POLÍTICA

Câmara vota destaques sobre venda do pré-sal

Para consultor jurídico da Câmara, venda só interessa aos atuais administradores da estatal e sequer atende aos interesses dos acionistas
Por Gilson Camargo* / Publicado em 4 de julho de 2018
Plataforma semisubmersível SS-11, na Bacia de Santos: Somente para o segundo semestre de 2018, a Petrobras prevê a entrada em operação de mais cinco navios-sonda para extração do petróleo da cessão onerosa, com capacidade de produção maior que 1 milhão de barris por dia

Foto: Agência Petrobras

Plataforma semisubmersível SS-11, na Bacia de Santos: Somente para o segundo semestre de 2018, a Petrobras prevê a entrada em operação de mais cinco navios-sonda para extração do petróleo da cessão onerosa, com capacidade de produção maior que 1 milhão de barris por dia

Foto: Agência Petrobras

Os últimos destaques do projeto de Lei 8939/17, que permite à Petrobras transferir a outras petroleiras parte de seus direitos de exploração de petróleo do pré-sal na área cedida onerosamente pela União, estão em votação na Câmara dos Deputados. O projeto de autoria do deputado José Carlos Aleluia (DEM-BA) foi aprovado no dia 20 de junho na forma de substitutivo do deputado Fernando Coelho Filho (DEM-PE), por 217 a favor, 57 contra e quatro abstenções. Após a conclusão da análise dos destaques apresentados ao texto, o projeto segue para votação no Senado. O projeto foi rejeitado por um parecer da consultoria da Câmara antes de ser aprovado pelos deputados. Para o engenheiro aposentado da estatal e consultor legislativo da Casa, Paulo César Lima, a venda de áreas do pré-sal é um equívoco e atende apenas aos interesses da direção executiva da Petrobras: “os interesses deles não são os interesses do país e nem dos acionistas com visão de longo prazo. Isso é uma visão de curto prazo, uma absoluta falta de visão estratégica”.

Entre os principais destaques está o da bancada do PSB, que pretende manter na Lei 12.276/10 a condição de que a cessão onerosa é intransferível. A medida autorizou a União a vender diretamente à sua estatal, sem licitação, uma área na Bacia de Santos (SP) ao valor de R$ 74,8 bilhões. Quando da formalização do contrato de cessão onerosa, a Petrobras também passou por um processo de capitalização, com emissão de novas ações. No total, a empresa contou com aumento de capital de R$ 80 bilhões pela União e por outros entes federais e com R$ 40,2 bilhões dos acionistas privados. Por isso, descontando-se os R$ 74,8 bilhões da cessão, ainda ficou com um aumento líquido de R$ 45,178 bilhões, mais comissões de R$ 263 milhões.

Estatal deve produzir mais de 1 milhão de barris/dia

A cessão onerosa de parte da Bacia de Santos à Petrobras é limitada à extração de 5 bilhões de barris equivalentes de petróleo – apenas uma parcela da capacidade de produção da área cedida.

A proposta autoriza a Petrobras a repartir essa fatia da cessão onerosa com outras empresas em até 70%, com participação obrigatória da estatal em 30%. O que exceder os 5 bilhões de barris, de acordo com o texto, será objeto de licitação.
A Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) contratou estudos da certificadora independente Gaffney, Cline & Associates que estimam o volume total excedente a esses 5 bilhões de barris em mais outros 6 a 15 bilhões de barris de óleo equivalente.

De acordo com o Plano Decenal de Expansão de Energia 2026, a produção sob o regime de cessão onerosa passa de zero, em 2017, para 1,7 milhão de barris de petróleo por dia em 2026, sem considerar o volume excedente da cessão onerosa. Somente para o segundo semestre de 2018, a Petrobras prevê a entrada em operação de mais cinco navios-sonda para extração do petróleo da cessão onerosa, com capacidade de produção maior que 1 milhão de barris por dia.

O projeto, ao permitir o repasse de até 70% dos direitos desses 5 bilhões de barris, exige a participação da Petrobras no consórcio com um mínimo de 30%. Para o negócio ser concretizado, será necessária autorização da ANP, manutenção do objeto e das condições contratuais e atendimento, por parte do novo cessionário, dos requisitos técnicos, econômicos e jurídicos estabelecidos pela agência. Antecipadamente, a Petrobras e a ANP deverão publicar as motivações técnicas, econômicas e jurídicas sobre as quais basearam suas decisões.

Estratégia para beneficiar petroleiras estrangeiras

Para os partidos contrários à proposta, a Petrobras será prejudicada em benefício de empresas estrangeiras. O deputado Carlos Zarattini (PT-SP) avaliou que a Petrobras vai perder o direito sobre parte do pré-sal e, portanto, seu valor de mercado. “Nessa área, não existe risco algum de se fazer um poço. Todos sabem que um poço de petróleo, nessa região, será pleno de sucesso. E é isso o que esse governo agora quer entregar de mão beijada às empresas multinacionais do petróleo”, criticou.

Já os deputados favoráveis ao texto argumentaram que, sem a parceria com outras empresas, a Petrobras não tem condições de explorar o petróleo da Bacia de Santos. “Veja, o debate aqui é simples. A Petrobras não dá conta de executar a exploração”, disse o deputado Marcos Rogério (DEM-RO).

A deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), no entanto, rebateu o argumento de que a Petrobras não tem capacidade financeira para investir. “A Petrobras teve lucro de R$ 6 bilhões nesse período [1º trimestre de 2018]. A Petrobras não está em déficit”, afirmou.
A deputada criticou o texto que, segundo ela, faz parte de uma política governamental para beneficiar empresas estrangeiras. “Nós não temos mais navios construídos no Brasil, não há mais plataformas sendo feitas no Brasil, os estaleiros do Rio de Janeiro fecharam, os estaleiros fora do estado do Rio de Janeiro estão fechando, e não há demanda”, declarou.

Relator da proposta, o deputado Fernando Coelho Filho (DEM-PE) disse que, dos 5 bilhões de barris, a Petrobras consegue produzir hoje cerca de 33 mil barris diários. Segundo ele, mesmo com a previsão de novas plataformas e produção de 1 milhão de barris por dia, a Petrobras vai levar 14 anos para esgotar os 5 bilhões da cessão onerosa. O deputado acredita que a proposta vai desenvolver a indústria petrolífera do País. “Eu sei que o projeto tem muitos componentes ideológicos e políticos, mas não é verdade dizer que nós estamos entregando patrimônio ou que o Rio de Janeiro terá um prejuízo. Este Congresso decidiu, em 2010, dar à Petrobras esse regime especial. E, desde 2010, o estado do Rio de Janeiro espera a exploração desses 5 bilhões de barris”, argumentou.

O deputado federal Pepe Vargas (PT-RS) enfatizou que o PL 8939 enfraquece a política de conteúdo nacional. Segundo ele, somente em isenções fiscais concedidas por Temer às multinacionais que extraem petróleo do Brasil, observou Pepe, o país perderá R$ 1 trilhão pelos próximos 20 anos, e uma média anual de R$ 50 bilhões. “O objetivo de Temer é destruir a Petrobras, para privatizá-la, fatiando-a e vendendo vários ativos. Por isso também passou a fazer a política de diminuir o refino de petróleo no Brasil deixando a capacidade instalada das refinarias ociosa e vendendo óleo cru principalmente para os Estados Unidos e assim importando gasolina, diesel e derivados, mas essa é uma política lesiva aos interesses do Brasil, pois gera empregos lá fora e reduz os empregos para os nossos trabalhadores”, denunciou Pepe.

Petrobras terá grande perda, diz parecer

O consultor legislativo Paulo César Lima deu parecer contrário ao projeto: "atende aos interesses da atual administração da estatal, que não são os interesses do país nem dos acionistas

Foto: Midia Ninja

O consultor legislativo Paulo César Lima deu parecer contrário ao projeto: “atende aos interesses da atual administração da estatal, que não são os interesses do país nem dos acionistas

Foto: Midia Ninja

A venda de áreas do pré-sal representa prejuízo para a estatal e para o país em benefício de multinacionais, que poderão se apropriar dos lucros que serão gerados pela produção de até 3 bilhões de barris de petróleo. A constatação é do engenheiro aposentado da Petrobras e consultor legislativo do Senado e da Câmara, Paulo César Lima, que realizou estudos sobre o PL e apresentou um parecer técnico à Câmara.

“O grande impacto para a Petrobras é que ela vai realmente vender parcela desses direitos de produzir 5 bilhões [de barris] porque, se ela não tivesse interesse em vender, eles [diretores da estatal] não estariam aqui no Congresso fazendo tudo pra aprovar esse PL. Agora, é muito importante separar o que é Petrobras e o que é diretoria executiva da Petrobras. A Petrobras, os petroleiros, os trabalhadores, os técnicos não querem vender, mas a diretoria executiva, o senhor Ivan Monteiro, que é o presidente da estatal, esteve aqui no Congresso pra aprovar esse projeto. Então, é certo que vai vender uma parte desse direito, e o PL estabelece que pode vender até 70%. Se vender 70%, vão ser vendidos direitos de produzir 3 bilhões de barris. Isso é uma grande perda pra Petrobras e sem menor necessidade”, afirmou Lima em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato logo após a votação.

Segundo ele, o Rio de Janeiro vai perder R$ 50 bilhões em participação especial. Lima assegura que a Petrobras tem capacidade para bancar a produção e que todos os investimentos já foram feitos. “Não se trata mais de ter ou não ter condições. A Petrobras já fez os investimentos, já comprou as unidades, que já estão todas prontas pra entrar em operação e gerar muito caixa no curto prazo. Isso gera uma receita extraordinária para a Petrobras no curto prazo. E quem diz isso não sou eu; é o governo. É só pegar o relatório da empresa de pesquisas energéticas, que faz uma projeção da produção no regime de cessão onerosa nos próximos anos”, aponta. As opções do país do ponto de vista técnico, afirma o consultor, estão equivocadas. “O Brasil está caminhando para péssimas condições, como é o caso desse projeto de lei”, diz, avaliando que a venda do pré-sal não atende nem os interesses dos acionistas. “Então, o grave dessa administração da Petrobras é que essa diretoria executiva, na minha visão, tecnicamente, está equivocada e as decisões deles não se justificam tecnicamente porque os interesses deles não são os interesses do país e nem dos acionistas com visão de longo prazo. Isso é uma visão de curto prazo, uma absoluta falta de visão estratégica, então, esse é um grande debate que a gente precisa fazer”, sinaliza. Em artigo, o engenheiro explica por que a lavra e o refino de petróleo são monopólios da União.

*Com Agência Brasil, Agência Câmara e Brasil de Fato.

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