MOVIMENTO

Crescem denúncias de racismo no futebol

Relatório do Observatório da Discriminação Racial no Futebol revela quase o dobro de denúncias em 2017 em comparação ao ano anterior. Também registra casos de LGBTfobia, machismo e xenofobia
Por Marcelo Menna Barreto / Publicado em 10 de novembro de 2018

Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Criado em 2014 pelo administrador de empresas apaixonado pelo “esporte bretão” Marcelo Carvalho, o Observatório da Discriminação Racial no Futebol está concluindo o relatório de 2017, tradicionalmente lançado em novembro, mês da Consciência Negra. Neste ano, o trabalho foi realizado em parceria com a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), que através de seu museu criou um grupo de pesquisa específico para o que pode se chamar o principal documento nacional que registra não somente casos de racismo, mas também outros preconceitos arraigados no esporte brasileiro. O estudo mostra crescimento significativo de denúncias de racismo no ano passado em relação ao ano anterior. Em 2016, foram denunciados 25 casos; em 2017, 43.

Ao todo, o relatório descreve 77 casos divulgados na imprensa nacional e internacional. Foram 69 no futebol e oito em outros esportes. Coincidentemente, 69 casos foram verificados no Brasil e oito envolvendo atletas brasileiros no exterior. Nos casos verificados no Brasil, 61 foram no futebol, envolvendo 43 atos de racismo contra 10 de LGBTfobia, cinco de machismo e três de atos xenofóbicos. Nos atos de racismo apontados no relatório, 29 ocorreram em estádios, 11 nas redes sociais e três em outros espaços.

O relatório ainda aponta que dobraram os casos de preconceito em jogos sob a jurisdição da Conmebol, maior entidade do futebol sul-americano. Dos seis verificados, somente um foi punido efetivamente pela confederação. O argentino Independiente que em jogo contra o Flamengo na primeira partida da final da Copa Sul-Americana teve sua torcida flagrada imitando macacos para os rubro-negros. Apesar de ter se desculpado oficialmente e condenado a atitude, o clube argentino acabou multado em U$ 15 mil pelo Tribunal de Disciplina da Conmebol e advertido para sanções mais severas em caso de reincidência.

Foto: Arquivo Pessoal

Marcelo Carvalho: “os gritos homofóbicos continuam a acontecer em diversos estádios do país sem qualquer ação da CBF ou da Justiça Desportiva”.

Foto: Arquivo Pessoal

Apesar de não ter gerado punições, o Observatório da Discriminação Racial no Futebol comemora nesse seu novo documento o primeiro caso de homofobia julgado pelo Supremo Tribunal de Justiça Desportiva (STJD). “O fato de o Paysandu ter tido que responder judicialmente pela confusão que ocorreu após partida com o Luverdense, quando torcedores do clube paraense foram tirar satisfações com membros da organizada Alma Celeste, que faz campanha contra a homofobia, ironicamente já é sinal de que algo que era visto com normalidade no futebol já está sendo questionado”, analisa. Entretanto, Carvalho faz questão de registrar que “os gritos homofóbicos continuam a acontecer em diversos estádios do país sem qualquer ação da CBF ou da Justiça Desportiva”.

Reação à intolerância

Segundo Carvalho, crescem nos clubes de futebol do Brasil as torcidas antifascistas. Segundo ele, dos 40 maiores times, 33 já tem essa forma de reação organizada que tem entre suas bandeiras a democratização do esporte, a luta contra o machismo e o racismo. “O legal é que torcidas rivais estão se unindo para dar eco a essas lutas sociais”, afirma.

Foto: Reprodução Facebook

Movimento Colarinas: ocupando as arquibancadas do Arruda

Foto: Reprodução Facebook

Outro avanço, segundo ele, são as torcedoras que começam a criar seus ambientes próprios para acompanhar de perto o futebol. Cita como exemplo o Grupa, do Atlético, de Belo Horizonte, Minas Gerais, e o Movimento Coralinas, do Santa Cruz, de Recife, Pernambuco, que se têm como objetivos o empoderamento feminino no futebol e a luta contra o machismo dentro e fora do campo.

“Os clubes estão atentos e ouvindo esses movimentos” diz ao lembrar que no caso do Atlético Mineiro, Robinho que estava respondendo um processo de estupro na Espanha não teve a renovação de seu contrato devido as manifestações realizadas pela Grupa.

Para o fundador do Observatório da Discriminação Racial no Futebol, apesar de o futebol ainda estar longe de ser um ambiente de maior tolerância e união por causas progressistas, casos emblemáticos como o do goleiro Aranha do Santos, que ao ser chamado de macaco pela torcida do Grêmio, de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, levou o clube ser multado e sair da Copa do Brasil em 2014, são sinais que passos firmes estão sendo dados.

Passos que não iniciaram em 2005, mas começaram a ter relevância com o Juventude, de Caxias do Sul, Rio Grande do Sul, sendo o primeiro clube a ser punido por atitudes racistas de sua torcida, quando o meia colorado Tinga foi hostilizado e o zagueiro argentino do Quilmes, Desábato, teve voz de prisão dada ainda em campo por um dirigente do São Paulo por ter chamado o centro-avante tricolor Grafite de macaco.

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