GERAL

Viola inspirada

Marcelo Mena Barreto / Publicado em 5 de maio de 1998

É possível até discutir se Paulo César é nome de sambista ou não. O certo é que Paulo César Baptista de Faria, o Paulinho da Viola, há muito é considerado uma das mais perfeitas encarnações do mais brasileiro de todos os ritmos e uma sólida referência da música popular. O que não é para menos. Seu trabalho incorpora a sofisticação harmônica da Bossa Nova, a riqueza melódica do choro (gênero essencialmente instrumental, que está para o Brasil como o jazz para os Estados Unidos), e a síncope incomparável do samba. Associada, a princípio, ao universo das escolas de samba do Rio, a obra de Paulinho gradualmente foi se impondo como muito mais diversa e sofisticada. Sua arte expressa com originalidade, a fusão de escolas e épocas. Paulinho da Viola é tradição e é vanguarda – e uma espécie de ponte entre ambas. Nascido no bairro do Botafogo, Rio de Janeiro, Paulinho da Viola tem, aos 55 anos, um número expressivo de composições que conquistaram o coração do povo brasileiro e são cantadas de norte a sul do país, acima das modas e circunstâncias. São canções como Sinal fechado, Coisas do mundo minha nega, O recado, Sei lá Mangueira e Foi um rio que passou em minha vida, que marcados pela sua popularidade e sofistificação, renderam ao artista o título de o Príncipe da Música Popular Brasileira, como é saudado pelo público e pela crítica. O editor de Extra Classe, Marcelo Mena Barreto, foi conferir a pessoa que está atrás de tanto sucesso. Recebido com cortesia no belo apartamento de Paulinho da Viola, na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro, encontrou um artista complexo, elegante, mas “sem afetações”, que relatou suas impressões de vida e relembrou com carinho os velhos mestres.

Extra Classe – Pixinguinha e o choro em geral, a tradição do samba carioca são influências que sobressaem no seu trabalho. Como você sintetizaria essas influências e como surgiu o compositor Paulinho da Viola?
Paulinho da Viola – Tenho muitas influências. Durante toda a minha infância, o que eu mais ouvi foi o Pixinguinha. Inclusive tive a felicidade de conhecê-lo. Quando eu ainda era muito pequeno, ele esteve algumas vezes na casa de meu pai, que é conhecido como um músico de choro, com uma formação de choro. Esta foi uma influência muito forte: Pixinguinha, Jacó do Bandolim, com quem meu pai tocou quase 30 anos, e todo o pessoal do choro que, de uma certa maneira, estavam com meu pai. A outra influência muito forte veio da música do samba, das serestas, que eu ouvia muito na casa do meu pai… através dos amigos dele, dos seus discos. Meu pai gravou com muita gente, com muitos cantores da música brasileira, de serestas, com Silvio Caldas, com Orlando Silva. Por exemplo, uma das pessoas que me influenciaram, mesmo porque eu o ouvia muito e, inclusive, assisti meu pai gravando com ele, foi um cantor chamado Roberto Silva, que é conhecido como o Príncipe do Samba e que até hoje canta de uma maneira maravilhosa, que gravou muitos sambas de Geraldo Pereira, Wilson Batista e Nelson Cavaquinho. Estas foram as grandes influências. Só mais tarde, já rapazinho, que eu me envolvi com o samba mesmo, este de escola de samba. E aí vieram outras influências, entre estas as mais importantes foram do Cartola e do Zé kéti. Toda a minha formação decorre destas três vertentes aí.

