OPINIÃO

O lobby privatista e as novas diretrizes para o ensino médio

Por Gabriel Grabowski / Publicado em 3 de dezembro de 2018

Foto: José Cruz/Agência Brasil

O presidente Michel Temer e os ministros da Educação, Rossieli Soares, e da Secretaria de Governo, Carlos Marun, durante cerimônia de anúncio de investimentos para o Novo Ensino Médio, no Palácio do Planalto.

Foto: José Cruz/Agência Brasil


“Os jovens constituem-se numa força positiva e possuem um enorme potencial para contribuir no desenvolvimento e progresso social. Isso significa trabalhar com três atitudes básicas diante dos jovens. A primeira é ver o jovem como solução e não como problema; uma segunda atitude implica ver o jovem como fonte de iniciativa e não como receptáculo; e por fim, ver o jovem como parceiro e interlocutor das decisões nos processos educativos e não como destinatário das ações voltadas a eles”. (Ir. Evilázio Teixeira – Reitor da Puc/RS)

O governo de Temer começou suas reformas no ensino médio através da Medida Provisória (MP) nº 746, de 22/09/2016, que resultou na Lei 13.515/17 e, concluiu sua obra com uma aprovação acelerada de última hora da “Atualização das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (DCNEM), observadas as alterações introduzidas na LDB pela Lei nº 13.415/2017”, através do parecer CNE/CEB 03/2018, Resolução CNE/CEB 03/2018, homologadas na pressa no término do governo.

Seja no método, no conteúdo ou na concepção a reforma do “novo” ensino médio foi um processo autoritário e de total subserviência da educação aos interesses privatistas, de mercado e da instrumentalização da formação dos estudantes. Autoritário porque, pela primeira vez, a lei maior da educação – a LDB –, foi alterada por uma medida provisória imposta, sem discussão e construção social. Submissão aos interesses do mercado porque introduziu e induz o “novo” ensino médio à uma profissionalização, através do quinto itinerário, tipo profissionalização compulsória da Lei 5.692/1971, reforma do regime militar fracassada.

Só faltou ao governo atual aprovar a proposta da BNCC para o Ensino Médio (que pretende fazê-la ainda em dezembro 2018), consolidando a fragmentação da educação básica, em contraposição a unidade estabelecida pela LDB vigente. Audiências Públicas realizadas pelo CNE causaram propostos, suspensão de debates e relator conselheiro César Callegari renunciou. Porém, a Lei 13.415 e a atualização das DCNEM, revogam e alteram as diretrizes do ensino médio e da educação profissional de 2012, construídas com participação e debate da sociedade e das entidades educacionais.

A presente atualização das DCNE institui, por exemplo, uma carga horária máxima de 1.800 horas para formação básica e, as demais 1.200 horas, para um dos cinco itinerários; prevê na modalidade de educação de jovens e adultos até 80% de sua carga horária à distância, 30% no ensino médio noturno e 20% no ensino médio diurno; profissionais de “notório saber” não formados podem atuar como educadores no itinerário da formação profissional; estabelece certificações parciais e reconhecimento de saberes não escolares diversos; transforma o currículo do ensino médio em competências e habilidades para agir no mercado de trabalho, em detrimento de saberes e conhecimentos científicos e humanísticos, permitindo “diferentes arranjos curriculares”; oficializa parcerias entre redes e instituições privadas (Sistema S, escolas privadas, entre outras possibilidades) e, diversifica a oferta de ensino médio de acordo com as possibilidades de cada rede e sistema, permitindo que, em tempos de crise financeira dos Estados, a oferta pública seja ainda mais fragilizada.

O itinerário de formação técnica e profissional é a materialização de várias possibilidades de ensino médio empobrecido para os jovens trabalhadores de escolas públicas. O ensino médio poderá ser completado tanto por formação técnica quanto por qualificações profissionais (programas e cursos e aprendizagem de curta duração, jovem aprendiz…), com módulos e certificações parciais; emparceiras com Sistema S, escolas privadas e empresas empregadoras, incluindo práticas e simulações em ambiente real de trabalho ou ambiente simulados; vivências práticas de trabalho e cursos não constantes no Catálogo Nacional de Cursos Técnicos. Ou seja, pode tudo e de qualquer jeito.

