório do Carvão Mineral/Divulgação

Além de não terem sido consultados, os indígenas seriam removidos à força, já que para a Copelmi e a Fepam eles não existem

Foto: Observatório do Carvão Mineral/Divulgação

Ao conceder a liminar na última sexta-feira, 21, a juíza Clarides Rahmeier determinou que o processo de licenciamento só poderá ser retomado após análise conclusiva do “componente indígena” pela Funai. A suspensão do processo “imediatamente e no estado em que se encontra”, será mantida até a manifestação da Funai e inclusão, antes da emissão de eventual Licença Prévia pela Fepam, da análise no EIA/Rima “de forma a solucionar os impactos sociais, culturais e ambientais relacionados ao componente indígena no entorno do empreendimento, bem como da importância de ser observada, de forma efetiva, as normas que determinam a realização de consulta também prévia livre e informada às comunidades indígenas afetadas, nos termos da Convenção 169 da OIT”.

A decisão atende à solicitação feita através de Ação Civil Pública (ACP) movida pelo Instituto Internacional Arayara que, com seus técnicos e advogados balizaram os erros cometidos pela Copelmi e Fepam, e pela Associação Indígena Poty Guarani, protocolada em outubro de 2019. A ACP tem o apoio e a participação da 350.org e do Observatório do Carvão Mineral.

O Estudo e o Relatório de Impacto Ambiental (EIA-RIMA) do projeto, elaborado pela empresa, ignorou a presença de aldeias indígenas na área diretamente afetada pela mina Guaíba. O erro foi cometido tanto pelo órgão ambiental licenciador, Fepam, quanto pelo empreendedor, a Copelmi. A legislação vigente é muito clara e objetiva: os licenciamentos devem ter consulta prévia, livre e informada dos povos indígenas e tradicionais. No caso da mina Guaíba, foram excluídos os indígenas da Aldeia (TeKoá) Guajayvi, conclui o despacho.

Em nota, o Instituto Arayara, co-autor da ação, reafirma a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT): “sempre que uma medida ou ato administrativo ou legislativo do Estado possa ocasionar dano ou ameaça de dano a direitos, o povo afetado deve ser consultado previamente para oferecer seu consentimento. A OIT 169 determina, no artigo 6°, que os povos devem ser consultados mediante procedimentos apropriados através de suas instituições representativas e que a consulta deve ser feita de boa-fé”.

Além de não terem sido consultados, os indígenas estão expostos a uma remoção forçada, já que eles foram ignorados no processo de licenciamento ambiental. A ONG também enumera que, caso a mina seja licenciada, as comunidades teriam que conviver com explosões e abalos sísmicos diuturnamente, durante cerca de 30 anos, com emissões de gases tóxicos e contaminantes na atmosfera, respirariam materiais particulados carregados de mercúrio, conviveriam com alterações e degradação toda a paisagem cênica do entorno de seu território, haveria dificuldades de obtenção de água potável e de qualidade. “Ou seja, mazelas irreparáveis e incontroláveis permeariam a vida na aldeia”.

O projeto de mineração de carvão, areia e cascalho, localizado nos municípios de Eldorado do Sul e Charqueadas, apresenta sérios riscos aos indígenas e a mais de 4,5 milhões de pessoas que vivem no entorno, incluindo Porto Alegre e região metropolitana.

A liminar salienta que “o componente indígena deve ser incluído no Estudo de Impacto Ambiental e respectivo Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima), antes de eventual emissão de Licença Prévia pela Fundação de Proteção Ambiental (Fepam)”. Cabe recurso da decisão ao TRF4. O gerente de Sustentabilidade Corporativa da Copelmi, Cristiano Weber, informou que a empesa não vai se manifestar sobre a decisão da Justiça Federal.

O Ministério Público Federal (MPF) foi intimado e manifestou-se favoravelmente ao pedido da liminar. “Sem qualquer contato com os indígenas, tampouco houve algum movimento por parte da FEPAM e da Copelmi no sentido da realização da consulta prévia da Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho sobre direitos dos povos indígenas e tribais”, ressaltou o Procurador da República, Pedro Nicolau Moura Sacco.

Renan Andrade, gestor ambiental da 350.org que atua no Rio Grande do Sul, considera a concessão da liminar uma vitória importante. “Essa é uma vitória da justiça, das leis e dos povos indígenas. A mina Guaíba, se instalada, será um verdadeiro desastre e colocará em risco a vida de mais de 4,5 milhões de pessoas, seja pela exposição ao material particulado 2.5 (pm 2.5), seja pelos materiais cancerígenos que são liberados com a exploração do carvão. Seguiremos na batalha para impedir a implantação desse desastre chamado mina Guaíba”, afirmou.

Para Juliano Bueno de Araújo, diretor de campanhas da 350.org, da Arayara e do Observatório do Carvão Mineral “os indígenas que vivem na região já estão sendo afetados pela Mina Guaíba, quando os responsáveis pelo projeto tentam apagar sua existência e passar por cima da consulta obrigatória que deveriam fazer, mas a comunidade não vai deixar que isso aconteça”.

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DADOS ABERTOS – O Dia dos Dados Abertos em Porto Alegre irá debater o projeto da Mina Guaíba e seus impactos ambientais na Região Metropolitana. O evento é gratuito e será realizado na Unisinos Porto Alegre, dia 7 de março, das 9h às 15h30min. A programação segue a linha temática Dados Ambientais, proposta pela Open Knowledge para o Open Data Day 2020.

Painelistas: 

Marcelo Träsel: professor da Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação (Fabico) da Ufrgs, presidente da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e coordenador do projeto Guaíba Dados;

Marilene Maia: doutora em Serviço Social, especialista em Administração e Planejamento de Bem Estar Social e coordenadora do Observatório da Realidade e das Políticas Públicas do Vale do Rio dos Sinos (Observa Sinos).

Iporã Brito Possantti: engenheiro ambiental e mestrando do Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) da UFRGS;

Rualdo Menegat: geólogo, professor  do Departamento de Paleontologia e Estratigrafia do Instituto de Geociências da UFRGS e criador do Atlas Ambiental de Porto Alegre

Entrevistadores:

Thayse Uchôa (Jornal Extra Classe)
Felipe Prestes (Sul 21)
Jéssica Weber (GaúchaZH)

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