ECONOMIA

Acordo entre Mercosul e União Europeia enfrenta resistências

Fechado às pressas por pressão de europeus e do presidente argentino Maurício Macri, tratado bilateral provoca reações negativas de produtores e ambientalistas
Por Gilson Camargo / Publicado em 1 de julho de 2019

 

Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, poderão exportar 99 mil toneladas de carne bovina isentas de tarifas por ano à UE, segundo tratado bilateral que foi rechaçado por produtores europeus

Foto: Agência Brasil

Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, poderão exportar 99 mil toneladas de carne bovina isentas de tarifas por ano à UE, segundo tratado bilateral que foi rechaçado por produtores europeus

Foto: Agência Brasil

As críticas e a resistência de ambientalistas e agricultores europeus se multiplicaram no sábado, 29 de junho, menos de 24 horas depois da assinatura do “histórico” tratado comercial entre os dois blocos econômicos, anunciada na noite anterior, em Bruxelas, na Bélgica. O tratado comercial atinge 770 milhões de pessoas e movimenta 25% do PIB mundial. Na mesa de negociação dos dois blocos econômicos desde 1992, o acordo bilateral acabou fechado às pressas por pressão dos europeus e do presidente argentino, Maurício Macri, que busca a reeleição em um ano eleitoral marcado por uma das piores crises econômicas da Argentina. Para o economista e ex-ministro da Fazenda, Luiz Carlos Bresser-Pereira, as mudanças que virão com o acordo condenam o Brasil ao atraso. “O momento é o pior possível em termos da capacidade negociadora do Mercosul, porque os dois principais negociadores, Brasil e Argentina, estão fragilizados política e economicamente”, alerta o diplomata e ex-ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim.

Jadot: “que vergonha fazer pacto com Jair Bolsonaro que é contra os democratas, a comunidade LGBT, as mulheres, a Amazônia, e homologou 239 agrotóxicos desde janeiro"

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Jadot: “que vergonha fazer pacto com Jair Bolsonaro que é contra os democratas, a comunidade LGBT, as mulheres, a Amazônia, e homologou 239 agrotóxicos desde janeiro”

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Indiferente às repercussões negativas que o tratado provocou entre produtores e ambientalistas europeus, o governo brasileiro exaltou o “acordo histórico”, que segundo estimativas do Ministério da Economia, representará um incremento do PIB brasileiro de US$ 87,5 bilhões em 15 anos. Segundo dados do ministério, esse valor pode chegar a US$ 125 bilhões, considerada a redução das barreiras não tarifárias e o incremento esperado na produtividade total dos fatores de produção. O aumento de investimentos no Brasil, no mesmo período, seria da ordem de 113 bilhões de dólares. As projeções da pasta em exportações para a UE são de 100 bilhões até 2035. O país, no entanto, foi alvo de críticas e de pressão na Europa devido às políticas ambientais e de expansão do agronegócio, liberação de agrotóxicos, ataques às minorias e aos direitos humanos. O eurodeputado ecologista francês Yannick Jadot disparou em uma rede social: “Que vergonha a Comissão Europeia fazer um pacto com Jair Bolsonaro que é contra os democratas, a comunidade LGBT, as mulheres, a Amazônia, e homologou 239 agrotóxicos desde janeiro”. Jadot afirmou que o Partido Verde europeu irá bloquear o acordo.

RESISTÊNCIA – Produtores, ONGs ambientalistas e partidos ecológicos europeus consideraram o texto “inaceitável” e atacaram a política ambiental brasileira. O principal sindicato agrícola da França, o FNSEA alega que o acordo cria concorrência desleal e atinge os consumidores. Em sua conta no Twitter, a presidente da entidade, Christiane Lambert, atacou o “acordo que expõe os agricultores europeus a uma concorrência desleal e os consumidores a uma enganação completa”. A reação dos franceses se deve ao item do acordo que prevê que os quatro países do Mercosul, Argentina, Brasil, Uruguai e Paraguai, poderão exportar 99 mil toneladas de carne bovina por ano sem taxas para a União Europeia. O país tem 85 mil produtores, segundo o sindicato, já no limite da sobrevivência devido à concorrência interna. Na tentativa de quebrar as resistências internas ao acordo, o comissário europeu para a Agricultura, Phil Hogan, anunciou no dia 28 uma ajuda financeira de até 1 bilhão de euros no caso de eventuais distúrbios no mercado europeu em virtude do acordo.

