POLÍTICA

Bolsonaro desautoriza Pazuello e suspende compra de seringas

Presidente afirma em rede social que estados e municípios teriam estoques para iniciar vacinação e que governo vai esperar preços voltarem “à normalidade”
Por Gilson Camargo / Publicado em 6 de janeiro de 2021
Além das lives informais que grava semanalmente para banalizar assuntos de Estado, Bolsonaro usou redes sociais para mais uma investida de negação da pandemia

Foto: Reprodução

Além das lives informais que grava semanalmente para banalizar assuntos de Estado, Bolsonaro usou redes sociais para mais uma investida de negação da pandemia

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O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) afirmou em uma postagem no Facebook, nesta quarta-feira, 6, que o Ministério da Saúde suspendeu a compra de seringas que permitiriam o início da vacinação contra covid-19 “até que os preços voltem à normalidade”.

Na mensagem que teve grande repercussão nos meios de comunicação e recebeu uma onda de críticas, Bolsonaro afirma que estados e municípios teriam estoques suficientes para o início da vacinação. A declaração ocorreu em meio às tratativas mal-sucedidas do ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, para a compra de insumos com vistas à campanha de imunização da população contra a covid-19.

Pazuello abriu pregão para compra de 331 milhões de unidades, mas só conseguiu 2,4% desse total

Foto: Reprodução

Pazuello abriu pregão para compra de 331 milhões de unidades, mas só conseguiu 2,4% desse total

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A primeira tentativa de compra de seringas e agulhas pelo Ministério da Saúde, na semana passada, fracassou. A intenção de Pazuello era adquirir 331 milhões de unidades, mas as ofertas no pregão eletrônico alcançaram apenas 7,9 milhões, ou 2,4% do total de unidades que o ministério planejava adquirir.

A prerrogativa de aquisição desses insumos é dos estados e municípios, mas devido à pandemia, o ministério da Saúde centralizou a compra.

“Como houve interesse do Ministério da Saúde em adquirir seringas para seu estoque regulador, os preços dispararam e o MS suspendeu a compra até que os preços voltem à normalidade”, justificou Bolsonaro em sua mensagem, na qual cita países que já iniciaram a vacinação com baixo desempenho e omite os mais adiantados e, mais uma vez, relativiza a gravidade da pandemia.

“Estados e municípios têm estoques de seringas para o início das vacinações, já que a quantidade de vacinas num primeiro momento não é grande”, afirmou. De acordo com um levantamento divulgado por associações de secretários municipais e estaduais de saúde, os estoques existentes seriam suficientes para aplicar 40 milhões de doses da vacina. Pazuello chegou a cogitar o dia 20 de janeiro para início da vacinação, mas o ministério não tem um plano concreto nesse sentido.

Cloroquina superfaturada

Sâmia: “governo que pagou o triplo por insumos para fabricação de cloroquina, medicação ineficiente, agora suspende a compra de seringas”

Foto: Michel Jesus/Câmara dos Deputados

Sâmia: “governo que pagou o triplo por insumos para fabricação de cloroquina, medicação ineficiente, agora suspende a compra de seringas”

Foto: Michel Jesus/Câmara dos Deputados

As declarações de Bolsonaro geraram uma onda de críticas de opositores nas redes sociais. Para o ex-ministro Ciro Gomes (PDT), o governo está “completamente perdido”. “O Ministério da Saúde não tem plano nem competência para comprar sequer as seringas necessárias para vacinar nosso povo. Enquanto isto, toneladas de cloroquina foram compradas sem comprovação científica e com preço seis vezes maior que o valor real”, comparou.

A deputada Sâmia Bomfim (PSol-SP) afirmou que Bolsonaro é um sabotador do combate à covid: “o mesmo governo que pagou o triplo do preço em insumos para fabricação de cloroquina (medicação ineficiente), agora suspende a compra de seringas para vacinas com eficiência comprovada!”, acrescentou.

“Bolsonaro comprou toneladas de cloroquina superfaturada, mas suspendeu a aquisição de seringas por causa dos preços altos. Esse é o valor que o presidente dá a vida dos brasileiros”, lembrou o deputado Marcelo Freixo (PSol-RJ).

“Não existe normalidade sem vacina. Voltar à normalidade é parar de morrer gente e a economia voltar a funcionar. O país precisa gerar emprego e renda e as famílias precisam ter o que comer na mesa. A normalidade que o povo precisa é essa! Vacina já!”, protestou o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP).

O deputado Ivan Valente (PSol-SP) qualificou o primeiro escalão do governo de “criminosos” e “genocidas que jogam com a vida das pessoas. O que precisa voltar à normalidade é a democracia no Brasil, que deverá punir esses bandidos do Planalto”, atacou.

“Bolsonaro não quer acabar com a pandemia, ele precisa dela pra jogar a culpa da sua incapacidade”, disse ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT).

“Ele diz que suspendeu a compra de seringas até que ‘preços voltem à normalidade’. Qual é o preço da vida de cada brasileiro que morre porque ainda não foi vacinado?”, indagou Guilherme Boulos (PSol).

“Para comprar parlamentares do Centrão, ele não regateia preços, mas com as seringas, sim. Aquela tem a ver com a saúde do governo, esta com a saúde do povo”, provocou o sociólogo e cientista político Emir Sader.

A deputada Gleisi Hoffmann (PR), presidente nacional do Partido dos Trabalhadores (PT) afirmou que não se trata de incompetência, mas de uma estratégia de Bolsonaro em relação à pandemia. “Não é despreparo a falta de seringas e agulhas para vacinação contra covid-19 no Brasil. É atitude deliberada do governo para desmontar o SUS e não salvar vidas. Houve tempo pra comprar, não fizeram, agora querem suspender exportações. Isso custará vidas e a conta é sua Bolsonaro!”.

Mais uma decisão errada

O correto seria o governo federal usar o poder de requisição administrativa prevista na Constituição Federal, afirma Dino

Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

O correto seria o governo federal usar o poder de requisição administrativa prevista na Constituição Federal, afirma Dino

Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

O governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), qualificou a suspensão da compra de seringas como “decisão mais uma vez errada”. O correto seria o governo federal usar o poder de requisição administrativa prevista na Constituição Federal. Esse expediente “traduz um ato administrativo no qual prevalece o interesse público sobre os interesses privados. Sob um instrumento de intervenção estatal, em situação de perigo público iminente, a autoridade pode utilizar a propriedade particular, assegurada ao proprietário a indenização posterior, se houver dano”. Para o governador, ao invés de suspender a compra das seringas, Bolsonaro devia se ater à intervenção estatal e garantir a compra para impedir maiores riscos à saúde pública decorrentes da pandemia da covid-19.

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