EC – Como é mesmo a história do Zé Kéti dizer que Paulo César não era nome de sambista e, ao lado do jornalista Sérgio Cabral, ter criado o nome Paulinho da Viola?
PV – A primeira gravação que eu participei foi ao lado do Zé Kéti, que tinha criado um conjunto chamado A Voz do Morro. Ele nos convidou, a mim e ao Elton Medeiros, para fazer um grupo e deixar algumas músicas na gravadora Musidisc, para os cantores ouvirem. Nós fizemos um grupo, ensaiamos e fomos deixar nossas músicas lá. O violinista Luiz Bittencourt ouviu e disse que poderíamos fazer um grupo e nós mesmos gravarmos as músicas. Daí surgiu o conjunto A Voz do Morro, que chegou a fazer três discos. Dois na Musidisc e um na RGE. Durante as gravações, o técnico perguntava: “de quem é esta música?” Na minha vez, quando ele perguntou de quem era a música e eu disse que era minha, ele perguntou: “mas como é o seu nome? Eu preciso anotar aqui”. Aí eu disse: Paulo César. Começou então a brincadeira: “Não, Paulo César não é nome de sambista”. Depois, no começo de tudo, quando ninguém me conhecia, eu vi uma nota num jornal que, tenho quase certeza, foi escrita pelo Sérgio Cabral, numa coluna que ele escrevia sobre música popular, apareceu pela primeira vez este nome, Paulinho da Viola. Isso foi coisa mesmo do Zé Kéti e do Sérgio Cabral.

EC – Já que você falou da importância de seu pai na sua formação, é verdade que César Faria não permitia que o Paulinho da Viola ouvisse música estrangeira?
PV – Não! Não é verdade. Música estrangeira era uma coisa que a gente não ouvia muito, mas ouvíamos sim. Lembro que meu pai, mesmo não sendo de comprar discos de música americana, ganhava muita coisa e até tinha músicas de jazz. Ele tinha um disco da Ella Fitzgerald chamado Cow cow boogie, que ela gravou com um conjunto muito famoso na época, chamado Ink Spots. A gente ouvia muito este disco e fiquei muito triste quando ele apareceu quebrado. Perdi o disco e fiquei louco para saber aonde eu poderia encontrar. Acabei encontrando um CD – foi feita uma coletânea com muitas músicas dela – que tinha a música Cow cow boogie.

EC – A fonte desta afirmação é o crítico Tárik de Souza. A teoria dele é que esta proibição, de certa forma, fez com que você reformasse o velho ritmo do samba, sem recorrer à influência direta do jazz, blues e do rock.
PV – (risos) Não, não. Meu pai não proibia. É evidente que se nós tínhamos, por exemplo, um disco da Ella Fitzgerald, um do Glenn Miller, um do Sinatra, tínhamos cem, duzentos de música brasileira.

EC – Você, com certeza, deve guardar uma boa recordação do dia em que o Cartola lançou As rosas não falam num programa seu.
PV – É verdade. Foi um programa chamado Samba se aprende na escola, em que eu entrevistava sambistas na TV Cultura de São Paulo. Neste dia, nós estávamos muito eufóricos, muito felizes porque era o Cartola o convidado. Estava todo mundo assim: “pô o Cartola, o Cartola”. Daí ele disse: “eu quero mostrar uma música que eu acabei de fazer” e cantou As Rosas Não Falam.

EC – No momento você teve aquele estalo, isso vai ser um clássico?
PV – Não. Naquele momento eu me lembro que todo mundo ficou comovido. A equipe, os técnicos, os diretores. Eu fiquei perplexo quando ouvi esta música. E nunca tinha cantado ela, só vim cantar esta música há um ano atrás quando coloquei no show Bebadachama.

EC – E por que isso?
PV – Não sei. Toda vez que ouvia a música, eu lembrava muito deste dia e achava que eu não ia cantar bem esta música.

EC – Eu Canto Samba é um disco que surgiu depois de cinco anos sem discos. Mais oito se passaram até o Bebadosamba. Sem modéstias, você não acha que tanto tempo sem gravar, para um artista como você, não é muito? Como você avalia esta questão da indústria fonográfica?
PV – Não, não. Eu não posso colocar a culpa no pessoal da gravadora.

EC – E na indústria?
PV – Não. No meu caso eu não posso fazer isso, porque depois do Eu Canto Samba, mesmo antes, eu tive muitas propostas para gravar e não quis. Não queria forçar nenhuma barra. Estava viajando muito para o exterior naquela fase, em 85, 86. Eu também não queria porque eu não sou um compositor de compor todos os dias, às vezes eu levo muito tempo até sem tocar.

