CULTURA

Polêmicas não impedem inauguração do Memorial Prestes

Após 27 anos da aprovação do projeto, foi inaugurada a primeira obra do arquiteto Oscar Niemeyer, em Porto Alegre. O clima tenso de ameaças não impediu a abertura oficial do espaço
Por Kátia Marko / Publicado em 30 de outubro de 2017

 

Prédio foi idealizado por Oscar Niemayer exclusivamente para homenagear Prestes

Foto: Igor Sperotto

Prédio foi idealizado por Oscar Niemayer exclusivamente para homenagear Prestes

Foto: Igor Sperotto

O projeto foi um presente para homenagear o líder comunista e amigo, que conforme afirmou Niemeyer em sua carta exposta nas paredes arredondadas do Memorial, será uma obra para “manter viva a memória de Prestes, um brasileiro que lutou em favor de seu povo, contra a miséria e a desigualdade social que, infelizmente, ainda persistem em nosso país”.

Em mensagem aos participantes do evento, o bisneto de Oscar, que participou da execução da obra, o arquiteto Paulo Sérgio Niemeyer afirmou estar muito realizado com este projeto, que envolve arte e arquitetura. “É um projeto de singularidade única. Porto Alegre entra no novo patamar da discussão da sociedade mais justa e mais humana, como Niemeyer sempre quis e Prestes lutou sua vida inteira. Um projeto que vai ser um marco na arquitetura de Porto Alegre e que vai trazer, com certeza, arquitetos do mundo inteiro para conhecer essa obra que tivemos o prazer de realizar.”

Mais de 300 pessoas participaram da programação organizada pela Associação do Memorial Luiz Carlos Prestes que iniciou na noite sexta-feira, 27 de outubro, com a exibição do filme “Militares da Democracia: Os militares que disseram Não”, de Silvio Tendler, e debate com o jornalista Beto Almeida. No sábado, 28, pela manhã, ocorreu o painel sobre a crise do capitalismo e a conjuntura latino-americana, com o presidente da Associação do Memorial Luiz Carlos Prestes, o professor da Universidade Federal de Santa Catarina Geraldo Pereira e o representante da FARC, o colombiano Israel Alberto Zuñiga Iriarte. Durante a tarde, um ato-show marcou a atividade em palco montado no estacionamento. Entre as falas de dirigentes políticos e sindicais, se apresentaram Lígia Lasevicius e Gustavo Pereira, Demétrio Xavier, Pedro Munhoz, Leonardo Ribeiro, Grupo Unamérica e Lenine Guarani, filho de Taiguara, que emocionou a todos que conviveram com o músico.

Homenagem aos que contribuíram com o projeto

Durante ato, foram homenageadas pessoas que contribuíram para a concretização do projeto

Foto: Igor Sperotto

Durante ato, foram homenageadas pessoas que contribuíram para a concretização do projeto

Foto: Igor Sperotto

O ponto alto da inauguração foi o Ato Político, realizado no interior do Memorial, junto à exposição da vida de Prestes. Foram homenageadas pessoas que contribuíram para a concretização do projeto, como o então vereador Vieira da Cunha (PDT) que em 1990 apresentou à Câmara o projeto de lei para construção do espaço, e o ex-governador Olívio Dutra (PT), prefeito da Capital na época da aprovação do projeto, que foi ao Rio de Janeiro com uma comitiva para apresentar a Niemeyer a proposta da construção e negociar valores com o arquiteto. “Nós apresentamos a ideia, mostramos o terreno e dissemos que queríamos contar com ele”, relembrou Olívio, “e ele respondeu que não cobraria nada pelo projeto por causa da amizade que tinha com Prestes, como de fato aconteceu”.

Também foi homenageado o presidente da Federação Gaúcha de Futebol (FGF), Francisco Noveletto. Com a dificuldade de arrecadar verbas para a execução do prédio, em 2008, o Instituto Olga Benário acertou com Vieira da Cunha que metade do terreno seria cedido à Federação para construir a sede própria, e em contrapartida, a entidade executaria a obra e faria a manutenção. “O (presidente da FGF) fez contato comigo”, contou Vieira. “Como Porto Alegre iria ser uma das sedes da Copa do Mundo, a FGF queria ter sede própria, e eles consideraram o terreno propício.” As obras se iniciaram de forma definitiva no começo de 2012.

Também participaram do ato político o ex-governador do Ceará Ciro Gomes (PDT), os deputados federais Maria do Rosário (PT) e Henrique Fontana (PT), e os deputados estaduais Adão Villaverde (PT), Manuela D’Avila (PCdoB) e Pedro Ruas (PSOL).

O ato político foi finalizado com a interpretação da música Cavaleiro da Esperança, uma homenagem de Taiguara a Prestes, por Lenine Guarani.

