POLÍTICA

Ex-juiz Sergio Moro ameaça deixar governo Bolsonaro

Tentativa de substituição do comando da Polícia Federal coloca ministro da Justiça em rota de colisão com o presidente. Desentendimento seria pretexto para forçar indicação ao STF
Por Gilson Camargo / Publicado em 23 de abril de 2020

Foto: Twitter/ Reprodução

Foto: Twitter/ Reprodução

O ex-juiz da Operação Lava Jato e atual ministro da Justiça e Segurança Pública do governo de Jair Bolsonaro (sem partido), Sergio Moro, ameaçou deixar o cargo na manhã desta quinta-feira, 23, ao ser informado pelo presidente sobre uma mudança no comando da Polícia Federal. Em reunião no Palácio do Planalto, Bolsonaro comunicou ao ministro que a substituição do diretor-geral da PF, Maurício Valeixo, ocorreria nos próximos dias, quando seria divulgado também um substituto – um nome do Rio de Janeiro ligado à família Bolsonaro. De acordo com aliados do ministro, a nova tentativa de interferência no comando da instituição já vinha sendo tratada nos bastidores. Mas foi mal-recebida por Moro, que ameaçou deixar a pasta.

Nos bastidores do Planalto, há mais de uma versão para o desentendimento. A interferência na PF faz parte das articulações do governo para uma aproximação com Centrão. Numa reação contra o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM) e aos 17 pedidos de impeachment que enfrenta, Bolsonaro pretende fazer uma reforma ministerial para acomodar Roberto Jefferson, cacique do PTB, mas também se movimenta para blindar os filhos investigados pela PF e contra o inquérito que está com o ministro Alexandre de Moraes, no Supremo Tribunal Federal (STF), e que retomou as investigações dos ataques na web contra o Supremo e o Congresso. Por outro lado, os desentendimentos com o presidente servem como pretexto para Moro forçar a sua indicação para ministro do STF. Em junho do ano passado, Bolsonaro prometeu ao ex-juiz que ele ocuparia a primeira vaga aberta no STF. O ministro Celso de Mello completa 75 anos em novembro deste ano e terá, segundo o artigo 100 da Emenda Constitucional 88), que se aposentar, abrindo uma vaga na corte. A assessoria de imprensa do gabinete de Moro informou em nota que “o ministro não confirma o pedido de demissão”.

Moro reagiu com pedido de demissão a nova tentativa de intervenção na PF por Bolsonaro. O Centrão comemorou

Foto: Marcello Casal Jr/ Agência Brasil

Moro reagiu com pedido de demissão a nova tentativa de intervenção na PF por Bolsonaro. O Centrão comemorou

Foto: Marcello Casal Jr/ Agência Brasil

Na conversa com o presidente, o ministro foi claro: se Valeixo sair ele sairia também. Diante da reação, o próprio presidente tentou reverter a posição do ministro. Foram escalados os ministros Braga Netto (Casa Civil) e Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) para convencer Moro a um recuo. Indicado pelo ex-juiz para o cargo, Valeixo trabalhou com ele na Lava Jato. Torrado no cargo por Bolsonaro, Valeixo dificilmente seria mantido no comando da PF a partir de agora.

Essa não é a primeira vez que o presidente tenta interferir no ministério da Justiça. Em 2019, Bolsonaro havia anunciado a troca no comando da superintendência da PF no Rio de Janeiro e a saída de Valeixo, mas recuou diante da reação da corporação. O cargo no Rio foi assumido por Carlos Henrique de Oliveira, que assumiu em dezembro. Em janeiro deste ano, nova crise envolvendo a corporação, Moro e a presidência, quando Bolsonaro comandou um movimento para recriar o Ministério da Segurança Pública, o que enfraquecia Moro por tirar o comando da PF da pasta da Justiça. Desta vez, a intervenção de Bolsonaro, além de enfraquecer Moro para agradar ao Centrão, é neutralizar investigações que incomodam o presidente e seus filhos parlamentares.

O diretor-geral da PF, Maurício Valeixo, torrado no cargo por Bolsonaro

Foto: Embaixada dos EUA/ Divulgação

O diretor-geral da PF, Maurício Valeixo, torrado no cargo por Bolsonaro

Foto: Embaixada dos EUA/ Divulgação

Moro, que abandonou a magistratura para virar ministro de Bolsonaro, nunca viu concretizada a autonomia total e o status de superministro prometidos por Bolsonaro – e agora estaria apostando na perspectiva de virar ministro do STF. Desde que assumiu o cargo, vem sofrendo o assédio do presidente pelo controle da atuação da Polícia Federal. Sua proximidade com procuradores da República da Lava Jato e interferência ilegal nas investigações vêm sendo expostas desde 2017 pela série de reportagens #VazaJato, do site Intercept. Agora, em meio à disputa entre Bolsonaro e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM) devido à demissão do ministro Luiz Henrique Mandetta (DEM), Moro é visado como nunca pelos deputados e senadores do Centrão que chegaram a comemorar a sua eventual saída do governo.

 

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