OPINIÃO

O que é essencial?

Por Gabriel Grabowski / Publicado em 4 de maio de 2021
“Na pandemia, o ensino remoto, a presencialidade ou o ensino a distância são acidentais, visto que a essência das coisas – no caso a educação –, está para muito além da sua mera funcionalidade dentro da sociedade”

Foto: Jaelson Lucas/AEN PR/Agência Câmara

“Na pandemia, o ensino remoto, a presencialidade ou o ensino a distância são acidentais, visto que a essência das coisas – no caso a educação –, está para muito além da sua mera funcionalidade dentro da sociedade”

Foto: Jaelson Lucas/AEN PR/Agência Câmara

A essência define o fundo de uma coisa, ou seja, a sua substância, conforme declarou Aristóteles e opunha-se a acidente, já que a essência era imutável na identificação de um ser. Já o acidente poderia variar, conservando-se a essência. Neste sentido, em primeiro lugar, essencial é a Vida, pois constitui a parte necessária de algo e que é indispensável, mais importante e fundamental. Essencial é o imprescindível para existir.

A educação sempre foi e continuará sendo essencial na formação humana e para o desenvolvimento de uma coletividade ou nação. Na pandemia, o ensino remoto, a presencialidade ou o ensino a distância são acidentais, visto que a essência das coisas – no caso a educação –, está para muito além da sua mera funcionalidade dentro da sociedade.

A educação, também, é indispensável para a formação humana e é o primeiro dos direitos sociais fundamentais assegurados pelo artigo sexto da Constituição.

Portanto: quem de nós, então, poderia ser contra a dizer que a educação é essencial? Trata-se de um falso dilema e de uma armadilha, um sofisma. Trata-se de uma vulgarização do conceito de serviço essencial e a legalização do senso comum sobre educação. “Priorizar as escolas não significa reabri-las agora, no pico da pandemia”, afirma Salomão Ximenes, da Universidade Federal do ABC.

O fechamento das escolas e, agora, o retorno à presencialidade, viraram um embate político e jurídico por insuficiência de mediação e diálogo entre todos atores envolvidos.

Decretos, protocolos, recursos e, mesmo leis, não constroem soluções em temas polarizados e complexos. Neste caso, não está em discussão apenas a presencialidade ou não do ensino.

O que está em discussão são as condições sanitárias frente ao risco iminente de contágio, o risco de vida, falta de hospitais, vacinas, insumos e condições de trabalho nas escolas. O distanciamento físico é um acidente – consequência da covid-19 – que já vitimou mais de 410 mil pessoas no Brasil, sendo 25 mil no RS.

Professores, estudantes e especialistas em educação sempre entenderam a educação como um processo social, uma relação humana entre educador e educando, que se desenvolve na relação com o outro, face a face.

As diversas tecnologias e metodologias são apenas ferramentas e estratégias que contribuem na construção dialógica do conhecimento, mas não devem substituir a interação, o convívio, o olho no olho, o afeto e o abraço humano.

Um projeto inconstitucional

Pressões políticas de proprietários de escolas e sindicatos de estabelecimentos privados forçaram, inclusive, a atividade presencial de ensino durante a bandeira preta e, simultaneamente, a Câmara dos Deputados aprovou o PL nº 5.5595/2020, tornando a educação “serviço essencial”.

Se o Senado não corrigir, o projeto poderá afetar aspectos no médio e longo prazo, porque ele não pretende vigorar só durante a pandemia, mas deixa um entulho no tratamento do direito de greve e no dever de assegurar educação básica obrigatória. A princípio, é um projeto inconstitucional.

Esses deputados que votaram pela urgência do projeto deveriam votar pela revogação da Emenda Constitucional 95 – que congelou os investimentos públicos para educação e serviços sociais –, pela garantia de internet a todos os estudantes, pela valorização dos trabalhadores em educação, pela vacinação em massa dos brasileiros e pela realização do censo demográfico em 2021.