Polêmica é reflexo da disputa de visões na sociedade

Como bem lembrou o professor Mário Maestri, em artigo no jornal Zero Hora, “a memória é espaço de disputa, sempre”. A semana que antecedeu a inauguração do Memorial foi marcada por fortes discussões na Câmara de Vereadores e manifestações do Movimento Brasil Livre (MBL). Na quarta-feira, 25, a Câmara Municipal votou o projeto do vereador Wambert Di Lorenzo (Pros) que pretendia mudar a destinação do prédio, transformando-o no Museu da História e Cultura Negra. Após um tenso debate, a matéria acabou rejeitada por 19 votos a 13.

Na terça-feira, 24, a Frente Quilombola do RS lançou uma nota repudiando o projeto. Segundo o texto, os movimentos foram surpreendidos com a proposta do vereador. “Cabe frisar que não temos nenhuma informação de que qualquer entidade, organização ou entidade que expresse a multifacetada resistência do Povo Negro em Porto Alegre tenha sido consultada sobre o mesmo, não significando dizer com isso que não exista uma dívida histórica do Município com o Povo negro da Capital. Mas, por favor, não em nosso nome, mais respeito.”

Sobre a polêmica em torno do espaço, o presidente da Associação do Memorial Luiz Carlos Prestes, Geraldo Barbosa, lembrou que o chefe da propaganda nazista, Joseph Goebbels, dizia que uma mentira repetida milhões de vezes se torna verdade. “Mas uma mentira não muda a realidade em si. A partir da exposição montada com o acervo selecionado por sua filha e presidente de honra do Memorial Anita Leocádia Prestes, convidada para a tarefa em função da profundidade da sua pesquisa, buscamos resgatar a vida de luta de Prestes com objetividade.”

Segundo ele, ao contar a história de Prestes, também se apresenta a história do Brasil. “O Memorial faz um esforço de conhecimento objetivo da história, das suas condições concretas. Também queremos criar um instituto de pesquisa para aprofundar o conhecimento do legado de Prestes, do seu pensamento revolucionário. Prestes não será lembrado pelos latifundiários, pelos que defendem a escravidão e a exploração, ele será lembrado pelo povo, pelos oprimidos. Seu legado será lembrado pelos homens e mulheres que lutam pela revolução socialista”, afirmou.

 Quem foi Luiz Carlos Prestes

Polêmicas não impedem inauguração do Memorial Luiz Carlos Prestes

Foto: Reprodução

Foto: Reprodução

Nascido em Porto Alegre no ano de 1898, Luiz Carlos Prestes cresceu na rua Riachuelo, no centro da Capital. Em 1919, morando no Rio de Janeiro, se formou em Engenharia Militar pela Escola Militar do Realengo, uma espécie de precursora da Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), e foi engenheiro ferroviário e tenente na capital fluminense antes de ser transferido de volta para o Rio Grande do Sul para construir a linha férrea entre Santo Ângelo e Giruá, na região das Missões.

Em 1924, em uma revolta contra o governo do presidente Artur Bernardes, Prestes marchou por mais de 20 mil quilômetros no Brasil no que ficou conhecido como Coluna Prestes. Partindo de Santo Ângelo, a Coluna chegou a ter 1500 integrantes quando passou pelo Mato Grosso. Para evitar conflitos com o Exército, se usava táticas de guerra de movimento para superar os adversários. Ainda assim, nos 25 mil quilômetros percorridos pela Coluna, houve 53 combates com as tropas. Em 1927, a Coluna terminou na Bolívia, onde se exilou.

Em 1931, Prestes foi morar na União Soviética, e depois retornou ao Brasil como membro da Internacional Comunista, acompanhado da alemã Olga Benário. No Brasil, Prestes foi aclamado como presidente de honra da Aliança Nacional Libertadora (ANL), movimento antifascista. Ele buscou em contatos da época de capitão para consolidar uma possível tomada do poder. Em 1935, Prestes publicou um manifesto pela derrubada de Getúlio, o que levou o então presidente a declarar a ANL ilegal, e acarretou na insurgência chamada Intentona Comunista. O movimento foi combatido e derrotado pelas tropas fiéis a Getúlio, levando à prisão de Prestes e a deportação de Olga, grávida, para a Alemanha nazista. Lá, Olga deu à luz a Anita, única filha do casal, e tempo depois foi entregue à mãe de Prestes, Leocádia. Em 1942, Olga morreu em uma câmara de gás.

Prestes se casaria novamente em 1950 com Maria, com quem teve sete filhos. Ele foi eleito senador em 1946, liderando a bancada comunista na Assembleia Constituinte daquele ano, junto com outros parlamentares como o escritor Jorge Amado – que escreveu em 1942 o livro O Cavaleiro da Esperança, intitulado assim pelo apelido de Prestes – e o futuro guerrilheiro Carlos Marighella. Exerceu o mandato até 1948, quando retornou à clandestinidade após a nova cassação do Partido Comunista do Brasil (PCB). Após o golpe militar, Prestes se exilou novamente na União Soviética no fim dos anos 60, retornando ao País após a promulgação da Lei de Anistia. Ele apoiou Leonel Brizola nas candidaturas ao governo do Rio de Janeiro e à presidência nas primeiras eleições diretas, e foi aclamado como presidente de honra do PDT. Prestes faleceu em 7 de março de 1990, aos 92 anos, no Rio de Janeiro.

Comentários