OPINIÃO

Bombons

Publicado em 30 de janeiro de 2006

A História é uma velha senhora pachorrenta com um gosto fatal pela ironia. Às vezes, ironia pesada. No Iraque, por exemplo, ela está a ponto de saborear mais uma. Foi para contrabalançar a teocracia hostil aos Estados Unidos do Irã que os americanos apoiaram e armaram o regime secular de Saddam Hussein, que depois derrubaram. Tudo indica que o resultado das eleições impostas pelos americanos no Iraque dará o poder, com grande maioria, aos xiitas e a um governo teocrático muçulmano – cujo caminho natural será uma aproximação com a maioria xiita no Irã, agora governado por um mais antiamericano do que o Saddam e com um programa nuclear mais adiantado. Isso seria apenas outro paradoxo para a História degustar como um bombom se não envolvesse tantas mortes. Se o recheio do bombom não fosse sangue.

Mas a velha senhora também se delicia com paradoxos sabor latino-americano. Dependendo do efeito político e eleitoral das suas lambanças em 2005, que só conheceremos em 2006, o PT pode muito bem perder o poder no Brasil justamente no momento em que seus congêneres e assemelhados sobem no resto da América, com candidatos de esquerda cotados para chegar ao governo no México, no Equador e no Chile, sem contar os que já são governo na Venezuela, na Bolívia, no Uruguai e, vá lá, na Argentina. A tendência para a esquerda até no Chile, suposto mostruário dos melhores produtos do neoliberalismo no continente, tem várias faces e causas mas pode ser resumida numa frase: o Consenso de Washington fracassou. A reação às novidades virá com força, como veio aqui, e é debatível quais delas, entre as populistas e as mais substanciosas, como parece ser a dessa socialista chilena, resistirão por muito tempo. O fato é que o Brasil do PT pode estar deixando o baile logo quando ele começa a ficar animado. Paga um preço pela sua precocidade. Agora, ou será um exemplo de sucesso para os outros, ou um exemplo do que os espera. Ou apenas um exemplo da sua própria incompetência.

Vamos ver o que acontece. Esse bombom a História não comeu ainda.

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