ECONOMIA

Mais de um terço da população vive com menos rendimentos do que o necessário

Em 2017 e 2018, a renda da parcela mais bem remunerada da população equivalia a 8,5 vezes o menor rendimento, aponta pesquisa do IBGE
Da Redação / Publicado em 25 de novembro de 2020
Média dos pesquisados pelo IBGE declarou que recebia metade dos rendimentos necessários para chegar até o final do mês

Foto: Camille Perissé/Agencia IBGE Notícias

Média dos pesquisados pelo IBGE declarou que recebia metade dos rendimentos necessários para chegar até o final do mês

Foto: Camille Perissé/Agencia IBGE Notícias

Nos dois anos que se seguiram ao golpe de Estado de 2016, a vida dos brasileiros que tinham os menores rendimentos piorou e o país saiu de uma realidade próxima ao pleno emprego para retornar ao mapa da fome – um contexto que se agravou com as reforma trabalhista e da Previdência, das política antissociais do governo Bolsonaro e da pandemia em 2020.

Cerca de 30% das pessoas que tinham os menores rendimentos no país, entre 2017 e 2018, viviam com menos do que consideravam necessário para chegar ao fim do mês. A constatação é da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) – Perfil das Despesas no Brasil, divulgada nesta quarta-feira pelo IBGE. A pesquisa mostra que a renda média mensal disponível dessa parcela da população era menor que a renda mínima declarada como necessária. O levantamento é feito de forma retroativa e serve como referência para um diagnóstico da atualidade no país: outras pesquisas do IBGE apontam recessão, descontrole de preços e deterioração dos rendimentos da população. Em novembro, a cesta básica em São Paulo consome 91% do salário mínimo.

Os 10% que viviam com metade da renda necessária

A taxa de inflação de famílias com renda muito mais baixa chegou a 0,98% em setembro de 2020, três vezes superior à observada entre a classe com renda alta (0,29%), aponta o Indicador de Inflação por Faixa de Renda do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)

Foto: Tânia Rêgo/ Agência Brasil

A taxa de inflação de famílias com renda muito mais baixa chegou a 0,98% em setembro de 2020, três vezes superior à observada entre a classe com renda alta (0,29%), aponta o Indicador de Inflação por Faixa de Renda do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)

Foto: Tânia Rêgo/ Agência Brasil

Na primeira faixa de renda, uma pessoa recebia, em média, R$ 244,60 mensais, mas precisava de quase o dobro (R$ 470,29) para suprir o que consideram suas necessidades. Essa diferença continua até a terceira faixa de rendimento e só muda na quarta faixa, quando a renda per capita passa a ser maior (R$ 808,40) do que a renda mínima (R$ 789,59) – ver gráfico.

Essa proporção se inverte conforme a renda aumenta. Na última faixa, em que a renda disponível era de R$ 6.294,83, as pessoas consideravam R$ 4.001,09 o mínimo necessário para viver. Ou seja, os 10% com os maiores rendimentos declararam que precisariam receber 8,5 vezes a renda mínima dos 10% com os menores rendimentos (R$ 470,30) para chegar ao fim do mês.

“O que uma pessoa considera a renda mínima depende da sua renda disponível e, claro, dos seus hábitos de consumo. Esses dados mostram que a percepção das pessoas é bastante diferente, dependendo da faixa de renda”, afirma o analista da pesquisa, Leonardo Oliveira.

Entre 2017 e 2018, a renda disponível era de R$ 1.650,78, em média, e a renda mínima, R$ 1.331,57. Do total da renda disponível, 86,9% foram obtidos de forma monetária, 23% não monetária menos 9,9% de impostos diretos, contribuições e outras deduções.

“A parcela monetária da renda corresponde a valores que vêm do trabalho ou de transferências, como aposentadorias, pensões e programas sociais. Já a renda não monetária se refere a valores de bens e serviços que as famílias não precisam pagar, o que inclui os providos pelo governo, instituições e outras famílias, como um remédio retirado em um posto de saúde, um presente recebido de alguém ou uma hortaliça retirada da própria horta, por exemplo”, explica Oliveira.

Despesa de consumo é maior com habitação

Já as despesas de consumo totalizaram R$ 1.370,53, sendo a maior parcela com habitação (R$ 466,34), seguida das despesas com transporte (R$ 234,08) e alimentação (R$ 219,44).

Em média, uma pessoa gastou R$ 264,66, por mês, com moradia, que inclui aluguel, aluguel estimado, condomínio e impostos. “Cerca de 1,7% das pessoas viviam em domicílios cujo valor pago do aluguel ultrapassavam 1/3 da renda familiar líquida disponível, o que é considerado ônus excessivo de aluguel. Entre as regiões, o maior percentual estava no Sudeste (1,0%)”, comenta a analista Luciana Santos.

Já a despesa com serviços de utilidade pública, como energia elétrica, água e esgoto, gás doméstico e comunicação (telefone fixo e celular, TV por assinatura e internet), foi de R$ 114,12, sendo os maiores gastos com serviços de comunicação (R$ 45,16) e energia elétrica (R$ 39,64).

