MOVIMENTO

Marcha Zumbi Dandara celebra o 20 de novembro em Porto Alegre

No Rio, Dia da Consciência Negra mobiliza ativistas, capoeiristas e crianças: estado registra quatro crimes de racismo por dia e teve 245 casos de discriminação racial em dois meses
Por Gilson Camargo / Publicado em 20 de novembro de 2023
Marcha Zumbi Dandara celebra o 20 de novembro em Porto Alegre

Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

No Rio de Janeiro, monumento Zumbi dos Palmares, que exibe um busto gigante do herói da resistência negra contra a escravidão, foi o centro das manifestações

Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

O auge das manifestações pelo 20 de novembro na capital gaúcha será a Marcha Independente Zumbi Dandara, promovida pelo movimento negro, movimentos sociais e de trabalhadores, que vai tomar novamente as ruas de Porto Alegre. A concentração terá início às 17h, na Esquina Democrática. A caminhada acontece, às 19h, e seguirá até o Largo Zumbi dos Palmares.

Organizada pelo movimento negro e de combate ao racismo, com o apoio da CUT-RS, centrais sindicais, movimentos sociais e partidos de esquerda, o tema da marcha deste ano é “Poder para o povo preto, por nossa identidade gaúcha e pelo direito à cidade”.

A manifestação faz parte da programação do “Novembro Antirracista Unificado 2023”, aberto oficialmente no último dia 6, com a homenagem ao Bará do Mercado Público, no centro da capital gaúcha.

Foto: CUT-RS/ Divulgação

Dia para mostrar que a população negra está comprometida e quer avanços, lembrou Isis Garcia, secretária de Combate ao Racismo da CUT-RS

Foto: CUT-RS/ Divulgação

Em Porto Alegre, uma lei que transformava o 20 de novembro em feriado foi sancionada em 2015 pelo então prefeito José Fortunati, após ter sido aprovada na Câmara Municipal, mas foi barrada na Justiça. Atendendo a uma ação movida pelo Sindicato dos Lojistas do Comércio (Sindilojas), o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul considerou que a lei era inconstitucional.

A data não é feriado em nenhum município gaúcho. Somente seis estados brasileiros decidiram transformar a data em feriado: Alagoas, Mato Grosso, Rio de Janeiro, Amapá, Amazonas e São Paulo.

A secretária de Combate ao Racismo da CUT-RS, Isis Garcia, afirma que “o Dia da Consciência Negra é um dia de mostrar para Porto Alegre que a população negra está comprometida e quer avanços, para que, de fato, tenhamos um mundo mais solidário, com mais respeito e que todos possamos ter uma vida digna e com paz”.

Rio de Janeiro

Em dia de feriado, a avenida Presidente Vargas, uma das mais importantes do Rio de Janeiro, costuma ficar vazia. Mas, nesta segunda-feira, 20, o cenário foi diferente. No meio da via fica o Monumento Zumbi dos Palmares, que exibe um busto gigante do herói da resistência negra contra a escravidão. Ativistas, capoeiristas e crianças tomaram os pés do monumento para exaltar o legado do herói negro.

O Dia da Consciência Negra é celebrado neste 20 de novembro para dar visibilidade ao líder que morreu nesta data, em 1695, em combate pela liberdade do povo negro.

O Rio é um dos seis estados em que a data é feriado. Em 1.260 municípios, há leis que tornam o dia 20 de novembro feriado, mesmo sem lei estadual. A Fundação Cultural Palmares vai propor que o dia seja declarado feriado em todo o país.

Em Porto Alegre, a programação cultural da 33ª Semana da Consciência Negra se concentra à noite, no Largo Zumbi dos Palmares, com Baile Black e show de Marieti Fialho. A abertura oficial acontece às 19h, no Paço Municipal, seguida pela exposição Sincretismo, de Guaraci Feijó.

De acordo com Adriana Santos, coordenadora de Direitos e Políticas de Igualdade Racial da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social (SMDS), as atividades promovem uma reflexão sobre a importância da igualdade racial.

Dia de reflexão

A embaixadora da Organização Não Governamental. (ONG) Educafro, Cláudia Vitalino, acredita que o feriado é um momento de reflexão.

“Ainda não temos o que comemorar. Embora sejamos 56% da população, somos tratados como minoria social. O estado é racista, ainda não conseguiu, pós-abolição, incluir essa população dentro da sociedade. Infelizmente, nós, pretos, precisamos ser duas, três, quatro, cinco vezes melhor que o não negro para poder conseguir o mesmo espaço, e isso é ruim”, disse.

A percepção da ativista é observada no cotidiano e nas estatísticas. O Instituto de Segurança Pública (ISP), órgão do governo do Rio, divulgou neste feriado que quatro pessoas são vítimas de racismo por dia no estado.

Entre agosto e setembro deste ano, 245 pessoas foram vítimas de discriminação racial. Esse número representa 54% de todos os crimes de injúria registrados no período analisado.

Quando o assunto envolve mortes por ação da polícia, os negros também são maioria, como mostrou o estudo Pele Alvo: a Bala não Erra o Negro, divulgado na última quinta-feira, 16. A cada 100 mortos pela polícia em 2022, 65 eram negros. No mercado de trabalho, os números do IBGE e do Dieese retratam que os negros sofrem mais com o desemprego.

Música e dança 

Além de um convite à reflexão, o evento ao redor do Monumento do Zumbi foi teve música e dança. Um dos grupos que ecoavam ritmos de influência africana foi o Afoxé Filhos de Gandhi.

