EDUCAÇÃO

Governo propõe orçamento do MEC quase inalterado para 2021, em R$ 144,5 bilhões

Caso seja aprovado pelo Parlamento, o orçamento ainda fica abaixo do montante empenhado em 2019, que foi de R$ 144,7 bilhões. Para as despesas discricionárias, estão previstos R$ 19,9 bilhões
Por Flavia Bemfica / Publicado em 16 de setembro de 2020
Ensino Médio em Tempo Integral não teve nenhuma execução orçamentária pelo MEC no primeiro semestre

Foto: José Cruz/ABr

Ensino Médio em Tempo Integral não teve nenhuma execução orçamentária pelo MEC no primeiro semestre

Foto: José Cruz/ABr

Mesmo após os protestos de entidades e profissionais vinculados à Educação, o governo federal manteve, na prática, o corte em parte do orçamento do Ministério da Educação (MEC) para 2021. Na Proposta de Lei Orçamentária (Ploa) para o próximo ano, que chegou ao Congresso no último dia do prazo, em 31 de agosto, os recursos previstos para a Educação são de R$ 144,5 bilhões. O valor é ligeiramente superior ao de 2020 (R$ 142,1 bilhões na Ploa), mas ainda não alcança o montante empenhado em 2019, de R$ 144,7 bilhões. Para as despesas discricionárias – aquelas previstas, mas não obrigatórias –, nas quais o MEC havia comunicado às entidades no início de agosto a projeção de um corte de R$ 4,2 bilhões (18,2%) em 2021, estão previstos R$ 19,9 bilhões.

Burmann: recursos para manter a Federal de Santa Maria só até agosto de 2021

Foto: UFSM/ Divulgação

Burmann: recursos para manter a Federal
de Santa Maria só até agosto de 2021

Foto: UFSM/ Divulgação

A redução, apesar de não ter alcançado o índice inicialmente anunciado, foi de 8,7% em relação ao previsto na Ploa de 2020 (R$ 21,8 bilhões, que acabaram com dotação menor, de R$ 19,6 bilhões), e ao empenhado em 2019 (R$ 23,9 bilhões). Os gastos discricionários são os destinados a ações de custeio, investimentos e assistência estudantil. Incluem, por exemplo, valores colocados em ações como construção de creches, bolsas de apoio, repasses para expansão do ensino integral ou recursos destinados a ampliar a utilização de tecnologia nas escolas.

Aparentemente, em relação ao que havia sido ventilado no início de agosto, de que os valores para a Educação seriam menores do que os do Ministério da Defesa em 2021, o governo recuou, e manteve a Educação com o maior orçamento entre os ministérios. Mas, na prática, quando consideradas as despesas discricionárias, o aumento no orçamento do MEC será de R$ 276 milhões (1,4%) em relação à dotação atual, enquanto que o da Defesa alcançará R$ 928 milhões (8,5%).

A falta de ‘dinheiro novo’ para a Educação ocorre em um momento no qual, em função de todos os problemas decorrentes da pandemia do novo coronavírus, entre eles o ano letivo anômalo de 2020, há necessidade de aumento nos investimentos em tecnologia e medidas sanitárias. “De fato fica difícil compreender. Porque não há país no mundo que tenha emergido de suas crises efetuando cortes em educação, ciência e tecnologia. As universidades, por exemplo, vêm experimentando cortes ano a ano. Neste momento, aqui, temos condições de conduzir a universidade até agosto de 2021. E destaco: isto não é drama para sensibilizar, isto é a realidade”, assinala o reitor Paulo Afonso Burmann, da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), e membro da diretoria da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes).

Cenário negativo com baixa entrega de políticas públicas

Orçamento insuficiente para dar conta das consequências da pandemia, diz Andressa Pellanda

Foto: ETV/ Reprodução

Orçamento insuficiente para dar conta das consequências da pandemia, diz Andressa Pellanda

Foto: ETV/ Reprodução

Conforme o coordenador de Relações Governamentais do movimento Todos Pela Educação, Felipe Poyares, há queda tanto real como nominal das despesas com a área. “No orçamento da Educação como um todo, o Ploa prevê um reajuste de 1,7%. Mas a inflação do período é de 4%. Fica evidente que o reajuste não é suficiente. Nas despesas discricionárias, o corte ocorre em um cenário no qual, neste ano de 2020, o governo já vem executando um percentual muito abaixo do previsto”, elenca. Segundo ele, as expectativas no sentido de reverter as diminuições e garantir investimentos se voltam agora para o Congresso. ‘É um cenário muito negativo, de uma baixa entrega de política pública, e justamente quando a gente mais precisa. O Congresso precisa reverter isto”, considera Poyares.