Para alguns especialistas, o lobby privatista obteve grande vitória no Conselho Nacional de Educação ao propor e aprovar a introdução de Ensino à Distância na etapa do ensino médio. Para Cesar Callegari, ex-membro do CNE, a votação foi uma precipitação e o texto abre espaço para a privatização da educação por meio da atuação de grupos privados nas atividades a distância – o que de fato é permitido pelas novas diretrizes. “Os acionistas de empresas educacionais devem estar em festa, porque abre um caminho enorme da educação a distância dentro da educação básica”, diz ele, ao ressaltar que a medida pode aumentar a desigualdade. “Ao fazer uma consulta em meio a confusão eleitoral e aprovar a toque de caixa, mancha a tradição do conselho de debates amplos. Nasce um documento marcado por ilegitimidade, e isso não é bom para educação.”

Um conjunto de treze entidades da área educacional, organizadas em torno do Movimento Nacional em Defesa do Ensino Médio, divulgaram Moção de Repúdio à aprovação de Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio pelo Conselho Nacional de Educação. Enumerando diversas razões, as entidades alertam, uma vez mais, aos governantes deste país, para as consequências desastrosas dessas medidas que atingem o âmago da formação da juventude brasileira.” Reiteram, ainda, que o “financiamento da oferta privada com recursos públicos significa, além de privatização stricto sensu, que o governo federal e os governos distrital e estaduais, estarão terceirizando o que é de sua responsabilidade constitucional. O ensino médio é parte constitutiva da educação básica e precisa cumprir a função precípua de contribuir para o desenvolvimento pleno dos estudantes. Não é admissível que frente ao desenvolvimento histórico da ciência, da arte e da cultura os jovens pobres sejam afastados da escola limitando o tempo presencial a três dias por semana. Igualmente inadmissível é o uso do dinheiro público para a mercantilização dessa etapa educacional de acordo com interesses, demandas e necessidades que não correspondem aos das nossas juventudes”.

Em síntese, as propostas do MEC para o ensino médio reduzem os direitos de aprendizagem dos estudantes apenas ao que couber em 1800 horas (60% do currículo), dilui as disciplinas em áreas sem explicitar o que é necessário ser garantido e reforça uma tendência da oferta do ensino médio A DISTÂNCIA, prática já em consolidação no expansão no ensino superior, especialmente nos cursos superiores de tecnologia e na formação de professores.

Oportunidades de itinerários diversificados na educação básica não podem precarizar e fragmentar a formação dos adolescentes e jovens, pois está formação impactará sobre por toda sua vida seus projetos e oportunidades futuras. Uma educação realmente séria e comprometida com os estudantes deve prepará-los para entender o significado da vida, a leitura do mundo, a convivência social, o exercício da cidadania, a continuidade dos estudos e a produção de sua existência através do trabalho.

Desta forma, nossa sociedade continuará privando os jovens do direito de desenvolver seu potencial. Potencial esse que deve ser desenvolvido por meio da cultura, da educação, da cidadania e do trabalho. Tratar o jovem como problema é reforçar um estigma que os torna cada vez mais filhos do medo. Medo de ficarem fora do mundo do trabalho, medo de se tornarem vítimas e autores de violência, medo de ficar à margem das decisões que afetam suas vidas. O ensino médio não deve formar apenas profissionais, mas precisa formar gente que pensa.

O governo atual, o Ministro e os gestões do MEC, assim como os normatizadores do CNE, de forma proposital e irresponsável, estão fazendo exatamente o oposto do que consta na epígrafe inicial, ou seja, ignorando os jovens mais uma vez.

 

Gabriel Grabowski, filósofo, doutor em Educação, professor e pesquisador, integra a equipe de colunistas do Extra Classe desde janeiro de 2017. Escreve mensalmente sobre questões da dinâmica no meio educacional.

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