OPINIÃO

Trabalho voluntário e EaD no ensino médio

Publicado em 4 de junho de 2018

 

Frame de 'The Wall', de Alan Parker, 1982/ Divulgação

Frame de 'The Wall', de Alan Parker, 1982/ Divulgação

 

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBen – Lei 9.394/1996) foi alterada, pela primeira vez em seus 20 anos, pela Medida Provisória (MP) 746, em 22/09/2016, que se transformou na Lei 13.415/2017, impondo um “novo” ensino médio em cinco itinerários fragmentados. Depois veio a proposta de Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para o ensino médio que prevê apenas Português e Matemática como componentes curriculares obrigatórios, alterando saberes e conhecimentos necessários por Competências e Habilidades. Agora, na proposta de novas Diretrizes Curriculares para o Ensino Médio (DCNEM), enviadas pelo MEC ao Conselho Nacional de Educação (CNE), propõe-se que 40% do currículo poderá ser na modalidade de Educação a Distância (EaD) e institui o trabalho voluntário na carga horária do ensino médio.

Este conjunto de medidas joga no lixo as DCNEM aprovadas pelo Parecer 05/2011 e a Resolução 02/2012 que estavam sendo consolidadas para que o ensino médio que preparasse para vida, para a cidadania, para a continuidade dos estudos e para o trabalho, sustentado por uma concepção que toma o trabalho e pesquisa como princípios educativos, integrados aos eixos da cultura e da tecnologia, respeitando as juventudes brasileiras como sujeitos de direitos e protagonistas das suas aprendizagens.

A proposta de Diretrizes Curriculares para o ensino médio, em tramitação no CNE, insiste nestas duas propostas polêmicas: a oferta de até 40% das atividades do ensino médio na modalidade a distância e que o estudante possa comprovar parte da carga horária da etapa por meio de trabalhos voluntários. O texto diz que “as atividades realizadas pelos estudantes, consideradas parte da carga horária do ensino médio, podem ser aulas, cursos, estágios, oficinas, trabalho supervisionado, atividades de extensão, pesquisa de campo, iniciação científica, aprendizagem profissional, participação em trabalhos voluntários, contribuições para comunidade e atividades pedagógicas orientadas pelos docentes, entre outras”.

Para o conselheiro do CNE, Cesar Callegari, a proposta esvazia o conteúdo do ensino médio, até agora composto por no mínimo 13 disciplinas obrigatórias. Diz o professor que “integralizar parte da carga horária por meio de um trabalho voluntário é um descalabro. Não podemos permitir a substituição da escola e do trabalho do professor por outros métodos. A escola é um território importante para a formação da juventude. É onde se desenvolve a solidariedade, o respeito, a tolerância”. Callegari também critica a divisão dos conteúdos em áreas do conhecimento e não mais em diferentes disciplinas, como definiram as diretrizes aprovadas em 2012 e que seguirão em vigor até a homologação do novo texto. Com a mudança, apenas Português e Matemática permanecem como obrigatórias nos três anos do ensino médio.

Com estas reformas e propostas fica evidenciado que o currículo para o ensino médio está sendo esvaziado, flexibilizado, reduzido e empobrecido. A consequência imediata será a oferta de uma formação fragmentada, parcial, individual, instrumental e profissionalizante. Este currículo mínimo e esta formação precarizada serão prioritariamente implementados nas escolas públicas onde jovens trabalhadores – em territórios das periferias e do campo – serão as principais vítimas. Escola pobre para pobres para continuarem na exclusão.

O trabalho voluntário reforça o caráter profissionalizante do ensino médio enquanto formação instrumental para o saber-fazer e para permanecer no trabalho informal e intermitente. Esses jovens, além de uma inserção precária no trabalho, ficarão condenados à não progressão nos estudos acadêmicos e a abandonarem o direito ao acesso à universidade. Hoje, 82% dos jovens que concluem o ensino médio não acessam a universidade.

A oferta de 100% da educação de Jovens e Adultos em EaD e 40% no ensino médio afetará não somente a qualidade da formação, mas privará os jovens de conviverem entre si, de compartilharem o mesmo espaço, de ocuparem o mesmo ambiente e usufruírem de relações vivas. A EaD no ensino médio inviabilizará que os Jovens aprendam uns com os outros através da interação, na convivência com o diferente e mesmo com o antagônico. Jovens gostam e precisam relacionar-se com outros jovens, para conversar, dialogar, fazer amizades, trocar ideias, debater, apoiar-se mutuamente, escutar música, namorar, brincar, rir, jogar, afastar-se dos problemas familiares, sair de casa, fazer pontes, aproximar-se, marcar encontros, dividir segredos, trocar experiências afetivas e sexuais, apaixonar-se, amar, sonhar juntos, revelar-se ao outro com suas virtudes e fragilidades. Viver o tempo da juventude ganha valor e significado somente na convivência com outros jovens. O ambiente escolar, enquanto espaço de socialização e educação, não pode ser substituído pelo ambiente virtual e nem pela inserção precoce no mundo do trabalho voluntário.

É justamente no ensino médio, última etapa da educação básica, que precisamos fortalecer as identidades e os laços juvenis. Jovem educa jovem. Jovens educam o mundo. Há 50 anos – “Maio de 1968” – os jovens ensinaram que era preciso lutar e manifestar-se contra a violência das guerras e a opressão dos regimes autoritários, que era necessário combater o machismo, a homofobia, o racismo e o elitismo cultural e acadêmico. Hoje, eles estão ocupando a escola que é deles, denunciando o juvenicídio praticado na América e no Brasil. Ser jovem neste país está cada vez mais difícil.

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