Segundo Burmann, a Andifes já realiza um movimento junto ao Legislativo para tentar alterar o quadro. “Estamos apostando na sensibilidade e na sensatez”, resume. A coordenadora geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Andressa Pellanda, também destaca a necessidade de profissionais e entidades articularem soluções junto ao Congresso, mas projeta um cenário pouco animador. “É uma situação muito crítica para a Educação, que precisava muito mais do que R$ 144 bilhões. Não é um montante suficiente para uma resposta condizente com a que será necessária para todas as consequências da pandemia. Voltamos nossas pressões para o Congresso neste momento, mas a verdade é que não sabemos até que ponto, depois, os valores vão de fato se sustentar na execução orçamentária do próximo ano”, adianta Andressa.

Apesar dos protestos de entidades e profissionais vinculados à Educação, o governo manteve, na prática, o corte em parte do orçamento do MEC

Foto: Igor Sperotto

Apesar dos protestos de entidades e profissionais vinculados à Educação, o governo manteve, na prática, o corte em parte do orçamento do MEC

Foto: Igor Sperotto

A execução orçamentária é a etapa concreta da aplicação dos recursos, e tem exigido atenção extra dos que acompanham a política educacional no país. Porque os esforços para garantir os investimentos acabaram se tornando uma constante, ora para tentar coibir cortes, ora para fiscalizar sua aplicação. O último relatório elaborado pelo Todos Pela Educação a respeito da execução orçamentária do MEC, divulgado em 29 de agosto, elenca os problemas, e mostra como já afetam o cotidiano de estudantes, a produção e o repasse de conhecimento.

O relatório do Todos mostra, por exemplo, que, até o final de junho (primeiros seis meses) deste ano, apenas 22% das despesas discricionárias do orçamento do MEC foram pagas. Mas a baixa execução não se limita às despesas não obrigatórias. Mesmo após a inclusão dos recursos condicionados ao descumprimento da Regra de Ouro à dotação do ministério, aprovada em junho, e o remanejamento de recursos extras para a pasta por meio de medidas provisórias (MPs) para enfrentar a crise, o orçamento em 2020, em valores reais, é o menor desde 2012. E, nele, menos de 1% dos recursos condicionados pertencem à Educação Básica.

A análise traz um alerta a respeito do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), principal unidade executora de despesas relativas à educação básica. Conforme o levantamento, há na autarquia mais despesas a pagar do que limite de pagamento disponível. A soma das dotações de 2020 que ainda não foram executadas, que é de R$ 2,2 bilhões, com o saldo de Restos a Pagar (RAP), equivalente a R$ 3,3 bilhões, supera o limite de pagamentos disponível: R$ 2,8 bilhões.

 

Arte: Bold Comunicação

Arte: Bold Comunicação

Restos a pagar comprometem execução orçamentária

Em relação a ações para o enfrentamento da pandemia, o relatório conclui que, até junho, os esforços do MEC para apoiar as redes de ensino ficaram restritos à transferência antecipada de parcelas já previstas do Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE). Mas programas como o Educação Conectada, que visa ampliar o acesso à internet nas escolas, e o Ensino Médio em Tempo Integral (EMTI), não tiveram nenhuma execução até o final do primeiro semestre.

O que gera ainda mais receio entre técnicos e especialistas, contudo, é uma prática que vem se destacando desde 2019: o comprometimento de fatia significativa do orçamento com despesas de anos anteriores. Enquanto no início daquele ano 16% do saldo de restos a pagar era composto por gastos do ano anterior, em 2020 o percentual saltou para 78%. A conclusão do relatório é de que o gasto excessivo com Restos a Pagar (RAP) tem comprometido a execução orçamentária de 2020, já que consome o limite de pagamentos do exercício. Além disso, ao que tudo indica até aqui, o ‘carregamento’ de RAP do MEC de 2020 para 2021 tende a ser tão expressivo quanto o que ocorreu entre 2019 e 2020. “É grave e preocupante porque de forma alguma isto poderia acontecer, deveria ser uma exceção. Não se pode criar um problema para tapar outro”, lamenta Poyares.

Comentários