OPINIÃO

Não é sequer inteligente sucatear órgão tão essencial como o INSS

Por Maria Lucia Fattorelli / Publicado em 1 de fevereiro de 2022

Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

O prazo de espera para análise de cerca de 1,8 milhão de requerimentos acumulados no INSS vem se alongando

Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

O Instituto Nacional do Seguro Social passa por um verdadeiro caos estrutural, com cerca de 1 milhão e 800 mil requerimentos represados, fechamento e sucateamento de agências de atendimento, falta de equipamentos, problemas em sistemas eletrônicos corporativos e, principalmente, insuficiência de servidores.

A importância do INSS é inegável. Trata-se da principal fonte do pouco que existe de distribuição de renda no país, destacando-se os benefícios previdenciários e assistenciais (como o BPC – Benefício de Prestação Continuada para maiores de 65 anos ou pessoas deficientes; o seguro-desemprego e o auxílio-doença, que passou a ser denominado Benefício por incapacidade temporária); a aprovação de aposentadoria rural e urbana, as pensões por morte, invalidez, entre outros serviços.

Apesar de toda essa relevância e considerando o acúmulo de trabalho, em vez de aumentar os investimentos, o Orçamento do INSS para 2022 sofreu um CORTE de R$ 1 bilhão, que corresponde a cerca de 41% do orçamento aprovado pelo Congresso (no valor de R$2,388 bilhões) para o custeio do funcionamento do órgão.

Enquanto isso, para 2022 o governo prevê R$ 2,4 TRILHÕES para pagamento de juros e amortizações da chamada dívida pública federal, que beneficia principalmente bancos e grandes rentistas.

O corte de R$ 1 bilhão no orçamento do INSS compromete ainda mais as atividades administrativas (exercidas em grande parte por terceirizados) e a manutenção das agências (serviços de limpeza e vigilância), aumentando o risco até de fechamento de agências por falta de manutenção de estrutura mínima.

O impacto do corte

A população é a maior prejudicada, apesar de se tratar de direito previsto constitucionalmente e apesar de arcar com o pagamento das diversas contribuições sociais. Além das contribuições que incidem sobre salários e serviços autônomos, pagamos também a Cofins, que incide sobre todos os produtos e serviços consumidos pelas pessoas.

O prazo de espera para análise de cerca de 1,8 milhão de requerimentos acumulados no INSS vem se alongando. Destes, cerca de 500 mil correspondem ao BPC e cerca de 458 mil requerimentos se referem a consultas agendadas para perícia médica.

O excesso de trabalho imposto ao corpo funcional do Instituto é algo descomunal.

Os dados apresentados pelo Relatório de Gestão do INSS 2020 mostram que entre 2019 e 2020 houve incremento de 75% da produtividade, passando de 7,5 milhões de requerimentos analisados para 13 milhões de requerimentos.

Apesar dessa imensa dedicação, o número de requerimentos se acumula, porque o INSS recebe cerca de 800 mil pedidos todo mês.

Segundo a Federação Nacional dos Sindicatos de Trabalhadores em Saúde, Trabalho, Previdência e Assistência Social (Fenasps), antes do período da pandemia, os atendimentos presenciais eram cerca de 4 milhões por mês.

Com a reabertura de cerca de 70% das agências do INSS, os atendimentos presenciais são apenas cerca de 700.000 por mês devido à redução do pessoal e ao sucateamento dos prédios do Instituto, que não possuem nem mesmo condições de adequação às condições sanitárias e não puderam ser reabertos.

Sucateamento programado

O sucateamento do INSS vem acontecendo de diversas formas e de maneira continuada, como reiteradamente denunciado pela Fenasps.

