POLÍTICA

Sergio Moro pede demissão do ministério da Justiça

Ex-juiz da Lava Jato deixa o governo, fazendo graves acusações a Bolsonaro, após a demissão do comando da Polícia Federal pelo presidente
Por Gilson Camargo / Publicado em 24 de abril de 2020
Após 16 meses no governo, ex-juiz da Lava Jato sai atirando em Bolsonaro: "quer interferir em investigações desfavoráveis ao governo"

Foto: Marcello Casal Jr/ Agência Brasil

Após 16 meses no governo, ex-juiz da Lava Jato sai atirando em Bolsonaro: “quer interferir em investigações desfavoráveis ao governo”

Foto: Marcello Casal Jr/ Agência Brasil

O ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, anunciou sua saída do cargo em pronunciamento à imprensa, servidores e aliados na manhã desta sexta-feira, 24, no ministério, após a exoneração do diretor-geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo.

A demissão do delegado, segundo Moro, foi uma determinação e uma interferência diretas do presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido) no comando da corporação para barrar inquéritos no STF. O ex-juiz federal de primeira instância que ganhou notoriedade no comando da Operação Lava Jato fez graves acusações a Bolsonaro, a quem serviu como ministro durante um ano e quatro meses.

O pivô da demissão de Valeixo é o inquérito que investiga a disseminação de fake news por parte do gabinete do ódio, a rede de apoio bolsonarista. O inquérito é conduzido no Supremo pelo ministro Alexandre de Moraes e por não ter acesso às investigações, Bolsonaro decidiu demitir o diretor-geral da Polícia Federal.

A demissão do policial federal foi publicada no Diário Oficial da União desta sexta-feira, 24, e tem a assinatura do ministro da Justiça, Sergio Moro, ao lado da firma do chefe do Executivo. De acordo com o despacho, a exoneração teria sido feita a pedido do então diretor da PF.

Essas duas informações publicadas pelo Palácio do Planalto foram contestadas por Moro, que alega ter sido surpreendido pela exoneração do seu subordinado. Ocorre que a assinatura do ministro é certificada digitalmente. Portanto, se a firma saiu no documento e ele alega que isso ocorreu sem o seu conhecimento, alguém no Palácio usou indevidamente o certificado digital do ministro e incorreu em falsidade ideológica.

O texto também informa que a demissão do chefe da PF foi “a pedido” do então diretor, enquanto ninguém do governo ou aliados sustentam essa versão. O líder do PSDB na Câmara, deputado Major Olímpio (SP), afirmou que a exoneração não foi técnica, mas uma decisão de ordem pessoal de Bolsonaro. “O presidente da República “não suporta” a independência que Moro garante à Polícia Federal”, disse o parlamentar.

Ao anunciar que estava deixando o ministério, Moro acusou Bolsonaro de interferência na PF com interesse em barrar investigações que atingem o governo, o presidente e seus filhos parlamentares. Um dos prováveis nomes para substituir Valeixo no comando da PF é Alexandre Ramagem, atual diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin).

o diretor-geral da Polícia Federal, Maurício Aleixo, exonerado por Bolsonaro por não facilitar acesso à investigação da milícias digitais

Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

o diretor-geral da Polícia Federal, Maurício Aleixo, exonerado por Bolsonaro por não facilitar acesso à investigação da milícias digitais

Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

“O grande problema desta troca é que haveria uma violação da garantia que me foi dada quando aceitei o convite para ingressar no governo, a garantia de que eu teria carta branca. Haveria interferência na PF, o que gera um abalo na credibilidade. Minha e do governo. E também na PF, gerando uma desorganização que, a despeito de todos os problemas de corrupção dos governos anteriores, não houve no passado”

Cerceamento à Política Federal

Antes de anunciar que vai deixar o governo, Moro fez uma retrospectiva da sua atuação como ministro, explicou por que aceitou o convite de Bolsonaro para assumir a pasta e renunciar à magistratura. Numa referência direta às gestões do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), reconheceu que, “apesar da corrupção” dos governos anteriores, não houve nesses governos tentativas de cercear a Polícia Federal” como ocorreu por parte de Bolsonaro ao longo desses 16 meses em que integrou o governo.

“O presidente concordou, falou publicamente que me daria carta branca. Eu tinha expertise por trabalhar com polícia e queria fazer com que as coisas evoluíssem. Tivemos recorde de apreensão de drogas e de destruição de plantações de maconha. Buscamos fortalecer a atuação da PF”, enumerou em sua fala que durou 48 minutos.

