CULTURA

Para gostar de ler

Luiz Carlos Barbosa / Publicado em 24 de outubro de 1999

A produção literária para o público infanto-juvenil é uma das mais difíceis e por isso mesmo uma das mais escassas, em comparação, por exemplo, com o que se edita para as crianças pequenas, na faixa etária até os dez anos. Para esse leitores estreantes há um grande acúmulo, tanto estilístico como temático, que vai desde a tradição dos contos de fadas, e suas releituras, até um vasto imaginário reelaborado a partir das próprias brincadeiras infantis com o mundo real e com a linguagem verbal. Já para os prés e adolescentes, o desafio é graduar temas, linguagens e estruturas adequadas, que não sejam nem tão adultas nem tão infantis. Note-se que semelhante situação ocorre no teatro e no cinema. O mais grave é que neste limiar pode-se ou não consolidar no jovem o hábito da leitura, em um momento crítico de concorrência desigual com a televisão, os games e a Internet.

Tudo isso é razão de sobra para saudar “Já pensou se alguém acha e lê este diário?”, editado pela Melhoramentos. A professora, jornalista e publicitária carioca Nilza Rezende, 42 anos, realizou um trabalho estimulante para o jovem leitor adolescente, escrito em linguagem enxuta e em um padrão coloquial apropriado à faixa etária. Autora de duas outras obras, “Uma menina, um menino, o amor” e “Lili, a menina que cansou de ser boazinha” – essas para o público infantil – Nilza recorre à estrutura narrativa do diário, escrito pelo protagonista João Gabriel.

Desta forma, “Já pensou se alguém acha e lê este diário?” está isento de artificialismos, porque sua ação se revela desde o ponto de vista reflexivo do personagem. Afinal, o diário é confessional por essência e notabiliza o ato de escrever e a linguagem como uma maneira de organizar o pensamento e as emoções. O processo constitui uma conversa franca em que o interlocutor é o mais fiel dos parceiros, o “Amigão”, como diria João Gabriel, que está sempre disponível e, incapaz de qualquer censura, consola, apóia e se solidariza. Na sua trajetória de menino urbano – por sinal, absolutamente verossímil – João Gabriel tem consciência da função de seu amigo confidente. Através da anotação no diário, o personagem expõe seus problemas, pondera hipóteses e escolhe alternativas de solução.

Nesta perspectiva, a obra de Nilza Rezende se enquadra na chamada literatura emancipatória, em que o personagem, identificado com o leitor, apresenta condições de vivenciar dificuldades e superá-las com autonomia, fortalecendo a auto-estima e o sentido crítico. Atributos como estes são fundamentais para atrair o leitor que chega na adolescência, além de contribuir para o seu autoconhecimento e crescimento.

Com certeza, “Já pensou se alguém acha e lê este diário?” é um bom livro para ser trabalhado com turmas de quartas, quintas, sextas séries. Talvez os jovens de hoje nestes níveis escolares nem saibam que se pode fazer um diário. Quem sabe acabem por reinventar a roda, o que, neste caso, necessariamente não é um retrocesso, até porque o prazer de ler e escrever está precisando ser redescoberto com urgência.

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