OPINIÃO

As falácias na educação em tempos de covid-19

Por Gabriel Grabowski / Publicado em 8 de junho de 2020

Foto: Igor Sperotto

Foto: Igor Sperotto

Os impactos do Covid-19 são de três ordens: os inevitáveis, os evitáveis e os oriundos de prevaricações. No campo dos impactos inevitáveis estão os sobre a vida, a saúde humana e a economia. Já entre os impactos que poderiam ser evitados estão os relativos a negação da ciência, do conhecimento, do distanciamento social e da cooperação humana e intergovernamental.

E os provenientes dos prevaricadores da República são os que estão promovendo, deliberadamente, esta profunda crise moral, jurídica, política, cultural, econômica e sanitárias sem precedentes.

No campo das ciências e da educação há impactos de várias ordens. Porém, há alguns muito nefastos: rompimento com as orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e com as ciências médicas; (des)investimento nas pesquisas e na educação; destruição da escola – especialmente a escola pública –, enquanto ambiente de trabalho coletivo de construção do conhecimento.

Oportunismos

“Costumamos dizer que bens comuns (como conhecimento, saúde e educação) têm um valor imensurável, mas pandemias têm um jeito todo especial de nos ensinar a medir este valor”, como salienta a pesquisadora Cristina Bonorino (UFCSPA).

Quanto vai valer a primeira vacina eficaz contra o coronavírus para a economia do país que a descobrir? O quanto vale investir nestes cientistas? O tempo e a história vão revelar.

Na educação, alguns oportunistas e mercadores de plantão já apresentaram a “vacina” com a solução: educação à distância (remoto, digital, on-line, virtual).

Para esses basta um computador ou telefone, plataformas suspeitas de vazamento de dados e informações usuários, material didático elaborado pelas editoras, reforço para Enem na TV, aulas por Rádios e/ou pacotes com atividades à domicílio. Esta é nova educação do presente e do futuro dos novos mercadores da educação.

Todos nós sabemos que recursos tecnológicos podem contribuir de forma complementar a outros recursos didáticos nas aulas, tornando a aprendizagem mais dinâmica e, muitas vezes, permitindo dialogar com pessoas de várias partes do mundo. Isto é óbvio, e não precisamos de consultores de empresas privadas para dizer isto.

Porém, misturar recursos tecnológicos como EAD, aulas remoto, aulas digitais ou on-line se constitui uma desonestidade com as ciências da educação e com os sujeitos do processo educativo.

O vínculo professor-estudante é necessário para ajudar o estudante a focar e se concentrar nos estudos e para sentir prazer de aprender. A aprendizagem através dos debates, da autonomia do professor e do estudante para poder recriar, levando a em consideração as interações, constituem a essência da educação e da produção do conhecimento.

Falácias e mentiras

A pesquisadora e professora da Faculdade de Educação da Unicamp, Dra. Nora Krawczyk, destaca algumas falácias que voltaram com força redobrada pela implementação de soluções mágicas durante o contexto da suspenção das aulas presencias que estamos atravessando. Eis algumas dessas falácias e mentiras:

a) misturar situações de exceção e excepcionalidade com proposta político educacional. Frente a falta de recursos das escolas, professores e famílias precisamos resistir ao forte ataque mercadológico de empresas que querem vender modelos pré-fabricados de EAD;

b) Nossa universidade pública, diferente do resto do mundo, precisa deixar de ser elitista e possibilitar a distribuição do conhecimento de forma democrática. Como falar de democratização via EAD numa sociedade como a brasileira onde não só a conectividade como os aparelhos tecnológicos são bens para alguns? Esta EAD promove uma maior desigualdade na educação brasileira, pois é oriunda de situações específicas;

c) Em todo mundo isto está acontecendo. Quando se diz em todo mundo, não se diz nada. Que país? Que universidade? Que escola? Como funciona? Uma pesquisa rápida permite observar que a maioria dos cursos à distância na Europa e EUA é oferecida por universidades privadas e/ou por universidades unicamente on-line. Vamos entrar nesta onda neoliberal? É este modelo que queremos para nosso país com extremas desigualdades?

