OPINIÃO

A provação do “Planet Hemp”

Rafael de Araújo Gomes / Publicado em 6 de novembro de 1997

Com a exceção daquele grupo de pessoas saudosas do período militar, para quem as violências cometidas nessa época são apenas “intrigas da oposição”, só por desatenção haverá alguém que não esteja assustado e ou espantado com a perseguição que vem sendo exercida contra o grupo de rock “Planet Hemp”. A acusação: apologia ao uso de maconha através das letras de suas músicas. Por esse motivo foram presos, tiveram seus discos recolhidos, shows cancelados. Qualquer um que se dignar a escutar essas músicas perceberá que se trata de algo bobo, quase uma brincadeira juvenil com apenas um início de crítica social. Não há nada ali que ofenda mais do que qualquer programa dominical de auditório ou qualquer novela. E, no entanto, não faltam delegados, promotores e juízes mais do que dispostos a aplicar “todo o rigor da lei”. Não consta que o mesmo rigor seja empregado contra, por exemplo, Roberto Marinho, quando sua emissora mostra cenas de homicídios, roubos, adultérios e outras condutas criminalizadas. Quanto a esses programas de tv existe certa polêmica sobre se eles banalizam ou não a violência e impressionam crianças, entre outras questões. Mas ninguém, nem mesmo o mais obtuso defensor da lei irá dizer que eles constituem em si crimes de apologia à prática de ilícitos penais. Quanto ao “Planet Hemp”, a lei, a moral e a saúde pública são apenas desculpas para legitimar uma arbitrária repressão. Na verdade, não interessa aos repressores se o grupo realmente faz ou não apologia à maconha. O que lhes interessa é o fato de os jovens terem ousado romper com o pacto implícito de tudo aceitar, de nada criticar com seriedade. A independência é o verdadeiro crime punido aqui. Vivemos uma democracia até o momento em que alguém decide exercer seus direitos democráticos, pois a partir desse instante o regime em que realmente vivemos mostra sua cara. Preferimos ignorar os indícios, crentes que após as “Diretas Já” não existe mais espaço para ditaduras. Se a perseguição e as humilhações explícitas promovidas contra o grupo de rock não bastam para remover-nos de nossa apatia, se as já rotineiras chacinas não nos abrem os olhos, se o fato de o Executivo ter abolido a divisão de Poderes, governando o país através de incontáveis medidas provisórias absolutamente inconstitucionais não nos diz nada, então somos todos incuráveis ingênuos, e talvez paguemos caro por isso. Os jovens do “Planet Hemp” acabam de perder essa ingenuidade. Se eles tiverem a coragem de continuar aquilo que até agora era uma aventura sem maiores pretensões têm tudo para se transformarem numa crítica muito mais profunda e consciente. O engraçado – se é que há algo engraçado em perseguições e censura – é que se isso acontecer os responsáveis serão as pessoas que tentaram calá-los.

* Rafael de Araújo Gomes é advogado. Porto Alegre

 

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