OPINIÃO

Chavões e omissões embalam “modernidade ambiental” de Eduardo Leite

Por Marco Aurélio Weissheimer / Publicado em 14 de novembro de 2019
O Rio Grande do Sul possui três rios entre os dez mais poluídos do Brasil: Gravataí, Sinos (foto) e Caí

Foto: Igor Sperotto

O Rio Grande do Sul possui três rios entre os dez mais poluídos do Brasil: Gravataí, Sinos (foto) e Caí

Foto: Igor Sperotto

Uma das primeiras medidas que Eduardo Leite (PSDB) tomou ao assumir o governo do Rio Grande do Sul foi assumir a fusão das secretarias do Meio Ambiente e da Infraestrutura. Mais do que uma fusão, a medida representou, na verdade, uma incorporação de uma pasta pela outra. O Meio Ambiente foi fagocitado pela pasta da Infraestrutura. Isso já ficou evidenciado na indicação do nome para ocupar a nova secretaria: Artur Lemos Junior, que, durante o governo de José Ivo Sartori (MDB), foi secretário adjunto de Minas e Energia (2015-2016) e secretário da pasta entre 2017 a abril de 2018. Em sintonia com essa escolha, os discursos do secretário e do governador tratam do Meio Ambiente com falas superficiais repletas de chavões e platitudes, que mal conseguem disfarçar a natureza da operação de incorporação e subordinação da área ambiental pela infraestrutura.

No dia 27 de setembro, o governador Eduardo Leite e o secretário Artur Lemos apresentaram o projeto de Lei n. 11.520, que propõe um novo Código Ambiental para o Rio Grande do Sul. O espírito do projeto, segundo eles, é “modernizar” a legislação vigente e “desburocratizar o processo para quem quer empreender no Rio Grande do Sul”. Tudo, é claro, “sem descuidar do ambiente”, repetindo o chavão clássico utilizado por todos aqueles que veem a legislação ambiental como um entrave à modernidade e ao empreendedorismo, por mais que se repitam as tragédias e desastres ambientais fruto da flexibilização ou da pura não observância da legislação vigente.

Os autores do projeto sequer se preocupam em apresentar argumentos mais embasados para defender a necessidade da “modernização” da legislação ambiental do Rio Grande do Sul. “A vida real nos mostra que é impossível assegurar a proteção ecológica sem que se gere riquezas e haja recursos à disposição”, diz Artur Lemos em um artigo intitulado Desenvolver para proteger, onde defende o projeto do governo. Ele não apresenta nenhum exemplo de como a “vida real” está mostrando isso, talvez porque essa “vida real” esteja mostrando exatamente o contrário, como evidenciam os crimes ambientais provocados pelo mineração em Minas Gerais, pelas queimadas e desenvolvimento na Amazônia e pelo vazamento de óleo nas praias do Nordeste brasileiro.

Considerando ainda a “vida real”, o PL não menciona os gravíssimos problemas ambientais do Rio Grande do Sul. Vale lembrar três exemplos para mostrar qual é essa realidade. O estado possui os dois biomas, Mata Atlântica e Pampa, com menor superfície de remanescentes no Brasil (7,9% e 36%), conforme dados do Ministério do Meio Ambiente. O Rio Grande do Sul também é o estado que apresenta menor quantidade e extensão de Unidades de Conservação (2,6%) entre os três estados  da Região Sul. O estado possui 280 espécies da fauna ameaçadas e 804 espécies da flora ameaçadas, números que cresceram desde a década passada. Alem disso, possui três rios entre os dez mais poluídos do Brasil (rio Gravataí, rio do Sinos e rio Caí). Esses “detalhes” incômodos aparentemente não fazem parte da “vida real” vivida por Eduardo Leite e Artur Lemos.

Em uma audiência pública realizada na Assembleia Legislativa, dia 21 de outubro, o Ministério Público Estadual solicitou ao governo a retirada do regime de urgência na tramitação do projeto para que o debate sobre o mesmo possa ser aprofundado. O promotor Daniel Martini anunciou ainda na ocasião que um estudo técnico realizado pelo MP sobre o PL resultou em recomendações de alterações em 112 artigos da proposta original. As propostas de mudanças mais significativas dizem respeito à manutenção da obrigatoriedade de realização de estudo de impacto ambiental dos empreendimentos por equipe técnica independente, restrição do licenciamento por adesão às atividades de baixo potencial poluidor, manutenção no texto da lei dos espaços protegidos, como lagoas de água salgada e planícies inundáveis, e reinclusão dos capítulos referentes à poluição visual e sonora.

O governo Eduardo Leite, porém, tem pressa na aprovação do projeto. “Os gaúchos estão, enfim, compreendendo o papel do setor privado na preservação”, afirma o secretário Lemos, sem fazer qualquer menção ao papel do setor privado na inclusão de três dos principais rios do estado na lista dos mais contaminados do país.

 

 

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