AMBIENTE

Água potável: um recurso cada vez mais escasso

Falta de saneamento básico e uso intensivo de agrotóxicos são dois problemas graves apontados por especialistas que impactam na qualidade e escassez dos recursos hídricos no Brasil
Por Marcelo Menna Barreto / Publicado em 22 de março de 2021

Foto: Carolina Gonçalves/Agencia Brasil

Mais da metade do esgoto acaba sendo despejado sem tratamento em córregos e rios

Foto: Carolina Gonçalves/Agencia Brasil

Estabelecido em fevereiro de 1993, pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), o Dia Mundial da Água, comemorado em 22 de março, tem como objetivo levar à reflexão sobre temas importantes relacionados a esse recurso natural, imprescindível para a sobrevivência de todas as espécies. E o Brasil, apesar de responder por 8% dos recursos hídricos mundiais disponíveis na superfície terrestre, tem grandes motivos para se preocupar.

Desigualdade de acesso, saneamento básico em níveis baixíssimos e o uso cada vez mais intensivo de agrotóxicos são três desses motivos elencados pelo professor Rafael Kopschitz Xavier Bastos, da Universidade Federal de Viçosa (UFV), em Minas Gerais. Considerado um dos maiores especialistas brasileiros no setor do tratamento e qualidade da água para consumo humano, Bastos afirma que o descaso com os recursos hídricos no país é histórico.

“Não coletamos nem 50% do esgoto que é gerado; o resto vai para as sarjetas, para os córregos. Do esgoto coletado, nem 50% é tratado”, destaca. “Tudo vem se agravando ainda mais”, pontua Bastos, “em um país que acentua o seu adensamento urbano”.

“O impacto? Desigualdades tanto regionais quanto de classe”, declara. “São claramente os pobres que respondem pelo déficit no saneamento básico do Brasil e – são exatamente eles – os mais expostos a problemas sérios de saúde por isso”.

Agronegócio

O considerável aumento do licenciamento e uso indiscriminado de agrotóxicos no Brasil é outro problema sério, que vem sendo amplificado, segundo o professor e pesquisador. “A sociedade brasileira pagará um preço muito alto por isso, ainda no curto prazo, com a contaminação dos mananciais. No médio, com problemas de saúde pública”, alerta.

Luciano Zini, mestre e doutorando em Engenharia Química pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) acrescenta outras fontes a esse cenário sombrio desenhado. São os dejetos das atividades agropecuárias.

No ano de 2019 a pecuária brasileira produziu 1.466.556.199 cabeças de galináceos, 214.893.800 cabeças de gado e 40.556.892 cabeças de suínos. “Os dejetos dessas criações, ao lado de efluentes industriais, é um grande fator de contaminação dos mananciais”, diz.

Padrão de água potável

Zini acredita que nesse Dia Internacional da Água, “talvez um dos motivos que se tenha para comemorar é o estabelecimento de padrões de potabilidade da água pelo mundo”.

Esses padrões, segundo Zini, são importantes porque garantem que a água potável é aquela que está em condições apropriadas para o consumo humano e deve ser livre de contaminações para que não haja risco de doenças.

Mesmo assim, uma ressalva. “Uma pena que no Brasil o padrão de potabilidade revisado, fruto de um longo processo democrático, ainda não tenha sido publicado, talvez pela pandemia, talvez pelo descaso com a água”, conclui.

Privatização

Pós-doutor em engenharia sanitária pela University of Leeds (Inglaterra), Bastos é um dos especialistas que acreditam que o processo de privatização das empresas de saneamento do país, ao contrário de solucionar esses problemas, pode, na realidade, aguçar.

“É algo muito contraditório”, diz ao citar o exemplo do processo iniciado para privatizar o Companhia de Saneamento Básico do Estado do Rio Grande do Sul (Corsan). “Se ela dá lucro, por que vender?”, questiona.

Bastos questiona a tese de que entrará dinheiro novo no setor. “Historicamente, para todas as privatizações no Brasil, se pegou dinheiro do estado emprestado”, lembra.

Leia também

Um tratado sobre a Água
O fotógrafo Érico Hiller percorreu 10 regiões ao redor do mundo documentando a busca pela fonte primária de vida, escassa ainda em muitos locais. O resultado desta imersão está no livro Água

Comentários