Os principais problemas do INSS são, em resumo:

Estrutura insuficiente e/ou inadequada e deficiência de equipamentos. O INSS possui 1.713 agências espalhadas em todo o país, mas muitas se encontram fechadas por falta de condições físicas, equipamentos e pessoal;

Problemas em sistemas eletrônicos corporativos, que ficam inoperantes, sem funcionar, ou funcionam precariamente, o que dificulta o desempenho das funções dos servidores;

Insuficiência de Servidores. O INSS perdeu de cerca de 50% do pessoal do quadro funcional, não realiza concurso há vários anos e tem mais de 22 mil cargos vagos. Conta com cerca de apenas 19 mil funcionários em exercício atualmente;

Restrição ao atendimento ao público, devido ao fechamento de agências e fim de atendimento presencial devido a modificações na legislação, e até instituição de “teleavaliação”, obrigando a população a recorrer a atendimento virtual. Além de ofender direitos sociais, tal prática ainda impõe ônus financeiro à população, principalmente os mais vulneráveis e sem recursos ou acesso à internet, que são direcionados para buscar intermediários para acesso a um serviço que deveria ser disponibilizado pelo Estado;

Aumento brutal da carga de trabalho de servidores. O governo aumenta as metas que devem ser atingidas por trabalhadores, o que gera ampliação da jornada de trabalho. Há relatos de casos de trabalho de 12 horas e até mais, o que tem provocado elevado índice de adoecimento da categoria. O total de afastamentos por problemas de saúde no INSS atingiu 65% dos ativos em 2019, com casos de AVC, infartos, transtornos mentais e doenças agravadas pela intensificação do processo de trabalho, conforme tabela a seguir:

Foto: Inss

Foto: Inss

O governo se nega a fazer concurso, corta orçamento do órgão e ainda descumpre acordo de greve firmado em 2016 com a Fenasps, além de editar Portarias (nº 54 em 22/09/2021 e nº 1.351 de 27/09/21) que sequer garantem tempo para refeição para servidores, o que é desumano!

Lógica privatista

Mais grave ainda é a ideia de “INSS Superavitário”, lógica privatista, como se o INSS não fosse um órgão de Estado e tivesse que sustentar seus custos operacionais de dar “lucro”.

Nessa linha, o governo já tem buscado o que denomina “operacionalização da folha de pagamentos, ressarcimento de custos com crédito consignado e cobrança administrativa”, buscando acordos com a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) para leilão da folha de pagamento, o que atende interesse de bancos que terão acesso aos dados dos segurados para oferecer empréstimos consignados e outros serviços bancários.

O sucateamento deságua no Judiciário

Estudo feito pela Ajufe mostra que, entre outros dados, há elevada judicialização. A quantidade de benefícios concedidos, reativados e revisados por decisão judicial (de 2014 a 2017) correspondeu a 12,19% do total de concessões no período.

Os custos das condenações judiciais oneram ainda mais as contas públicas, como levantado pelo Tribunal de Contas da União: “R$ 4,6 bilhões de custo processual da judicialização em 2016”.

Em novembro de 2020, o INSS fez um acordo com o Ministério Público Federal e Advocacia Geral da União para o analisar benefícios em até 90 dias, com o objetivo de zerar a fila de espera. Porém, é evidente que o acordo não foi cumprido, devido à falta de pessoal e estrutura para a realização do trabalho.

Importante artigo de autoria do desembargador Paulo Afonso Brum Vaz aponta dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), segundo o qual “o acúmulo de recursos em ações previdenciárias é o maior responsável pelo congestionamento de processos na Justiça Federal: 40% da demanda nos cinco Tribunais Regionais Federais diz respeito a litígios em que é parte o INSS.”

Custo da judicialização

Referido artigo também alerta para o elevado custo da judicialização. “As ações sobre benefícios por incapacidade, porque demandam a realização de perícia médica judicial, contemplam um custo adicional milionário para a Justiça. Como os autores, na sua esmagadora maioria, litigam sob o pálio da assistência judiciária gratuita, os honorários periciais são antecipados às expensas do orçamento da Justiça Federal.”

Diante das imensuráveis perdas sociais e do elevado custo da judicialização que acaba recaindo sobre as contas públicas, depreende-se que não é sequer inteligente deixar de investir em órgão tão essencial ao cumprimento dos direitos previstos na Constituição, como é o caso do INSS. Mas o governo está fazendo o contrário: não faz concurso e ainda corta 40% do orçamento do órgão. A conta irá aumentar!

 

Maria Lúcia Fattorelli é coordenadora nacional da Auditoria Cidadã da Dívida e integra a Comissão Brasileira Justiça e Paz, organismo da CNBB. Escreve mensalmente para o jornal Extra Classe.

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