d) A universidade pública (e as escolas) pode oferecer EAD de excelência, sem discriminação. A educação formal presencial tem seus problemas e a EAD, também, os seus. A educação presencial não se resume a relação professor-estudante, acrescente aí: a convivência, as bibliotecas, as participações órgãos estudantis (Grêmios, DCEs, DAs), colegiados, grupos de estudo e pesquisa, etc. O Prof. Paulo Blikstein e sua equipe pesquisa em tecnologia educacional (Nova York), avaliam os resultados da EAD como muito ruins, tanto na educação básica como na graduação. Portanto, falta evidências científicas no ensino em EAD/remoto especialmente na educação básica;

e) EAD e saúde dos estudantes e discentes são coisas diferentes. A exposição excessiva ao computador ou telefone prejudica a postura corporal, diminuição da audição e agrava a tendência de isolamento das crianças e jovens. A convivência em espaço “real” contribui para o fortalecimento laços e vínculos humanos e sociais. Cabe lembrar o aumento da depressão e números de suicídios entre adolescentes, jovens e estudantes. Suicídio no mundo hoje é uma pandemia que mata quase 1 milhão de pessoas por ano e está entre três maiores causas de morte.

Na bolsa de valores

Cabe relembrar que a educação à distância no Brasil expandiu-se basicamente nos cursos técnicos, nos cursos superiores de tecnologia (tecnólogos) e nos cque me ursos de formação de professores, especialmente pedagogia.

As Instituições de Educação Superior (IES) que mais ofertam EAD são empresas educacionais com ações na bolsa de valores, sem responsabilidade para com a qualidade do ensino e pesquisa, nem com os profissionais da educação e os estudantes.

Qualquer oscilação do mercado encerram as atividades acadêmicas. Sua expansão e lucratividade deve-se essencialmente ao baixo custo das mensalidade e oferta precários em grande escala.

Precisamos parar de estufar o peito e propagar que recursos tecnológicos – enquanto meios da atividade educacional – podem ser adotados como soluções definitivas e salvacionistas.

O legado educacional da humanidade, dos conhecimentos filosóficos, artísticos-culturais e científicos não permitem que interesses econômicos privados, mercadores da educação e “imbecis das redes sociais” advoguem no lugar das ciências da educação e das ciências da aprendizagem humana.

Mudanças e inovações educacionais são necessárias, todavia, não se darão a partir de Decretos e Protocolos de quem quer que seja. Educação é processo e construção social.

Deste entendimento deriva a importância do diálogo entre todas as instituições que compõem os sistemas de ensino – mantenedoras, escolas, conselhos de educação, estudantes, pais –, bem como conselhos profissionais e entidades científicas, estas, aliás, totalmente ignorados pelos governos atuais.

Portanto, embora a oferta de atividades remotas possa ser considerada importante para manter os estudantes ativos nos casos onde isto é possível, especialmente neste período de distanciamento social causado pela crise sanitária, é necessário evitar que tais meios não aprofundem a enorme desigualdade já existente entre escolas e estudantes.

O princípio da “Igualdade de condições para o acesso e permanência na escola”, disposto Constituição Federal (art. 206), deve ser garantido.

Reduzir e simplificar os complexos processos de educação e de construção do conhecimento através de telas é reproduzir a imagem da caverna de Platão em pleno século XXI. Aliás, José Saramago diz: hoje de fato estamos a viver na caverna de Platão. As imagens substituem a realidade. O mundo audiovisual reproduz às pessoas vendo sombras e acreditando que as sombras são a realidade.

Enquanto educadores temos a expectativa de que sairemos dessa experiência dando mais valor à vida, à ciência, à educação e à formação humana integral.

E uma educação para a vida – com ou sem pandemia –, precisa ser contaminada pelo vírus do pensamento, da inteligência coletiva compartilhada, do debate e das reflexões entre todos sujeitos protagonistas do processo educativo.

É necessário distinguir os fins da educação dos seus meios. A destreza prática é uma ferramenta, e não uma salvação, mas à sua falta as questões de Significado e Valor não passam de abstrações.

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