EC – Você não esta querendo ser um Caymmi carioca?
PV – Olha (risos), eu não sou um Caymmi carioca não, mas eu sou assim, sempre fui assim. Durante muitos anos eu gravei todo ano. O tempo que eu estive na Odeon, que começou em 68 e acabou em 80, eu gravei 11 discos. Teve ano de eu gravar dois discos – em 71 e 76. Quando eu fiz Eu Canto Samba, dois anos depois, o pessoal já disse “e aí Paulinho, quer fazer outro?”. Eu já tinha escrito algumas músicas, mas não tinha algo que me pegasse. Este é o meu comportamento, não gosto de forçar nada. É difícil traduzir isso, mas eu não sei, por exemplo, juntar 12 músicas e gravar. Não faço assim. Tanto que gravo muitas vezes e mexo dentro do estúdio, faço música dentro do estúdio, mudo a música, troco letra. O meu trabalho é muito de momento.

Às vezes, quando fica pronto, eu ainda digo “puxa, mas não era isso que eu queria” e como gravou me dá uma raiva. Entre o Eu Canto Samba e o Bebadosamba recebi vários convites. Entre 88 e 96 marquei e desmarquei várias vezes estúdio. Eu dizia para o diretor: “olha, desmarca porque eu acho que estou forçando uma coisa e não quero.”

EC – Você está ciente que agora teus fãs vão passar a te culpar no lugar da indústria fonográfica?
PV – É, estou ciente disso (risos). Já me falaram isso várias vezes, mas sou assim. Daqui a pouco, no ano que vem, eu estou fazendo outro disco, entendeu? Pode acontecer isso.

EC – Qual é a sua posição sobre a onda do pagode?
PV – Olha, tem algumas coisas que eu gosto muito, que eu ouço e me divirto muito.

EC – O que, por exemplo?
PV – Eu já dei uma declaração sobre isso… E como recebi gente me cobrando (risos)! Eu disse que achava o Tchan muito legal e ainda brinquei: “olha, se vocês fecharem os olhos”, para dizer que se ouvirem o Tchan, as pessoas vão ver que ali dentro tem o velho samba de roda baiano, com aquelas coisas sacanas, com duplo sentido, que é uma coisa muito comum na música popular.

EC – Esse fechar os olhos é para não ver a Carla Perez e a Sheila?
PV – É (risos), eu falei isso de brincadeira.

EC – Você foi cobrado por gostar do Tchan?
PV – Algumas pessoas me cobraram.

EC – Mas no estilo patrulha? Ainda tem isso?
PV – Tem, claro que tem. Tem gente que não gosta, né? Mas isso aí não é tão importante assim. Para mim é chato dizer que isso é ruim, que aquilo não presta. Eu não gosto de falar estas coisas. Não é por aí. Aquilo que não me toca eu não ouço, nem fico insistindo. Não tem porque ficar dizendo que isso é comercial. Eu não faço este tipo de julgamento. Se gosto de uma coisa, eu gosto, acho legal, eu ouço. Eu reconheço, por exemplo, especialmente no grupo do Tchan, que eles têm um ritmo muito contagiante. É muito difícil você ouvir o Tchan e não se sensibilizar. É natural as pessoas saírem dançando, sambando.

EC – E esta história de ralar o Tchan e tudo o mais?
PV – Apesar de reconhecer que este negócio de umbigada e música com duplo sentido é muito da cultura popular, especialmente da cultura popular baiana, eu acho que em alguns momentos esta coisa extrapola e, evidentemente, cai na banalização de uma questão delicada que é a questão do sexo. Entra num nível de pornografia, de banalização através da televisão, nada saudável. Aliás, na banalização de qualquer coisa, eu acho que nada é saudável.

EC – Como você vê o momento atual do Choro e do Samba na MPB?
PV – Olha, não é uma pergunta muito simples de responder. O samba e o choro têm vitalidade. Já demonstraram que, mesmo não estando ou estando na mídia, eles têm o seu público, que é um público que está presente e não deixa esta coisa desaparecer, senão já tinha desaparecido. São inúmeros os grupos de choro que gravam, de jovens que se envolvem com o choro e música instrumental e inúmeros, que ninguém conhece, que também fazem o seu samba. O que sinto quando participo de rodas ou vou a alguma apresentação é esse sentimento que é muito forte. Você vê jovens! Eu me surpreendi muito de fazer o Bebadosamba no Canecão e ver a quantidade de jovens presente.

EC – Você disse uma vez que o samba sofreu e sofre preconceito até hoje. E muitas pessoas ainda não compreendem que ele é matriz de um universo riquíssimo da história de um povo se formando, de um povo se afirmando.
PV – É verdade. Reafirmo isso.