Esses parlamentares que hoje querem impor a reabertura, ontem votaram para desviar os recursos do Fundeb e amanhã provavelmente irão votar a favor do ensino domiciliar. Tal postura se caracteriza como incoerência política e desonestidade intelectual.

O próprio presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL), afirmou em 30 de abril à Associação Brasileira dos Criadores de Zebu, que deve entender de gado e desmatamento, mas nada de educação, que “no momento de pandemia, em que as escolas estão fechadas, não há gastos com educação. É um absurdo prefeito e governador terem que gastar o mínimo constitucional ou inventar despesas” e, que é necessário rever os gastos com manutenção e desenvolvimento do ensino.

Recursos públicos para incentivo fiscal para empresas e agrotóxicos existem, para educação e pesquisa praticam reduções.

Na história do Brasil, a educação e a pesquisa nunca foram essenciais nem prioridade para a elite, seja rural ou urbana. No governo de Bolsonaro/Guedes e Lira, “na contramão do mundo desenvolvido, o Brasil caminha para exterminar a ciência nacional”, afirma Cristina Bonorino (Ufrgs).

Cortes de verbas da pesquisa e educação

Os cortes e a execução orçamentária do MEC evidenciam este propósito em curso de inviabilizar a educação nacional e as condições de ensino-aprendizagem nas escolas públicas, responsáveis por mais de 85% das matrículas na educação básica.

É preciso recompor o orçamento voltado à ciência. Na pesquisa, somente as verbas destinadas às três principais fontes de fomento no país – Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) – caíram de R$ 13,9 bilhões em 2015 para R$ 5 bilhões em 2020.

No ano passado, dos R$ 5,2 bilhões previstos para o FNDCT, 90% foram contingenciados. As bolsas para mestrado e doutorado oferecidas pela União, congeladas desde 2013, pagam pouco para manter as mentes e esforços mais brilhantes do país: R$ 1,5 mil e R$ 2,2 mil. O salário mínimo nacional, para comparação, é R$ 1,1 mil.

A pesquisadora da Ufrgs salienta que, “neste momento, o mundo inteiro sabe que depende de ciência e tecnologia para enfrentar esta que ficará para a história como uma das maiores crises mundiais de saúde pública”. E desde 2019, mais de 80% do orçamento de todos os níveis do CNPq foram cortados.

A bolsa é o salário dos jovens pesquisadores, que são a principal força de geração de conhecimento e inovação no Brasil – e no mundo. Há mais de 10 anos os valores não são reajustados.

Foram solicitadas 3.080 bolsas e apenas 396 (13%) foram aprovadas para implementação. Esse edital previa R$ 35 milhões em recursos a serem usados em quatro anos. O CNPq reduziu para R$ 23 milhões, sem aviso, alegando que o restante será “reservado” para outra oportunidade.

O Brasil decidiu parar de formar cientistas, decidiu acabar com a educação pública de qualidade e destruir o maior patrimônio: a Amazônia e o meio ambiente.

Sem futuro, nossos melhores cérebros procuram outros países para continuar suas pesquisas e condições de trabalho e de vida. Já outros professores e pesquisadores estão desempregados ou realizando outras atividades, enquanto a aposentadoria foi o caminho para outros.

Precisamos, enquanto sociedade, já que este governo não tem capacidade nem vontade política, afirmar que todas as vidas importam, que a pandemia precisa ser controlada, que as vacinas são emergenciais e que as condições das escolas sejam providenciadas para um retorno presencial seguro. O necessário distanciamento físico é recomendação dos especialistas da saúde, não é uma teimosia nossa de educadores.

O Essencial e o imprescindível são a Vida, a Ciência, a Educação, o ensino-aprendizagem e a Cultura. A história da educação no Brasil é marcada por disputas intensas, mas, necessárias para a afirmação da democracia.

Gabriel Grabowski é professor e pesquisador. Escreve mensalmente para o jornal Extra Classe

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