SAÚDE

Acompanhado de ministros e empresários, Bolsonaro pressiona STF contra isolamento

Alheio aos mais de 125 mil infectados e 8,5 mil mortos pela pandemia, o presidente reúne ministros e empresários para uma visita constrangedora ao Supremo
Por Gilson Camargo / Publicado em 7 de maio de 2020
Depois de insuflar simpatizantes e grupo paramilitares contra o STF, Bolsonaro reúne ministros e empresário para pressionar Toffoli

Foto: Marcos Corrêa/ PR

Depois de insuflar simpatizantes e grupo paramilitares contra o STF, Bolsonaro reúne ministros e empresário para pressionar Toffoli

Foto: Marcos Corrêa/ PR

A pandemia de Covid-19 atingiu 3,7 milhões de pessoas em todo o mundo, causando mais de 264 mortes. No Brasil, o número de pessoas infectadas disparou a partir de abril e o país já desponta como o novo epicentro da crise sanitária, com mais de 125.208 casos confirmados e 8.536 mortes.

Pela segunda vez consecutiva, o país bateu recorde de óbitos, acima de 600 em um dia. Foram 615 óbitos e 10,5 mil pacientes infectados apenas nas últimas 24 horas.

Indiferente ao cenário de doença e morte que assola o país, na tarde desta quinta-feira, 7, enquanto os dados oficiais eram divulgados pelo Ministério da Saúde, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) atravessou a Praça dos Três Poderes acompanhado de ministros, entre os quais Paulo Guedes, da Economia, e empresários que se dizem responsáveis por metade do PIB brasileiro para uma visita de surpresa ao Supremo Tribunal Federal (STF). O objetivo: pressionar os ministros contra as medidas de isolamento social que, segundo definiu o presidente em mais um trocadilho infeliz, estaria levando a economia à UTI.

Colapso na Saúde

Em todo o país, colapso no sistema de saúde pública das principais capitais vai deixando, dia a dia, de ser apenas um alerta das autoridades de saúde para se transformar em realidade.

Na cidade de São Paulo, o prefeito Bruno Covas (PSDB) anunciou a ampliação do rodízio de veículos para evitar o lockdown – confinamento total –, medida que atingiria 12 milhões de habitantes da capital. No estado de São Paulo, 60% dos municípios foram atingidos pela pandemia, que já causou a morte de 3.206 pessoas.

A quarentena se intensificou em dez cidades do Pará, incluindo a capital, Belém, numa medida emergencial para conter a disseminação do vírus e as mortes.

Mesmo em estados onde a pandemia é menos letal, como o Rio Grande do Sul, a taxa de ocupação de leitos de UTI para pacientes de Covid-19 supera 70% em todas as microrregiões de saúde. Dos 20 municípios com a maior incidência da doença e número de mortes, 18 estão nas regiões Norte e Nordeste – e o contágio avança nas periferias sem água potável e sem esgoto tratado.

Os hospitais públicos estão no limite nos estados do Amazonas, Ceará, Maranhão e Mato Grosso, onde a taxa de ocupação de UTI oscila entre 89% e 96%.

Há 20 dias como ministro da Saúde, Teich disse em teleconferência com parlamentares que é contra a politização do isolamento

Foto: Leopoldo Silva/Agência Senado

Há 20 dias como ministro da Saúde, Teich disse em teleconferência com parlamentares que é contra a politização do isolamento

Foto: Leopoldo Silva/Agência Senado

Fora da agenda

A comitiva puxada por Bolsonaro em uma caminhada como se o dia fosse uma data cívica, foi encaminhada a uma sala do STF e recebida pelo ministro Dias Toffoli.

Assessores de Bolsonaro acompanharam a audiência que não estava na agenda de nenhum dos dois poderes e transmitiram por redes sociais diante dos anfitriões. A TV Justiça não cobriu o encontro.

A visita, que assumiu ares de afronta após os ataques de bolsonaristas ao STF, apoiados pelo presidente, provocou desconforto na Corte.

Avesso ao protocolo, Bolsonaro tomou a palavra antes do representante do ministro e fez um apelo para que as medidas restritivas nos estados, motivadas pela pandemia sejam amenizadas.

“O objetivo da nossa vinda aqui – nós sabemos do problema do vírus, que devemos ter todo cuidado possível, preservar vidas, em especial daqueles mais em risco – mas temos um problema que vem cada vez mais nos preocupando: os empresários trouxeram essas aflições, a questão do desemprego, a questão da economia não mais funcionar. O efeito colateral do combate ao vírus não pode ser mais danoso que a própria doença”, disse.

