CULTURA

É tudo mentira

César Fraga / Publicado em 21 de outubro de 2001
Umberto Eco volta a introjetar o debate acadêmico na ficção com Baudolino

Umberto Eco volta a introjetar o debate acadêmico na ficção com Baudolino

“Se queres transformar-te num homem de letras, e, quem sabe um dia escrever Histórias, deves também mentir, e inventar histórias, pois senão a tua História ficaria monótona. Mas terás que fazê-lo com moderação. O mundo condena os mentirosos que só sabem mentir, até mesmo sobre coisas mínimas, e premia os poetas que mentem apenas sobre coisas grandiosas.”

Esta citação de um diálogo escrito por Umberto Eco pode ser bastante ilustrativa para a definição de seu novo trabalho. O tema ficção tem ocupado bastante a cabeça tanto do escritor como a do teórico nas últimas décadas. Não poderia ser diferente. O debate acadêmico impregnou também sua literatura ficcional. Em seu mais recente romance, Baudolino (ed. Record , 361 páginas) o quarto desde O Nome da Rosa, trata novamente de seu tema favorito: ficção dentro da ficção inserida na realidade. Mas não o velho recurso de contar uma história dentro de outra história, mas sim debater o tema por meio de sua narrativa. História e estórias misturadas quase indistintas.

A origem desta preocupação reside no fato de a “realidade” cotidiana estar impregnada de elementos ficcionais, ora no jornalismo, nas religiões, lendas e na própria História. O assunto já havia sido abordado em seu livro Seis Passeios pelos Bosques da Ficção, em que fala sobre estruturas narrativas e dedica um capítulo inteiro as teses conspiracionistas reais, fundamentadas em ficção, e cita a gênese dos Protocolos dos Sábios de Sião, – que seriam um plano judaico-sionista internacional para dominação do mundo, por meio da imprensa e da maçonaria. Os “Protocolos”, que tiveram seguidores e detratores ao longo da História, na verdade são fragmentos editados de obras literárias que Eco desnuda uma a uma. Os resultados foram catastróficos. Como sabemos, muita gente foi para os campos de concentração nazistas durante a segunda guerra e ainda hoje nos conflitos do Oriente Médio, infelizmente, muitas vezes os debates são pautados sobre o tema. Em Cinco Escritos Morais, aborda ficção, muitas vezes propagada pela imprensa, entendida e aceita geralmente como verdade. As teses conspiracionistas e apocalípitcas já haviam sido tema de Apocalípticos e Integrados e serviram de fonte para O Pêndulo de Foucauld, seu segundo Romance.

Mas o verdadeiro desafio de Eco está delatado em seus próprios escritos: “Se os mundos ficcionais são tão confortáveis, por que não tentar ler o mundo real como se fosse uma obra de ficção? Ou, se os mundos ficcionais são tão pequenos e ilusoriamente tão confortáveis por que não tentar criar mundos ficcionais tão complexos, contraditórios e provocantes quanto o mundo real?” (Seis caminhos pelos bosques da ficção – pág 123)

 

Eco talvez busque uma literatura tão ambígua quanto a vida. Tanto que, em A Ilha do Dia Anterior, romance que antecedeu Baudolino, este caminho era apontado com nitidez. Para Eco, se ficção é, na verdade, uma mentira, somente suportável enquanto arte, nada melhor do que usar a figura de um mentiroso com pretensões literárias como centro arrativo de seu romance. Trata-se de Baudolino, personagem imaginário que teria vivido à época da terceira cruzada, tendo caído nas graças do rei germânico Federico Hohenstaufen, O Barbarossa, que realmente existiu e conquistou a região do Piemonte na Itália, de onde o próprio Eco é natural, assim como seu personagem. No meio deste cenário da Idade Média, entre 1152 e 1204, bem ao gosto do escritor, desenrola-se a façanha de Baudolino, entre templários e saques à Constantinopla.

Umberto Eco nasceu em Alessandria, Itália, em 1932. É professor de Semiologia na Universidade de Bolonha e dirige a revista VS. Entre suas obras destacam-se: Tratado geral de semiótica (1975), Seis passeios pelo bosque da ficção (1994), O nome da rosa (1980), O pêndulo de Foucault (1988) e A ilha do dia anterior (1994).

Outros títulos: 

Política Educacional no Brasil, Caminhos para a Salvação Pública – David N. Plank – O problema de ensino fundamental no Brasil persiste ao longo da história mesmo havendo uma grande variedade de propostas para solucioná-lo.Este é o tema discutido neste livro. David Plank defende que a melhoria da educação pública brasileira exige uma maior participação da sociedade, tanto no controle como na formulação de políticas educacionais. O livro traz uma análise contextualizada da história da educação no País de 1930 a 1995. Editora Artmed, 231 páginas, R$ 34,00.

Crônicas de Educação, Vol. 2 (Obra em Prosa) – Cecília Meireles – As crônicas reunidas neste livro apresentam histórias sobre adolescência, juventude, problemas gerais do magistério e métodos e técnicas pedagógicas que Cecília Meireles escrevia para jornais da época. A autora empolgou-se com os princípios da Escola Nova pregados por Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo e M.B. Lourenço Filho, entre outros educadores da época que planejavam uma educação para uma civilização em mudança. Editora Nova Fronteira, 277 páginas, R$ 35,00.

 

Abril Despedaçado – Ismael Kadaré – O autor situa a história nas montanhas do norte da Albânia, em abril de algum ano da década de 30. Um código de leis não escritas rege a vida e a morte dos montanheses: o Kanun. Em nome deste código de honra, famílias inteiras passam gerações a se matar. O livro inspirou o novo filme de Walter Salles. Editora Companhia das Letras, 201 páginas, R$ 23,50.

 

Quando o Teatro encena a Cadeia – Wagner Coriolano de Abreu– Este livro apresenta uma análise da dramaturgia de Plínio Marcos, sua atualidade e recepção nas obras que tematiza o preso e a cadeia. O professor Wagner Coriolano faz uma leitura detalhada do universo prisional presente nas peças Barrela, de 1959, e A mancha roxa, de 1989. Editora Unisinos, 72 páginas, R$ 10,00.

 

 

Psicologia das Relações Interpessoais, Vivências para o Trabalho em Grupo – Almir Del Prette e Zilda Del Prette – O desempenho social é o ponto central deste livro que busca responder questões como a influência dos novos paradigmas sobre as relações entre as pessoas e como planejar e conduzir o trabalho em grupo. Almir e Zilda Del Prette analisam as demandas de desempenho social em diversos contextos: familiar, conjugal, escolar, etc. Editora Vozes, 231 páginas, R$ 24,00.

 

Ciclos de Formação, Uma Proposta Transformadora – Andréa Krug – O livro resgata o processo de construção da experiência de organizações do ensino sob a forma de regimes não-seriados que vêm sendo realizados em várias regiões do país. A autora utiliza como exemplo a experiência da Secretaria Municipal de Porto Alegre com os Ciclos de Formação, fornecendo elementos para o debate que se instala frente a essa questão. Editora Mediação, 149 páginas, R$ 20,00.

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