JUSTIÇA

STF retoma julgamento sobre marco temporal de terras indígenas

Sessão foi suspensa em junho após pedido de vista pelo ministro bolsonarista André Mendonça, que votou a favor do marco temporal. Apib e Cimi se mobilizam contra retrocesso
Por Gilson Camargo / Publicado em 30 de agosto de 2023
STF retoma julgamento sobre marco temporal de terras indígenas

Foto: Joedson Alves/ Agência Brasil

Apib e Cimi acompanham julgamento do Marco Temporal em Brasíliam nesta quarta e na quinta-feira, e vão à ONU contra retrocesso na demarcação de terras indígenas

Foto: Joedson Alves/ Agência Brasil

O Supremo Tribunal Federal (STF) retoma nesta quarta-feira, 30, o julgamento do processo que trata da constitucionalidade do marco temporal para demarcação de terras indígenas no país.

Em junho deste ano, o julgamento foi suspenso após pedido de vista feito pelo ministro André Mendonça, que tinha até 90 dias para devolver o processo para julgamento, de acordo com as regras internas do Supremo.

O placar do julgamento estava em dois votos a um contra o marco temporal. Edson Fachin e Alexandre de Moraes se manifestaram contra o entendimento, e Nunes Marques, ministro indicado pelo ex-presidente da República, votou a favor.

Nesta tarde, o ministro André Mendonça (também aliado de Bolsonaro) votou a favor do marco temporal, empatando a votação. Faltam os votos de Cristiano Zanin, indicado por Lula, mas que tem sustentado posições contrárias às pautas dos movimentos sociais. Luís Roberto Barroso, Dias Toffoli, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e a presidente do tribunal, Rosa Weber ainda não votaram.

No julgamento, os ministros discutem o chamado marco temporal. Pela tese, defendida por proprietários de terras, os indígenas somente teriam direito às terras que estavam em sua posse no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal, ou que estavam em disputa judicial na época. Os indígenas são contra o entendimento.

O processo que motivou a discussão trata da disputa pela posse da Terra Indígena (TI) Ibirama, em Santa Catarina. A área é habitada pelos povos Xokleng, Kaingang e Guarani, e a posse de parte da terra é questionada pela procuradoria do estado.

Por unanimidade, o Plenário do STF decidiu no dia 15 que o ministro André Mendonça pode participar do julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 1017365, com repercussão geral, que discute o chamado marco temporal para a demarcação de terras indígenas.

O ministro terá direito a voto em relação à matéria de repercussão geral, mas não poderá se manifestar sobre o caso concreto.

Questão de ordem

Em junho, Mendonça havia pedido vista do processo e, em seguida, apresentou questão de ordem para saber se poderia participar do julgamento, por ter atuado no caso como advogado-geral da União.

Na sessão virtual encerrada em 14 de agosto, Mendonça votou pela possibilidade de sua participação porque, como advogado-geral da União, havia se manifestado apenas por meio de pedidos específicos, sem se posicionar sobre o mérito da questão.

Controle de constitucionalidade

O ministro observou que a compreensão do Tribunal é de que o impedimento e a suspeição não se aplicam, como regra, ao julgamento de ações de controle concentrado (ADIs, ADCs, ADPFs e ADOs), pois são institutos são típicos de processos em que há defesa de interesses e posições, enquanto essas ações discutem a validade de normas jurídicas.

A seu ver, esse entendimento deve ser aplicado a todas as hipóteses de controle de constitucionalidade, independentemente de a questão ter chegado ao Supremo incidentalmente, como alegação num processo entre partes (como no caso dos Recursos Extraordinários), ou por meio de ações concentradas.

Seguindo o voto do ministro, o Plenário definiu que, nos recursos extraordinários com repercussão geral, o impedimento se aplica ao processo subjetivo e à conclusão de julgamento aplicada às partes, mas não ao tema de fundo, pois nessa fase não se discutem situações individuais nem interesses concretos.

“Ou seja, deve-se participar da integralidade do julgamento concernente ao tema de repercussão geral (incluindo voto, debates e sessões correspondentes), apenas deixando de apresentar voto sobre a causa-piloto (caso concreto)”, concluiu Mendonça.

STF retoma julgamento sobre marco temporal de terras indígenas

Foto: Twitter/ Divulgação

Retomada do julgamento mobilizou indígenas em todo o país e campanha nas redes sociais

Foto: Twitter/ Divulgação

Tese desastrosa

O ministro Alexandre de Moraes proferiu o último voto sobre o marco temporal antes da interrupção do julgamento, em 7 de junho.

Ele votou contra a tese do marco temporal. Para Moraes, o reconhecimento da posse de terras indígenas independe da existência de um marco temporal baseado na promulgação da Constituição de 1988.

Contudo, o ministro votou para garantir aos proprietários que têm títulos de propriedades localizadas em terras indígenas o direito de indenização integral para desapropriação.

Moraes também definiu que, se o governo federal não conseguir reaver a terra indígena, será possível fazer a compensação com outras terras equivalentes, “com expressa concordância” da comunidade indígena.

O voto do ministro é criticado por organizações que atuam em defesa de indígenas. Para a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), a tese é “desastrosa” e pode inviabilizar as demarcações.

“Conclui-se que a proposta do ministro Alexandre de Moraes prejudica a proteção do direito constitucional indígena. Além do mais, coloca sobre os povos indígenas o peso de suportar os erros históricos cometidos pelo próprio Estado brasileiro, na medida em que a garantia dos direitos fundamentais sob suas terras de ocupação tradicional passará a depender da existência de recursos financeiros por parte do Estado brasileiro”, declarou a entidade.

O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) também discordou do entendimento de Moraes. Para o Cimi, a possibilidade de indenização ou compensação de território vai aumentar os conflitos no campo.

“Como poderia a União pagar, na forma de indenização, por uma terra que já é de sua propriedade? Respondemos: isso seria inimaginável, porque essa figura é inexistente e não há nenhuma margem para que o nosso universo jurídico constitucional a admita”, afirmou o conselho.

Mobilização

A Apib convocou uma mobilização nacional para defender a derrubada da tese. Nesta quarta-feira e na quinta, 31, a entidade pretende acompanhar o julgamento em Brasília.

Na semana passada, o coordenador jurídico da entidade, Maurício Terena, esteve em Genebra, na Suíça, e se reuniu com representantes da Organização das Nações Unidas (ONU) para impedir retrocessos.

“Solicitamos uma manifestação das Nações Unidas, para que qualquer tentativa de conciliação que restrinja o direito dos povos indígenas à terra seja considerada uma violação aos tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil é signatário”, afirmou Terena.

*Com STF e Agência Brasil.

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