AMBIENTE

Ativistas impedem liberação de eucalipto transgênico

Votação foi adiada depois que manifestantes denunciaram que a produção da OGM potencializa o consumo de água, ameaça a saúde humana e animal e até compromete a produção de mel
Da Redação / Publicado em 10 de abril de 2015

Ativistas impedem liberação de eucalipto transgênico

Foto: Guilherme Santos/Sul21

Foto: Guilherme Santos/Sul21

Uma vitória pequena, mesmo assim comemorada pelos ativistas que combatem a plantação de sementes transgênicas em solo brasileiro: foi interrompida, e depois adiada, a reunião da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), instância colegiada do Ministério da Ciência e Tecnologia, realizada em 5 de março, que iria votar a liberação do eucalipto transgênico. A suspensão do encontro que deliberava sobre a liberação do plantio dessa espécie de Organismo Geneticamente Modificado (OGM) – de interesse da Biotecnologia FuturaGene, da Suzano Papel e Celulose – ocorreu devido à ação de cerca de 300 camponeses que ocuparam a sala onde ocorria o debate, na sede do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, em Brasília.

Os agricultores sabiam que a liberação certamente seria aprovada, pois os contrários às sementes transgênicas são minoria. “Nós, os críticos somos apenas quatro votos, enquanto eles são 27”, revela Paulo Yoshio Kageyama, professor e pesquisador do Departamento de Ciências Florestais da Universidade de São Paulo (USP) e integrante do Colegiado da CTNBio. De acordo com ele, esses números podem até mostrar que a mobilização contra os transgênicos seria “uma batalha vencida”, mas “queremos mostrar e documentar que há uma proposta divergente”.

Kageyama, pesquisador da USP e membro do CTNBio: "nós, os críticos, somos minoria"

Foto: Esalq/ACom/USP

Kageyama, pesquisador da USP e membro do CTNBio: “nós, os críticos, somos minoria”

Foto: Esalq/ACom/USP

Kageyama pediu vistas aos documentos que propõem a liberação do eucalipto transgênico e aponta quatro discrepâncias a serem apresentadas por ele na próxima reunião da Comissão, que ficou marcada para 9 de abril. Conforme o professor, a proposta é falha em muitos pontos ainda não esclarecidos. “É temeroso aprovar comercialmente algo que está envolto em tantas dúvidas”. Entre os pontos de interrogação citados por ele está o impacto sobre a utilização da água do solo. “Estão propondo uma variedade que diminui o tempo de exploração do eucalipto de sete para quatro anos e, o que é mais importante, está se reduzindo o tempo onde o consumo de água é muito maior”. O eucalipto é uma cultura que consome muita água e, segundo Kageyama, esse consumo é potencializado no caso do tipo transgênico.

Marcelo Leal, integrante da Coordenação Nacional do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) e membro da Via Campesina no Rio Grande do Sul, aponta que o eucalipto transgênico possui genes inseridos artificialmente que aceleram seu crescimento. Com esta tecnologia, o corte passará a ser feito em cinco anos, diminuindo em dois anos o corte de colheita. “Isso potencializa ao extremo o consumo de água do eucalipto, hoje calculado em 30 litros de água potável por dia, agravando a crise hídrica nas principais bacias hidrográficas que abastecem a população brasileira”, diz Leal, que é engenheiro agrônomo, especialista em Economia Política. Devido ao alto consumo de água, o professor Kageyama solicitou que os estudos sejam apurados com mais rigor.

Em seu parecer, o professor da USP também aponta que onde o eucalipto transgênico é plantado, o mel que é retirado de plantas não transgênicas fica contaminado. “O Brasil é um grande produtor e exportador de mel, exportamos cerca de 16 mil toneladas por ano, a maior parte orgânica, extraído por pequenos produtores e de grande aceitação no mundo. Com a contaminação haverá também um grande impacto social”. O professor afirma que, na proposta de liberação, não foi considerada a distância mínima ao redor da plantação para evitar a contaminação de outros eucaliptos não transgênicos. Enquanto a cultura que segue métodos naturais visa à produção de energia, carvão, mel e óleos, a plantação do eucalipto transgênico é voltada para a geração de celulose, “o setor mais produtivo que beneficiará uma única empresa”, compara.

Leal, agrônomo da coordenação do MPA e membro da Via Campesina: "mais rigor nas pesquisas"

Foto: Guilherme Santos/Sul21

Leal, agrônomo da coordenação do MPA e membro da Via Campesina: “mais rigor nas pesquisas”

Foto: Guilherme Santos/Sul21

A empresa que Kageyama menciona é a de Biotecnologia FuturaGene, da Suzano Papel e Celulose, na cidade de Itapetininga, interior de São Paulo. No início de março, a empresa foi ocupada por mais de mil mulheres ligadas ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e da Via Campesina. Elas queriam denunciar o local onde ocorrem os testes com eucalipto geneticamente modificado, conhecido como H421. O pesquisador revela que a FuturaGene é certificada internacionalmente pela FSC (Forest Stewardship Council), a maior certificadora do setor florestal no mundo. “A FSC não aceita certificar área com transgênicos. Por isso, questionamos a empresa quanto a este fato”. Ele acrescenta que está em vigor uma espécie de moratória para não aprovação de árvores transgênicas no Brasil, a partir de tratados feitos na Organização das Nações Unidas (ONU). “Isto não está sendo respeitado”, denuncia.

