OPINIÃO

1964 hoje: destruição do Estado-nação e afronta à Constituição

Comemorações do 31 de março são celebrações da morte, da tortura, da violação de direitos humanos fundamentais e da democracia
Por Marco Weissheimer / Publicado em 11 de abril de 2019

Foto: Alessandro Dantas/Fotos Públicas

Foto: Alessandro Dantas/Fotos Públicas

O vice-presidente da República, Hamilton Mourão, definiu os cinco generais que conduziram a ditadura civil-militar instalada no país pelo golpe de 1964 como homens que “mudaram o nosso país” e que “enfrentaram o que tinha de ser enfrentado com coragem e determinação”. As declarações foram feitas no ato de comemoração dos 107 anos do Colégio Militar de Porto Alegre. Em seu discurso, Mourão citou os nomes de Castello Branco, Costa e Silva, Emílio Médici, Ernesto Geisel e João Figueiredo como homens que “ajudaram a forjar o destino do nosso Brasil”. Na mesma direção, o presidente Jair Bolsonaro determinou que as Forças Armadas “comemorassem” o 31 de março e definiu o golpe de 1964 como uma “Revolução Democrática”.

Ecoando a linha seguida pelos chefes do Executivo, o ministro chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, ao defender a proposta de reforma da Previdência apresentada pelo governo Bolsonaro, citou como exemplo as “bases macroeconômicas” fixadas pela ditadura de Augusto Pinochet, no Chile. No período Pinochet, o Chile teve que dar um banho de sangue (para “fixar essas bases macroeconômicas”). Triste. O sangue lavou as ruas do Chile.

As posições defendidas pelos atuais ocupantes do Palácio do Planalto representam uma afronta à Constituição Federal e ao Estado Democrático de Direito. Quem afirmou isso, de modo categórico, foi o Procurador Regional dos Direitos do Cidadão, Enrico Rodrigues de Freitas, que expediu, dia 27 de março, um ofício aos comandantes de unidades militares no Rio Grande do Sul, recomendando que eles se abstenham de “promover ou tomar parte de qualquer manifestação pública, em ambiente militar ou fardado, em comemoração ou homenagem ao período de exceção instalado a partir do golpe militar de 31 de março de 1964”.

No ofício encaminhado aos chefes militares, o procurador lembrou que “a Constituição Federal de 1988 restabeleceu a democracia após o período entre 1º de abril de 1964 e 15 de março de 1985, durante o qual o país foi presidido por governos militares, com supressão das eleições diretas e dos direitos decorrentes do regime democrático, como direitos de reunião, liberdade de expressão e liberdade de imprensa”.  E acrescentou: “a homenagem por servidores civis e militares, no exercício de suas funções, ao período histórico no qual houve supressão da democracia e dos direitos de reunião, liberdade de expressão e liberdade de imprensa viola a Constituição Federal, que consagra a democracia e a soberania popular”.

A atual Constituição brasileira, assinalou ainda o procurador, repudia o crime de tortura, considerado crime inafiançável, e prevê como crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático. Enrico de Freitas lembrou também que a Comissão Nacional da Verdade, com o poder a ela atribuído pelo Congresso Nacional, “reconheceu, em seu relatório final, a prática de graves violações aos direitos humanos no período entre 1964 e 1988 pelo Estado Brasileiro”.

As “comemorações” do 31 de março, portanto, são celebrações da morte, da tortura, da violação de direitos humanos fundamentais e da democracia. Somadas a elas as declarações de apoio ao que a ditadura de Pinochet fez no Chile para “fixar as bases macroeconômicas” de um modelo econômico ultraneoliberal, dão uma exata dimensão da natureza do governo Bolsonaro e do projeto que ele representa.

Em seu novo livro, Revolução e Contra-Revolução no Brasil: 1530-2018 (Coleção Coyoacan), o historiador Mário Maestri sustenta que, ao abraçar esse modelo, as classes dominantes nacionais renunciaram a qualquer ideia de autonomia ou de projeto de nação e entregaram a direção política do país ao grande capital e ao imperialismo. Estamos assistindo, diz Maestri, a “um desfibramento geral da nação e a submissão do mundo do trabalho e da população em geral a uma condição de escravidão assalariada”. Na avaliação do historiador, estão sendo criadas as condições para a destruição de qualquer vestígio de autonomia do Estado-nação. Não se trata mais de um regime semicolonial. É uma ordem que colonial globalizada, na qual as classes dominantes nacionais, após abrirem mão de algum grau de autonomia econômica, não tem mais sequer soberania política.

Retomando as palavras do procurador Enrico Rodrigues de Freitas neste contexto, o Brasil vive um dramático paradoxo: o governo do país está ocupado por homens cujas posições afrontam a Constituição e a própria ideia de nação.

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