“Tem uns 20 ou mais anos que sempre estou aqui. Representa muita coisa para nós, negros, principalmente eu, mulher preta. É para lutar mesmo, a gente precisa disso, pela igualdade, contra o racismo”, disse Sandra Porfírio da Silva, que toca xequerê, um instrumento de origem africana, semelhante a um chocalho feito com cabaça.

Os Afoxés são cortejos de rua que saem, principalmente, durante o carnaval e em datas festivas religiosas. No dia 16, o Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (Inepac) declarou os Afoxés – assim como os blocos afro – patrimônio cultural imaterial do Rio de Janeiro.

Outra manifestação cultural de origem negra que deu tom à celebração foi a capoeira. “Nada mais justo do que o nosso estado e o nosso município valorizarem esses atletas artistas e contribuidores para a sociedade”, declarou Mestre Magy, que comandou três apresentações ao longo da manhã.

Além de expor a herança de negros escravizados, a capoeira também estava presente no evento para ajudar a formar um futuro com consciência negra. A menina Laura Pereira, de 10 anos, que mora em Queimados – município da região metropolitana a 50 quilômetros do centro do Rio – estava pela primeira vez na celebração.

“Como é a minha primeira vez, estou tentando entender como é o evento. Mas que é para valorizar o povo negro e defender direitos e igualdade, isso eu entendo”, argumentou.

Insegurança territorial é a principal causa dos conflitos vividos pela população quilombola e está na raíz da violência e precariedade social das comunidades. De acordo com o IBGE, só 5% vivem em territórios com títulos de propriedade

Aquilombando 

O dia do herói negro também teve homenagens a Dandara dos Palmares, que foi companheira de Zumbi. Sob o busto do líder do quilombo, modelos negras participaram do concurso Miss Dandara Beleza Negra.

“É um dia de conscientização do que a nossa cultura vem mostrar. Nossa beleza, nossa força, nossa raça. A gente tem que conscientizar o quão forte é a nossa cultura, trazer tudo do passado que foi esquecido de volta, porque é o nosso momento”, salientou Ana Julia, uma das participantes.

Apesar de ser um concurso, a disputa pelo primeiro lugar não é uma prioridade, como explica Suzanna Vitória, outra participante.

“O importante é representar a nossa cultura. Esse concurso é mais uma representação do que a gente precisa fazer. Cultura negra, pessoas pretas juntas, aquilombando. O concurso é uma desculpazinha para estarmos aqui juntas”, finalizou.

Pacote da igualdade racial

Marcha Zumbi Dandara celebra o 20 de novembro em Porto Alegre

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Celebração do Dia da Consciência Negra em Brasília foi marcada pelo lançamento do pacote da igualdade racial. Decreto institui a Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental Quilombola

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O presidente Luiz Inácio Lula da Silva apresentou, nesta segunda-feira 20, o segundo pacote do governo pela igualdade racial. O conjunto de 13 ações estruturantes inclui titulações de territórios quilombolas, programas nacionais, bolsas de intercâmbio, acordos de cooperação, grupos de trabalho interministeriais e outras iniciativas que visam garantir ou ampliar o direito à vida, à inclusão, à memória, à terra e à reparação.

“Eu acho que um jeito de homenagear o dia de hoje é colocar uma pessoa que eu tenho um profundo amor, respeito, carinho, uma figura que nasceu na política junto comigo, ajudou a construir esse partido, já foi vítima de dezena de maldades pregadas por esse país, uma mulher que eu conheci na favela, onde morou muito tempo, criou seus filhos, seus netos, uma mulher que ainda hoje continua intacta, mais bela do que quando tinha 40 anos de idade”, disse Lula. Ele destacou que a população negra é responsável pela construção e pela identidade nacional do Brasil.

A ministra da Igualdade Racial, Aniele Franco, destacou que um país que enfrenta o racismo e promove a igualdade racial é um país mais desenvolvido, mais justo e democrático.

“Reconhecer e contar a nossa história é um dos pilares da consciência negra. Foi ocupando as ruas e os espaços de poder que os movimentos deram passos necessários para que chegássemos até aqui. Essas sementes foram plantadas para garantir a responsabilidade do Estado da promoção de direitos para as pessoas negras, que somam 56% da população”, disse. “Enfrentar o racismo é combater as raízes das desigualdades e da exclusão social”, acrescentou, elencando as ações do governo.

Titulação de terras

Cinco terras quilombolas foram tituladas hoje, sendo duas delas federais: comunidade da Ilha de São Vicente, que fica em Araguatins (TO) e conta com 55 famílias, e Lagoa dos Campinhos, de Amparo de São Francisco e Telha (SE), com 89 famílias. Os títulos foram entregues pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

Segundo o Ministério da Igualdade Racial, a insegurança territorial é a principal causa dos conflitos vividos hoje pela população quilombola e está na raiz dos altos índices de violência e precariedade social de muitas comunidades. O último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelou que apenas 5% da população quilombola vive hoje em territórios titulados no Brasil.

Nesse sentido, a pasta tem atuado em conjunto com o Incra para que todos os processos de titulação em andamento sigam adiante. A meta é que mais de 1,8 mil processos avancem.

O decreto que institui a Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental Quilombola (PNGTAQ), que pretende contribuir para o desenvolvimento sustentável dos territórios quilombolas, aliando conservação ambiental, efetivação de direitos sociais e geração de renda, foi assinado nesta segunda-feira pelo presidente.

Com uma previsão orçamentária de mais de R$ 20 milhões, a política deve beneficiar as 3.669 comunidades quilombolas certificadas pelo poder público.

Com Agência Brasil e assessorias.

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