EC – Pode explicar melhor?
PV – Isso não é simples de explicar. Eu vivo dentro do samba há muitos anos e têm determinadas coisas que me tocam de uma maneira, como tocam as pessoas daquele universo que estão ali, que fica difícil traduzir com palavras. Algumas vezes, as pessoas percebem isso quando desfilam até numa escola de samba. E eu vejo o comportamento delas. Mas eu falo de um outro que eu vivi, que está dentro das quadras, nos morros, dentro das rodas de samba mesmo, com os sambistas, com os compositores, o seu cotidiano neste universo. E isso eu não sei descrever com palavras, não sou escritor. Mas o problema é o seguinte: Os preconceitos são enormes, são vários. Quando eu falo isso, é porque eu já percebi muitas vezes. O nosso povo vem lutando contra, mas isso não é uma coisa para ser resolvida em um ou dois anos e sim em várias gerações. E assim mesmo, eu não sei se vai acabar com todos os preconceitos. Você acaba com uns e cria outros, porque há diferenças e quando há diferenças é natural que surjam preconceitos. A função do homem é, dentro da diferença, entendeu, na cultura, lutar contra eles. Mostrar que as diferenças podem criar uma dinâmica melhor para todos e não um rompimento, um afastamento.

EC – Alguns nomes do samba como Martinho da Vila e Bezerra da Silva têm um trabalho, digamos, mais popular. Você é quase um sambista cult, admirado por um público classe média, média alta. Como vê isso, concorda?
PV – Não. Não concordo. Já cansei de fazer show em praça pública, teatro, cinema, circo e sinto que não é bem assim. Eu sinto que meu público tem um certo ecletismo sim, há uma mistura, mas é gente do povo mesmo. Não é específico de uma classe.

EC – Você já se sentiu lesado em seus direitos autorais?
PV – Eu não fiz em 70 um samba chamado Foi um Rio Que Passou Em Minha Vida, que tocou no Brasil todo? Foi a música mais tocada no carnaval, junto com Bandeira Branca. Todo mundo sabe disso. Naquele ano, se você visse a prestação de contas do meu disco você ia dar gargalhadas. Eu não lembro dos valores da época, mas foi uma coisa tão irrisória, que o sujeito que veio prestar contas me pediu desculpas e disse: “olha, no ano que vem vai ser melhor”.

EC – E isso continua acontecendo?
PV – Isso aí é uma coisa muito delicada. Eu já falei sobre isso, já comentei. É uma coisa de uma complexidade… A minha opinião é: não acho que a gente tem de acabar com o Ecade, acho que a gente tem de criar uma estrutura melhor para que todos possam receber melhor e com mais transparência. É só isso.

EC – Você foi um dos primeiros grandes compositores a expressar em suas músicas preocupações ecológicas…
PV – Amor a Natureza, em 75.

EC – Como esta questão bateu em você, para sair soltando o verbo através desta música?
PV – Na época, se falava muito de especulação imobiliária, de selvas de pedra e havia uma preocupação com o desmatamento da Floresta da Tijuca. Estavam cortando muitas árvores e a cidade (Rio de Janeiro) estava se descaracterizando. Esta música veio muito daí. É importante lembrar que naquela época qualquer coisa que contestasse alguma coisa era censurada e, então, já se fazia uma coisa com duplo sentido também. Mas ali era uma coisa clara, falei de uma coisa concreta, objetiva, que é a minha preocupação com a transformação da cidade. Propositadamente, Amor a Natureza tem uma forma de samba enredo. É muito comum compositores de escolas de samba exaltando o Rio, pois bem, eu fiz à minha maneira um protesto em forma de samba enredo.

