MOVIMENTO

Greve Geral leva milhares às ruas no Rio Grande do Sul

Por Gilson Camargo / Publicado em 28 de abril de 2017

Sob frio abaixo de dez graus, a movimentação começou a partir da meia-noite desta sexta-feira, 28, nas garagens de ônibus da capital e do interior, com a formação de piquetes de rodoviários que contaram com o apoio de diversas categorias de trabalhadores. Manifestações explodiram ao longo dia em Porto Alegre e dezenas de cidades no interior do estado na maior manifestação dos trabalhadores das últimas décadas.

Foto: Igor Sperotto

Porto Alegre e os demais municípios da Região Metropolitana e do Vale dos Sinos não tiveram circulação de ônibus ou trens nesta sexta-feira, 28 de abril, dia de Greve Geral de 24 horas, convocada pelas centrais sindicais contra as reformas trabalhista – aprovada em primeira votação na Câmara e que será discutida no Senado – e previdenciária, que o governo pretende colocar em pauta no Congresso no mês de maio. As centrais sindicais comemoram a expressão nacional do movimento.

“É a maior greve geral da história recente do Brasil para responder ao maior ataque aos direitos sociais, trabalhistas e previdenciários que a classe trabalhadora já sofreu”, destacou o presidente da CUT/RS, Claudir Nespolo.

A grande adesão do transporte público foi fundamental para o sucesso da Greve na avaliação dos sindicalistas – em Porto Alegre somente as lotações circularam e no interior apenas alguns municípios tiveram transporte coletivo. Claudir Nespolo comemora: “A população entendeu a importância de não sair de casa a não ser para participar dos atos e manifestações”.

Bloqueio das garagens das empresas de ônibus em Porto Alegre não permitiu circulação do transporte público

Foto: Igor Sperotto

O secretário nacional de finanças da CUT, Quintino Severo, afirma que o movimento se firmou desde as primeiras horas da manhã. No Rio Grande do Sul, segundo ele, todas as informações estão dentro do previsto de mobilização: a BR 116 foi completamente parada em diversos pontos, as maiores empresas metalúrgicas de Canoas estão fechadas e, em Caxias do Sul e Erechim, dentre outras cidades, o movimento também ocorreu dentro das expectativas. Nossa avaliação é bastante positiva, pois paramos o país para barrar o retrocesso imposto pelas medidas do governo”.

Metalúrgicos, professores municipais, trabalhadores das indústrias de borrachas e vigilantes de São Leopoldo, juntamente com os movimentos sociais e vereadores, bloquearam os dois sentidos da BR 116, na altura do Marco Zero da Rota Romântica, em São Leopoldo, por mais de duas horas, a partir das 5h. As garagens dos ônibus municipais das empresas Leopoldense e Feitoria também foram bloqueadas desde as 4h.

Além dos rodoviários e metroviários que paralisaram a totalidade do transporte público de passageiros, o movimento contou com a adesão de praticamente todas as categorias de trabalhadores do setor público e privado do estado. Bancos e escolas não funcionaram.

“Em Santa Cruz do Sul, mais de 5 mil pessoas tomaram as ruas centrais da cidade na maior manifestação já vista na Região”, expôs Flávio Henn, dirigente do Sindicato dos Professores (Sinpro/RS). Em Rio Grande, apenas hospitais, postos de saúde e algumas farmácias funcionaram hoje. “Está tudo parado”, informou Ivo Mota, também dirigente do Sinpro/RS. Na cidade vizinha, Pelotas, o comércio fechou as portas antes do meio dia. Caminhadas, atos e protestos foram registrados em dezenas de cidades gaúchas, como Caxias do Sul, Lajeado, Vacaria, Osório, Tramandaí, Alegrete, Erechim, Passo Fundo, Cruz Alta, Cerro Largo, Novo Hamburgo, Santa Maria, Três Cachoeiras, Cerro Largo e Santa Rosa.

Também houve bloqueio de rodovias, como as federais 290 e 386, onde foram montadas barreiras por trabalhadores do transporte de cargas e agricultores. No quilômetro 102 da BR 290 em Eldorado do Sul uma barricada de pneus em chamas bloqueou a rodovia por todo o período da manhã. A RS 118 permaneceu fechada pelos manifestantes nos dois sentidos desde às 4h. Nas estradas, as manifestações foram reprimidas com violência por tropas de choque da Brigada Militar, com uso de spray de pimenta e bombas de gás.

Manifestações de categorias em greve foram reprimidas na capital
O bloqueio das garagens das empresas de ônibus da capital começou a partir das 4h e não havia registro de violência policial, apesar do forte aparato da BM junto aos piquetes e do sobrevoo de helicóptero da polícia militar. Durante toda a manhã, foram organizadas concentrações em diversos pontos da capital por categorias em greve. Em frente o Hospital de Pronto Socorro, médicos, enfermeiros e demais servidores da Saúde protestaram contra as reformas e ressaltaram o desmonte do sistema de saúde pública na capital e no estado e o tratamento “degradante” dispensado aos servidores. Mais de 120 instituições de ensino privado permaneceram fechadas no estado devido à adesão dos professores à greve, a exemplo do tradicional Colégio Anchieta, de Porto Alegre.

