POLÍTICA

É a economia, estúpido!

por Gilson Camargo / Publicado em 7 de novembro de 2019

 

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No Chile, o movimento popular foi desencadeado no dia 6 de outubro pelo anúncio de um aumento de 30 pesos na tarifa do metrô de Santiago. Ao longo de quase três décadas, o povo chileno viveu relativa restauração dos direitos civis, mas amargou o aprofundamento de medidas econômicas neoliberais, a exemplo da Reforma da Previdência que empurrou aposentados para a miséria por meio do sistema de capitalização, no modelo defendido pelo ministro da Economia brasileiro Paulo Guedes. “Não é por 30 pesos, é por 30 anos”, repetiam os chilenos pelas ruas de Santiago – eles foram taxados de “alienígenas” e as manifestações como “invasão estrangeira” pela primeira dama Cecilia Morel, que num  áudio vazado revela o temor do 1% mais rico diante da revolta dos outros 99%: “Vamos ter de diminuir o nosso privilégio e compartilhar mais”. O jurista e professor de Direito Constitucional Lenio Streck avalia esses movimentos na entrevista a seguir.

Extra Classe – Como explicar os protestos que estão ocorrendo em diversos países, do Chile ao Líbano?
Lenio Streck – Brincando com uma famosa frase (slogan interno da campanha de Bill Clinton, em 1992): the economy, estupid (é a economia, estúpido). Parece-me que esse é o principal fator, na medida em que a concentração de renda e o aumento da pobreza levam as populações ao desespero. Veja-se que o Chile, a menina dos olhos dos neoliberais, acabou fazendo água. Portanto, não é só a economia em si, mas os efeitos colaterais de políticas que afastam o Estado de seu papel promocional.

EC – Para o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos, os levantes sinalizam o fim do neoliberalismo, que não criou paz social nem investimentos.
Lenio – Concordo. O neoliberalismo ou o nome que se dê a esse fenômeno, está nos estertores. O Estado volta ao século 19, só que de forma mais sofisticada.

EC – Como analisa a convulsão social no Chile?
Lenio – Chile é isso: a ideia de Estado social foi deixada de lado. Ora, em um país periférico, retirar o Estado das relações sociais é receita para uma tempestade perfeita. O escândalo dos fundos de aposentadoria mostra que ao lado do crescimento econômico houve um crescimento proporcional de pobres. E velhos pobres. E pobres velhos.

EC – Quem são os “alienígenas”?
Lenio – Devem ser os mesmos denunciados por Bolsonaro aqui no Brasil. Devem ser os comunistas, os cubanos, os venezuelanos, os corintianos, os índios e quejandos.

EC – Alguma semelhança com o Junho de 2013?
Lenio – Difícil dizer. Posso arriscar dizendo que sim. Há fatores que levam a pensar isso. Com a diferença que, aqui, o governo Dilma não provocara esse arrocho nas camadas mais pobres como foi no Chile.

EC – Qual a importância desse levante – que emparedou Piñera – para a América Latina?
Lenio – Mostra que nenhum governante pode descansar em paz. Deve sempre dormir com um olho aberto. Ou ele será atacado por seus amigos ou ele será enfrentado por aqueles que seu governo prejudica. Trata-se de um movimento desalienador. Traz as pessoas de volta às ruas. E pode ser contaminante.

EC – E para o povo brasileiro?
Lenio – Por aqui é mais difícil. O governo Bolsonaro possui muito apoio popular ainda. É mais fácil os caminhoneiros pararem o país em um movimento a favor do governo do que as ruas se encherem de pessoas contra o governo. Porém, voltemos à frase: é a economia, estúpido! Ela pode ser decisiva.

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