MOVIMENTO

Justiça social, democracia e o papel da imprensa operária

Em um país onde o jornalismo é dominado por grandes empresas de comunicação de direita que sobreviveram por apoiar a ditadura, a defesa da democracia cabe à imprensa alternativa
Por Gilson Camargo / Publicado em 1 de abril de 2021
Cynara: "nunca vi alguém ser admoestado por ser tucano, mas ser de esquerda era muito malvisto na Folha". Tradução em Libras: Ângela Russo, Instituto de Letras da Ufrgs

Imagem: Youtube/ Reprodução

Cynara: “nunca vi alguém ser admoestado por ser tucano, mas ser de esquerda era muito malvisto na Folha”. Tradução em Libras: Ângela Russo, Instituto de Letras da Ufrgs

Imagem: Youtube/ Reprodução

“O Socialista Morena é de 2012, vai fazer dez anos junto com a eleição que vai tirar o Bolsonaro do Planalto”, provoca a jornalista Cynara Menezes ao abrir o seu painel na live Jornalismo em tempos de polarização e fake News. O debate de quarta-feira, 31, é parte da programação alusiva aos 25 anos do Jornal Extra Classe e teve como painelistas, além de Cynara, o coordenador de Comunicação do Observatório do Clima, Claudio Angelo, e o jornalista e editor do The Intercept Brasil, Leandro Demori. Na opinião da editora, em um país que não tem um grande jornal progressista, o papel da imprensa alternativa é representar as pessoas que querem justiça social e democracia. Assista à íntegra do debate.

Para começar o debate, Cynara confirma que há uma escalada de violência e ataques jurídicos contra profissionais de imprensa. Ela citou relatório do Jornalistas sem Fronteiras que elege o Brasil e Honduras, que foi o primeiro país a cair num golpe constitucional nesta década na América Latina, como os dois países mais perigosos para o exercício da profissão.

No Brasil, a gente só tem jornalismo de direita

Ao relatar sua passagem pela Folha de São Paulo e Carta Capital, ela afirmou que o site Socialista Morena contempla uma necessidade de expressar seu pensamento. “Chegou um ponto em que me incomodava muito não poder sair do armário ideologicamente”.

Na Folha é malvista a pessoa ter uma posição política, revela. “Embora o jornal se diga imparcial, nunca vi alguém ser admoestado por ser tucano, mas ser de esquerda era muito malvisto”.

As pessoas que são contra os jornalistas de esquerda o fazem por desconhecimento, opina. “No Brasil a gente só tem jornalismo de direita, eles nos chamam de militantes, de ativistas, não reconhecem o nosso trabalho por a gente ter uma posição política definida como jornalista, aliás foi uma jogada que usaram contra o Gleen Greenwald (editor do The Intercept) na época, de chamar ele de ativista até pra facilitar uma possível expulsão dele do Brasil porque o estrangeiro é proibido de ter uma atividade política aqui, mas jornalística ele pode”, constata Cynara.

O trabalho independente com o site levou a jornalista a um mergulho na história da imprensa operária no Brasil. “Foi mais ou menos uma retomada do princípio da minha carreira jornalística com uma outra visão que eu não tinha: a existência dessa imprensa operária que na verdade existe no Brasil desde os seus primórdios”, relata.

Imprensa operária e resistência

Ela cita um artigo de Astrogildo Pereira, A imprensa operária no Brasil, e constata: “é muito interessante saber, por exemplo, que em 1845, o primeiro desses jornais operários se chamava O Socialista da Província do Rio de Janeiro. Veja que eu não fiz nada novo. Aí mesmo no RS tem um grande exemplo de imprensa operária que é o Coojornal, e existiu até 1983, quando a ditadura forçou que ele fosse fechado. No livro do Samuel Weiner que conta a história dele à frente do Última Hora ele se coloca o tempo inteiro exatamente como isso, um cara que saiu do Bom Retiro e fundou um jornal e não vinha de uma família rica como são os donos dos jornais no Brasil”.

Outra referência desse período, Edgard Leuenroth, tem até um arquivo na Unicamp sobre a sua trajetória na imprensa operária. “Ele participou de dezenas de jornais e foi preso dezenas de vezes pelos perseguidores da imprensa operária, que em geral é bastante perseguida pelos poderosos”.

O jornalões e a ditadura: história não contada

Antes da ditadura militar, explana Cynara, o jornalismo era progressista no país. “Em 1964 todos os jornais, como a Última Hora, que foram contra a ditadura, foram empastelados. É uma coisa que a gente não aprende muito nas faculdades de Comunicação. Eles falam pra gente que os jornais que existem foram censurados, que o Estadão tinha que trocar notícia por receita de bolo, essa história muitas vezes contada, mas não é tantas vezes contado que o Estadão apoiou a ditadura assim que ela surgiu, que a Folha apoiou a ditadura, que O Globo apoiou a ditadura. E que por isso eles foram autorizados a permanecer”.

Isso deixou o Brasil numa situação pouco comum no cenário da mídia mundial, porque ao contrário de muitos países, o Brasil não tem um veículo grande progressista ou de esquerda, explica. “Na Argentina tem o Página 12, Uruguai tem República, Itália tem La República, na Inglaterra tem The Guardian. No Brasil, todos os veículos são de direita, liberais, no mínimo, porque agora na época de Bolsonaro a gente tá vendo que muitos deles são de extrema-direita. O SBT e a Record são veículos de extrema-direita.

O jornalismo de resistência, alternativo ou operário, diz, surgiu como uma espécie de reação a essa narrativa dos defensores do status quo, mas enfrenta problemas de financiamento. “Espero que no futuro as pessoas também passem a ter o hábito de assinar os veículos que as representam. Acho que a coisa mais importante que a gente faz é representar as pessoas que são preocupadas com justiça social, com o Brasil, com democracia”, define.

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