Um dos primeiros a alertar sobre a existência de riscos sanitários da carne brasileira em 2018, quando afirmou que “a rastreabilidade dos animais é quase inexistente”, o representante do setor de carne bovina do sindicato agrícola europeu Copa-Cogeca, Jean-Pierre Fleury, questionou quem estaria promovendo “esta grande liquidação do setor pecuarista europeu?”

Para o diretor do sindicato agrícola Deutscher Bauernverband, da Alemanha, Joachim Rukwied, o acordo é “totalmente desequilibrado” e colocará em perigo “muitas atividades agrícolas familiares”.

Acordo foi fechado às pressas no dia 28 de junho, por pressão de políticos europeus e do presidente argentino, que busca a reeleição em meio à crise

Foto: Itamaraty/ Divulgação

Acordo foi fechado às pressas no dia 28 de junho, por pressão de políticos europeus e do presidente argentino, que busca a reeleição em meio à crise

Foto: Itamaraty/ Divulgação

AMAZÔNIA – ONGs e políticos identificados com a defesa do meio ambiente também fizeram duras críticas ao acordo, especialmente devido à política ambiental do presidente Jair Bolsonaro. Eles alertaram que o tratado comercial irá destruir “a Amazônia e a agricultura familiar europeia”.

No dia 18 de junho, a dez dias do anúncio do acordo, centenas de ONGs e coletivos publicaram uma carta aberta na imprensa francesa na qual pediam que a União Europeia interrompesse imediatamente as negociações sobre um acordo comercial com o Mercosul devido à situação dos direitos humanos e do meio ambiente no Brasil sob o governo Bolsonaro.

A carta é assinada por 340 organizações de diversos países. “Desde a posse do presidente do Brasil Jair Bolsonaro, em janeiro de 2019, assistimos ao aumento das violações dos direitos humanos, dos ataques às minorias”, diz o texto. As entidades advertem que o governo brasileiro ainda “organiza a destruição de algumas das regiões mais preciosas e ecologicamente valiosas do mundo, como a Amazônia”. As ONGs, entre as quais está o Greenpeace, também pediram ao bloco que confirme, “com provas materiais”, que o Brasil cumprirá seus compromissos sob o Acordo de Paris sobre o clima. A pressão contra o acordo se intensificou em meio às negociações finais da UE com o bloco sul-americano.

O eurodeputado Jérémy Decerle, porta-voz do LREM, partido do presidente francês, Emmanuel Macron, sublinhou que os acordos não devem permitir a importação de produtos agrícolas que não cumpram as regras europeias. “Ou cujas condições de produção ambiental, sanitária ou social nos países de origem estão em contradição com os princípios de sustentabilidade promovidos pela Europa em nível internacional”.

LARANJAS – O acordo do Mercosul com a União Europeia zera as tarifas para produtos agrícolas brasileiros como suco de laranja, frutas como laranjas e outras, café solúvel, peixes, crustáceos e óleos vegetais e estabelece cotas para exportação de carnes, açúcar e etanol, carne suína e ovos processados para o bloco europeu. Em entrevista à agência Reuters, a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, que integrou a comitiva brasileira à Bélgica, afirmou que o governo brasileiro abriu mão em alguns casos do volume de exportação para obter ganho nas tarifas, que foram zeradas em alguns casos. Os quatro países do Mercosul, Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, poderão exportar 99 mil toneladas de carne bovina isentas de tarifas por ano à UE, sendo 55% de carne fresca e 45% de congelada. Em troca da garantia de exportação de açúcar, etanol e carne ao mercado europeu, os quatro países do bloco sul-americano abriram suas portas para a indústria europeia, especialmente do setor automotivo, bem como os setores químico e farmacêutico.

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