Cidades ficaram com ruas vazias devido às paralisações realizadas por trabalhadores na Greve Geral

Foto: Igor Sperotto

No centro de Porto Alegre um destacamento de guardas municipais reprimiu com violência servidores municipais que se concentravam nas imediações da prefeitura desde o início da manhã. De acordo com o Sindicato dos Municipários de Porto Alegre (Simpa), ao menos 15 servidores públicos foram levados ao HPS. “Homens e mulheres foram violentamente agredidos pelos guardas municipais, que também são servidores públicos, e que foram designados pelo prefeito para jogar trabalhador contra trabalhador”, protestou Jonas Reis, da direção colegiada do Simpa.

Juízes, promotores e servidores do Judiciário
Juízes e servidores do judiciário, procuradores e promotores de Justiça e advogados trabalhistas aderiram à greve geral desta sexta-feira, 28 de abril. Após concentração organizada por sindicatos das diversas categorias diante do Foro Trabalhista, na avenida Praia de Belas, em Porto Alegre, os manifestantes promoveram uma caminhada até o Largo Glênio Peres, para onde convergiram as demais categorias que participaram da greve. “Temos uma adesão dos trabalhadores do judiciário federal nas diferentes esferas, da justiça do trabalho, federal, eleitoral e militar, aderindo massivamente a essa greve geral. Isso motivou inclusive a suspensão do expediente na Justiça Eleitoral em todo o estado”, explicou Cristiano Moreira, diretor do Sindicato dos Trabalhadores do Judiciário Federal do RS (Sintrajufe). “É uma luta contra as reformas que vêm sendo encaminhada por um governo com 4% de popularidade e boa parte dos seus ministros e base aliada envolvidos em escândalos de corrupção. Não tem qualquer credibilidade para seguir arrancando nossos direitos. Essa greve geral, que já é um sucesso em todo o país, é uma demonstração de força e de que a classe trabalhadora não vai aceitar esses ataques”.

Para o procurador-chefe do Ministério Público do Trabalho (MPT), Rogério Uzun Fleischmann, a sociedade como um todo será afetada pelas alterações impostas pela reforma trabalhista, que do ponto de vista do direito do trabalho são baseadas no preconceito. “Para se ter uma ideia, a Justiça do Trabalho, a partir das mudanças na CLT, será obrigada a limitar o seu deferimento de indenizações a valores proporcionais ao salário recebido pelo trabalhador atingido”. Isso significa que se morrer um trabalhador, a indenização a ser paga será proporcional ao salário que ele recebia, ou seja, trabalhador pobre recebe menos, mediano recebe mais, aquele com alto poder aquisitivo recebe o topo, alerta. “Não existe outra catalogação de danos morais que não seja essa que está sendo implementada agora”.

Segundo Fleischmann, a reforma coloca o trabalhador como responsável por todo o processo de falência do estado. “Não há razoabilidade em querer penalizar o trabalhador. O que precisa ser feito é investir na produção, tirando o dinheiro de quem está lucrando com isso, que faz agiotagem”, aponta.

Na avaliação do presidente da Associação dos Juízes Federais do RS (Ajufergs), Gerson Godinho da Costa, a greve geral evidencia que a população está muito alerta em relação à reforma da Previdência. “Na forma como ela está proposta, de maneira arbitrária, apressada, sem qualquer discussão ou aprofundamento, os desdobramentos serão sentidos pelo trabalhador lá na ponta, pelo aposentado lá na ponta, por aquele que tem sofrido com crises econômicas ao longo da história desse país. Não podemos atribuir a responsabilidade de uma crise financeira do governo a essas pessoas. Não são os trabalhadores e os aposentados que devem pagar a conta pelos desgovernos da União”.

A reforma da Previdência, segundo Costa, “é perversa” na medida em que institui uma idade mínima para a aposentadoria. “O governo menciona que outros países têm idade mínima, e têm mesmo, Japão, França, mas se nós analisarmos a idade mínima de ingresso no mercado de trabalho nesses países, na França por exemplo, é em torno de 24 anos. No Brasil o pessoal começa a trabalhar formalmente na área urbana aos 16, o trabalho rural é antes, nós temos relatos de crianças que começam a trabalhar com 8, 10 anos. Como é que vamos exigir que eles trabalhem até os 65?”, indaga. Para Costa, não há sentido fazer com que os trabalhadores paguem a conta de quem não governou adequadamente, quem não tem critério na aplicação dos recursos públicos. “Sempre que há uma crise de governo, econômica, de contas públicas, se fala em reforma da Previdência. Não se fala em rever benefícios, isenções fiscais, em uma atuação mais forte do estado na cobrança de débitos fiscais e previdenciários”, contrapõe.

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