EC – Aproveitando que você falou da história do duplo sentindo, nesta mesma época, da ditadura, surgiu a música Sinal Fechado (1969), que difere um pouco no contexto da sua obra. Como ela nasceu?
PV – Esta música, como grande parte das que eu fiz, veio como um filme, como imagens que se sucedem muito confusas e vão se alternando, vão mudando de lugar. Recordo duas coisas quando eu comecei a fazer esta música. Uma era sobre uma pessoa que eu nunca mais vi, que eu conheci em Recife, que depois encontrei no Rio de Janeiro. Era uma pessoa que passava nos lugares e em vez de parar e falar comigo, sempre passava rápido e dizia: “eu tenho uma coisa pra te falar”…e nunca falava nada, estou esperando até hoje. Encontrei esta pessoa em vários lugares, bares… me parece que era uma pessoa que tinha certos compromissos, que não podia estar aparecendo muito na época. Isso foi uma coisa. A outra foi uma enorme tensão das pessoas, a preocupação delas. O que está muito claro nesta música é uma certa tensão, que é criada na própria estrutura, na harmonia. Como uma coisa de que as pessoas iam falar e não falam. Uma imagem que veio muito forte, como se eu tivesse tido um sonho, quando eu estava trabalhando nesta letra, era a seguinte: Parou um ônibus e eu estava no ponto. Entrei, tinha uma pessoa na frente que eu conhecia, que eu queria falar com ela, mas não podia porque o ônibus estava cheio. Eu fazia sinais, gestos, mas a pessoa descia, o ônibus saia, e eu ficava dando adeus, não conseguia falar. Esta foi a primeira idéia que ficou muito forte na minha cabeça, como imagem para a construção da estrutura da letra. Depois apareceu a coisa do sinal, a idéia do sinal como um elemento simbólico de algo que está fechado, que não deixa. É a velha história da contradição, do querer partir, do querer sair, falar e não poder, porque o sinal está fechado e pode abrir a qualquer momento. Algum tempo depois, as pessoas me procuravam e, em entrevistas, perguntavam se eu havia feito esta música conscientemente… para aquela época que estávamos vivendo. Na realidade, foi um mecanismo inconsciente que me levou a fazer esta música.

EC – Você foi um dos responsáveis pela redescoberta de Lupicínio Rodrigues, gravando Nervos de Aço no início dos anos 70. O que você acha da obra dele?
PV – Eu só vou contar uma história: tenho uma filha que hoje está com 32 anos, chama-se Eliane. Um dia, quando mocinha, ela chegou para mim e disse: “papai, eu não sei porque, sou apaixonada pelo Lupicínio Rodrigues”. Pronto, acho que isso já explica tudo: uma jovem, daqui do Rio de Janeiro, criada no meio de outras meninas, nos bailinhos, curtindo os hits da moda, de repente se vira para mim e diz isso. Ela não sabia dizer porque, nem eu, mas eu acho que a música dele é muito forte, é uma música que toca, sensibiliza pessoas de várias idades, que fala para as pessoas indistintamente o que elas querem ouvir e as toca. É isso.

EC – Durante a entrevista você fez muitas referências aos velhos mestres, o próprio disco Bebadachama é uma grande homenagem a eles. Falou também, com muito carinho, da influência sobre o seu trabalho. Você não teme ser rotulado de saudosista?
PV – Não, já falei isso várias vezes. Eu não tenho saudade de nada.

EC – Isso dá para fazer um belo samba…
PV – Eu li uma vez, em algum lugar, que o falecido Renato Russo disse que gostava dos poetas irlandeses de não sei qual século. Poxa, que maravilha! Então porque eu não posso gostar de Pixinguinha dos anos 30? O que tem isso de saudosismo? Nada. Eu pouco conheci Pixinguinha. Não é saudade, não é nostalgia, não é nada. Se eu fosse um saudosista, não gostaria da música que os Paralamas fazem, por exemplo. Não ia gostar do Zeca Pagodinho, do Martinho, do João Nogueira. Ia só gostar de sambistas dos anos 30, 40. Ia dizer: “ah, aquilo lá que é música!”. Eu nunca falei isso, nunca usei o termo samba autêntico. Eu não sou saudosista, vivo um tempo, um espaço, um ritmo que é meu. E tenho muita consciência de que o tempo não volta, de que a gente não volta para trás. Nem quero que volte. A vida é uma coisa que se multiplica e vai para frente, o que não quer dizer que muitas vezes ela vai melhor, que o que se cria é melhor do que já se criou. Eu não acredito que exista uma evolução em arte, em obra de arte. Existe uma história, uma dinâmica. Há obras feitas há duzentos, quatrocentos anos que deixam todo mundo sensibilizado. Não há evolução, existe uma história.

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