“As pessoas que pertenciam aos décimos mais baixos de renda gastaram a maior parte do seu orçamento com o serviço de energia elétrica, sendo 42,2% na primeira faixa de renda. Por outro lado, os serviços de comunicação representaram a maior parte das despesas das famílias com maiores rendimentos, 53,7% das pessoas pertencem às famílias da última faixa de renda”, acrescenta Luciana.

Restrição a serviços de saúde

Arte: Jessica Cândido/ IBGE

Arte: Jessica Cândido/ IBGE

A despesa per capita com saúde foi de R$ 133,23, sendo R$ 90,91 na forma monetária, quando ocorre desembolso direto para aquisição do produto ou serviço. Já a despesa não monetária foi de R$ 42,32. Nesse caso, não há desembolso e o produto ou serviço é fornecido pelo estado ou outras entidades.

Do total de despesas, a maior parte foi com serviços de saúde (R$ 86,48) e o restante com medicamentos e produtos farmacêuticos (R$ 46,75).

Entre 2017 e 2018, 26,2% das pessoas pertenciam a famílias que tiveram alguma restrição a serviços de saúde e 16,4% a medicamentos.

“A falta de dinheiro foi o principal motivo alegado para restrição ao acesso aos serviços de saúde (16,9%) e para a aquisição de medicamentos (11,0%)”, diz a analista Isabel Martins, acrescentando que famílias com crianças tiveram maiores restrições em serviço de saúde (12,9%) e medicamentos (8,4%) do que famílias com idosos (5,7% e 3,7%, respectivamente).

A pesquisa também mostra que apenas 18,1% das pessoas viviam em famílias em que todos possuíam plano saúde e 17,4% em que ao menos uma pessoa tinha o serviço. A maioria, contudo, vivia em famílias em que ninguém tinha plano de saúde (64,4%).

No período, 44,6% das pessoas viviam em famílias que avaliaram a saúde como boa, 28,9% como satisfatória e 26,5% como ruim. Dos que avaliaram a saúde ruim, 22,1% residiam em áreas urbanas e 4,3% em áreas rurais. A avaliação da saúde foi diferente entre as regiões. O maior percentual dos que avaliaram a saúde como boa foi do Sudeste (19,7%) e o menor, do Norte (3,3%). Já a maior proporção de avaliação ruim foi no Sudeste (10,3%) e a menor, no Centro-Oeste (1,90%).

Despesa não monetária com educação

A POF mostra ainda que a despesa média com educação foi de R$ 120,16 por pessoa. Desse total, R$ 68,13 foram de gastos não monetários, que são aqueles efetuados sem pagamento direto, como é o caso da educação pública gratuita oferecida pelo Estado. Já a despesa monetária somou R$ 52,03. Esse gasto é feito por meio de pagamento, à vista ou a prazo.

“Esse padrão se repete em quase todos componentes da despesa com educação. Do ensino fundamental ao ensino médio, a despesa não monetária foi maior que a monetária. Isso ocorre porque educação básica é oferecida, sobretudo, pelo Estado. Por outro lado, no ensino superior (incluindo a pós-graduação) e em outros cursos a despesa monetária é maior do que a não monetária, pois a oferta dessa modalidade de ensino é feita, principalmente, por instituições privadas”, explica o pesquisador José Mauro de Freitas Júnior.

“A capacidade de financiamento da educação também varia conforme a renda das famílias. Por exemplo, famílias com as duas maiores faixas de rendimento acabam investindo mais no ensino privado. O mesmo acontece quando a pessoa de referência do domicílio tem ensino superior completo”, acrescenta o analista do IBGE.

Ainda segundo a pesquisa, a participação das famílias nas despesas com educação foi maior (R$ 73,62) quando a pessoa de referência do domicílio era homem do que quando mulher (R$ 46,54). Brancos contribuíram com R$ 61,79 e pretos ou pardos com R$ 55,94. Quanto maior a escolarização da pessoa de referência, maior a contribuição para as despesas com educação.

Cerca de 60,9% das pessoas eram moradoras dos domicílios nos quais o padrão da educação foi avaliado como bom, em 27,5% dos domicílios a avaliação foi satisfatória e em 11,7%, ruim. Dos que consideravam a educação boa, 42% viviam no Sudeste (25,6% do total da população), mesma região em que 44,4% do total de pessoas em domicílios nos quais a educação foi avaliada como ruim (5,2% da população).

  • Resumo
  • Entre 2017 e 2018, a renda disponível foi de R$ 1.650,78, em média, e a renda mínima de R$ 1.331,57.
  • A renda mínima declarada dos 10% com os maiores rendimentos era 8,5 vezes maior que a dos 10% com os menores rendimentos.
  • Despesas de consumo totalizaram R$ 1.370,53, sendo a maior parcela com habitação.
  • Gastos com serviços de utilidade pública foi maior com comunicação e energia elétrica.
  • Quase 25% das pessoas vivem em famílias com restrição a serviços de saúde.
  • Despesa não monetária com educação foi maior que a monetária.

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