Toffoli explicou que a pandemia do novo coronavírus exigiu medidas restritivas, como o isolamento social, recomendadas pelas autoridades de saúde, citou a Organização Mundial de Saúde (OMS), entidade eleita como desafeto pelo presidente brasileiro e seus assessores, e propôs uma ação coordenada entre União, estados e municípios.

“Penso que é fundamental esse trabalho, diálogo, essa coordenação para que nós possamos pensar na retomada. Se for ver, as pessoas já estão saindo às ruas, já está chegando a uma situação em que as pessoas querem sair. Uma saída coordenada é fundamental, coordenação com estados e municípios”, ponderou o ministro.

Autonomia de prefeituras e governos estaduais

No dia 15 de abril, o STF decidiu que prefeitos e governadores têm autonomia sobre as medidas a serem adotadas em âmbito local no enfrentamento da crise. O encontro durou menos de uma hora e terminou logo após Bolsonaro informar que assinou um decreto para ampliar a quantidade de atividades essenciais excluídas do isolamento.

Em uma teleconferência com a Comissão externa de ações contra o coronavírus, da Câmara dos Deputados, nesta quinta-feira, o ministro da Saúde, Nelson Teich, afirmou que o governo não tem uma regra geral para todo o país sobre a necessidade do isolamento social.

Depois de ouvir duras críticas da deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), que qualificou as mensagens passadas por Bolsonaro aos brasileiros como “frias, debochadas e anticientíficas” e quis saber a opinião do ministro sobre o isolamento, Teich respondeu com parcimônia. “Diferentes medidas devem ser adotadas por estados e municípios, a depender do avanço do novo coronavírus em cada local”, discorreu.

Questionado sobre o fim do isolamento social, Teich afirmou que “a gente tem que definir isso no dia a dia”. “Quantos mais terão que morrer, ministro?”, questionou a deputada Fernanda Melchionna (PSol/RS)

Foto: Maryanna Oliveira/Câmara dos Deputados

Questionado sobre o fim do isolamento social, Teich afirmou que “a gente tem que definir isso no dia a dia”. “Quantos mais terão que morrer, ministro?”, questionou a deputada Fernanda Melchionna (PSol/RS)

Foto: Maryanna Oliveira/Câmara dos Deputados

Realidade paralela

A visita de Bolsonaro ao Supremo repercutiu de forma negativa entre senadores. “O presidente não pode constranger os demais poderes quando o governo está omisso na sua responsabilidade de enfrentamento dessa crise”, disse a líder do Cidadania, senadora Eliziane Gama (MA).

O líder da Rede, senador Randolfe Rodrigues (AP), disse que o presidente precisa ler a Constituição.Bolsonaro desrespeita a Constituição e a autonomia dos Poderes fazendo cena e ‘marchando’ para pedir afrouxamento de medidas de isolamento. Ele é o responsável pelo momento mais grave da pandemia com mais de 8 mil mortos. Ele precisa ler a Constituição, aliás ler e entender”.

Fabiano Contarato (Rede-ES) classificou a visita como um triste espetáculo. “Mais de 8 mil mortos, no país, e o presidente, populista, sem real compromisso com a nossa sociedade, vai ao STF constranger ministros? Quer o fim do isolamento social a qualquer custo. Ouviu o que merecia: tem de propor soluções viáveis, claro”.

O vice-líder do governo, senador Chico Rodrigues (DEM-RR), justificou que a visita foi para tratar de um “realinhamento” do isolamento social. “Lógico que aquilo que é possível funcionar vai funcionar, mas o pânico, o temor e, principalmente, as mortes que estão acontecendo, levam a essas regras que são determinadas pelos governadores e pelos prefeitos. A preocupação do presidente é pertinente, mas nós entendemos que onde é necessário tomar medidas duras devem ser tomadas para evitar que milhares de vidas sejam ceifadas”.

Para o ex-ministro da Saúde e senador Humberto Costa (PT-PE), Bolsonaro parece estar em uma realidade paralela. “Enquanto o país discute mais rigidez no isolamento, enquanto o número de mortes continua subindo sem parar, o presidente reúne empresários e vai pedir no STF a reabertura do comércio. Bolsonaro está numa realidade paralela, não existe explicação pra isso. É mais uma insensatez”. Weverton (MA), afirmou que o discurso de Bolsonaro não é bom “nem para a economia”. “Bolsonaro vive dizendo que o remédio não pode ser pior que a doença. O problema é que quanto mais ele desestimula o isolamento, mas ele estimula a curva de contágio e mais atrasa a reabertura do comércio. No fim, é ele que está matando a economia”, concluiu.

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