Interesse do agronegócio
Para Marcelo Leal, a implantação de eucalipto transgênico, assim como os outros transgênicos liberados para cultivo no Brasil, atende mais aos interesses das corporações do agronegócio em abrir novos mercados e lucrar cada vez mais do que os objetivos em desenvolver a agricultura e a silvicultura brasileiras. Segundo ele, trata-se de uma medida apressada que busca dar à empresa produtora o domínio comercial, ou seja, sair na frente de suas concorrentes no setor. “Passa-se por cima de tudo, do direito do consumidor, e se ignoram os danos ambientais, econômicos e sociais de longo alcance”, aponta.

Pequenos agricultores realizaram manifestação no centro de Porto Alegre, em março

Foto: Igor Sperotto

Pequenos agricultores realizaram manifestação no centro de Porto Alegre, em março

Foto: Igor Sperotto

Leal também se mostra preocupado com a contaminação do mel, visto que o eucalipto é a principal fonte de néctar e pólen no Brasil. “O pólen proveniente dos eucaliptos transgênicos conterá gene inserido artificialmente. Isso significa que o mel produzido por colmeias cujas abelhas visitem flores de eucalipto transgênico estarão contaminadas”. Ao confirmar os impactos sociais negativos apontados pelo professor Paulo Kageyama, o engenheiro agrônomo acrescenta que, atualmente, existem mais de 500 mil produtores de mel no Brasil, que é o décimo produtor mundial, com 50% de sua produção destinada à exportação.

Além do impacto negativo nas exportações, Leal cita outros problemas do eucalipto transgênico, que impede a produção de mel agroecológico e orgânico no país e provoca a contaminação genética. “As abelhas, outros insetos e o vento podem transportar o pólen do eucalipto transgênico a centenas de metros e até mesmo a quilômetros, contaminando árvores de eucalipto convencionais”, alerta.

Leal explica que os movimentos como MPA, Via Campesina e MST estão preocupados com os danos, não só ao meio ambiente, mas à saúde humana e animal. Ele relata que parte significativa dos riscos dos organismos transgênicos para o meio ambiente e à saúde provém de potenciais alterações não intencionais provocadas pela inserção de genes de outros organismos no DNA dessas plantas. Dentre os ‘erros’ que podem ocorrer com a transgenia estão alterações não desejadas em características biológicas/fisiológicas que podem levar à produção de moléculas que o organismo não produz em condições naturais, inclusive toxinas ou substâncias alergênicas.

“Dá para estabelecer uma relação direta com o modelo do agronegócio que produz em monocultivo, destrói as florestas, o solo e as nascentes”. Não apenas o monocultivo do eucalipto, ressalta, mas o da soja e do milho transgênico, da cana-de-açúcar e do algodão. “O bioma Cerrado foi destruído pelo avanço do agronegócio e ele é um dos principais responsáveis pela captação de água das bacias hidrográficas que abastecem a população no Sudeste brasileiro”, ilustra.

Protesto contra o uso de agrotóxicos em frente à Câmara de Vereadores do Rio

Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Protesto contra o uso de agrotóxicos em frente à Câmara de Vereadores do Rio

Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

A liberação provisória do cultivo dos transgênicos foi em 2003. Leal reitera que seu uso na agricultura traz vários riscos e impactos. “Primeiro, o Brasil perde soberania sob suas sementes, fica dependente de meia dúzia de empresas para fornecê-las. Isso coloca em risco a soberania e segurança nacional. Também há aumento do uso de agrotóxicos e o Brasil se tornou seu maior consumidor. Há resistência de inços e plantas invasoras aos herbicidas produzidos à base de glifosato, levando ao uso de agrotóxicos cada vez mais terríveis para a saúde humana e o meio ambiente, como o 2,4-D, que fica 30 anos no solo e causa má formação de fetos”.

O engenheiro considera que, por enquanto, a saída é ocupar reiteradamente as reuniões da CTNBio para impedir votações que considera lesivas ao povo brasileiro. “Salvo alguns integrantes, a CTNBio é composta por tecnocratas cooptados pelo agronegócio e pela indústria de biotecnologia”, aponta. Na página virtual do Ministério da Ciência e Tecnologia, a única referência ao fato ocorrido em 5 de março é uma nota da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) que repudia o que chama de invasão e agressão ao CTNBio. Não é dada mais nenhuma visibilidade ao assunto.

NOTA DA REDAÇÃO: Em reunião realizada no dia 9 de abril, em Brasília, a Comissão Técnica Nacional de Biotecnologia (CTNBio) liberou a produção comercial da variedade de eucalipto geneticamente modificado. Também foram aprovadas variedades de soja e milho resistentes ao herbicida 2,4D.

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