OPINIÃO

Minha panela de pressão

Elisa Lucinda / Publicado em 16 de junho de 2000

Elisa42

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O bairro, os padrinhos, os primos tudo parece ter escapado pela janela. Não sei o nome da vizinha em frente. Sei que é gorda e tem três cachorros e ainda um maldito molho de chaves que me atormenta porque me engana. Balança o molho, chacoalha meu coração e ascende a luz do corredor. Penso logo que é amor chegando. Tenho andado tensa. Cansada como se eu tivesse feito uma panelada de feijão para o mundo inteiro. Fui eu. Fui eu que cortei 250 milhões de maços de temperinhos verdes; que soquei 300 milhões de cabeças de alho e piquei cebolas infinitamente, e é por isso que parece que estou chorando.

Sinto uma saudade fininha parecendo uma dor, saudade dos dias de minha infância boa com pés de cana no quintal e nenhuma noção da geografia real das coisas. Tenho arrependimento de ser mulher, o bicho mulher, essa doadora universal, aquela que se dá tanto que não consegue parar de dar, Bicho fêmea, o generoso.

Eu estou é nervosa. Minha máquina de escrever está me distraindo e me estranhando. Minha literatura está dura. Parece que estou em guerra. Pareço a Amazônia queimada, cortada a machados. Dói-me o tronco e eu tenho medo de virar lápis pau brasil falsificado. Meu fígado, que é templo do humor, parece agora um churrasco de galinha numa tarde de quinta feriado num programa de intelectuais naturalistas em Casimiro de Abreu. De breu é feita essa minha lua cheia sem vergonha nenhuma na cara. Passo a mão na cabeça cem vezes por minuto e me orgulho dos meus cabelos. Continuam firmes. Não caem.

Ouço som de chaves no corredor. Era mentira que o amor chegaria em meia hora. Há um interfone que não toca dentro do meu útero, e a cada vez que não, meu coração dá de puir como se fosse velho demais. Estou é muito chateada comigo. Enjoada de mim. Quero mudar, não quero mais ser eu dessa maneira. Quero ter dentes grandes lindos e ser misteriosa. Chega de feijão, minha panela; depressão.

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