O ex-ministro fez várias autorreferências e elogios à sua própria atuação como juiz e como ministro e concluiu que “nunca houve tantos resultados no combate à corrupção quanto na sua gestão”.

Ele relatou que a partir do segundo semestre do ano passado “passou a haver uma insistência do presidente na troca do comando da PF”, a começar pelo superintendente da corporação no Rio de Janeiro (Ricardo Saadi).

“Sinceramente, não havia nenhum motivo, mas conversando com o superintendente, ele disse que queria sair do cargo. Nós concordamos, com uma substituição técnica. Eu não indico superintendente da PF, a minha única indicação foi o diretor Maurício Valeixo, não é o meu papel. Eu sempre tenho dado autonomia ao pessoal que trabalha comigo pra que eles façam as escolhas técnicas. Havia rumores que tinha indicações políticas. Não é aceitável”, ressaltou.

Obsessão de Bolsonaro

Segundo Moro, a demissão de Valeixo passou a ser uma obsessão de Bolsonaro. “O presidente passou a insistir também na troca do diretor-geral. Eu disse que não havia problema em trocar, mas precisava de uma causa relacionada a insuficiência de desempenho ou falta grave, porque o trabalho dele era um trabalho bem feito”.

Além de uma interferência política indevida na corporação, explicou, a demissão de Valeixo, representou a sua desmoralização como ministro.

“O grande problema de realizar essa troca seria uma violação da carta branca que me havia sido prometida, não havia causa para uma interferência na Polícia Federal, o que provoca um abalo de credibilidade não só minha, mas do governo, com impacto na efetividade da PF”.

Afirmou que nem na Lava Jato houve interferência do governo e, quando tentaram no passado, não deu certo porque a própria instituição rejeitou. Moro lembrou que as investidas de Bolsonaro na PF foram recorrentes. Em agosto de 2019, o presidente ordenou a troca do superintendente Ricardo Saadi, do Rio, pelo delegado Carlos Henrique Oliveira Sousa, então chefe do órgão em Pernambuco.

“Não é só a troca do diretor-geral, mas de superintendentes, inclusive o do Rio de Janeiro pelo de Pernambuco, sem que me fosse apresentada uma razão aceitável. Busquei postergar essa decisão, às vezes até sinalizando que poderia concordar no futuro, mas cada vez mais me veio a sinalização de que seria um grande equívoco”, discorreu Moro.

O ex-juiz concluiu que virou persona non grata no governo Bolsonaro. “Pra mim, é a sinalização de que o presidente me quer fora do cargo essa precipitação. Não vejo justificativa”

Foto: Marcello Casal Jr/ Agência Brasil

O ex-juiz concluiu que virou persona non grata no governo Bolsonaro. “Pra mim, é a sinalização de que o presidente me quer fora do cargo essa precipitação. Não vejo justificativa”

Foto: Marcello Casal Jr/ Agência Brasil

O agora ex-ministro revelou que na quinta-feira, 23, Bolsonaro voltou à carga dizendo que demitiria Valeixo.

“Ontem houve essa insistência. Falei que seria uma interferência política e seria um erro, com impacto negativo para todos. Mas para evitar uma crise durante uma pandemia eu sinalizei, vamos substituir por alguém que represente a continuidade dos trabalhos, com perfil técnico”.

Ele disse que chegou a indicar o diretor executivo Disney Rossetti, número 2 da PF, mas foi ignorado.

“Não obtive resposta. O presidente tem preferência por alguns nomes que seriam da indicação dele. Foi ventilado o nome de um delegado que passou mais tempo no Congresso do que na ativa, mas o presidente quer o atual diretor da Abin, Alexandre Ramagem. O grande problema é que não são tanto as questão de quem, mas por que trocar e permitir que seja feita uma interferência política. O presidente me disse mais de uma vez que ele queria ter uma pessoa do contato dele, alguém que ele pudesse ligar e pegar informações. E realmente não é o papel da PF prestar esse tipo de informação, as investigações têm que ser preservadas, isso é um valor fundamental dentro do estado de Direito”, reclamou.

“O presidente me disse, mais de uma vez, expressamente, que queria ter (na direção-geral da PF) uma pessoa do contato pessoal dele, para quem ele pudesse ligar, colher informações, que pudesse colher relatórios de inteligência. Este, realmente, não é o papel da PF”

Em pronunciamento a jornalistas, apoiadores e servidores do ministério, Moro anunciou que vai formalizar pedido de demissão a Bolsonaro

Foto: Marcello Casal Jr/ Agência Brasil

Em pronunciamento a jornalistas, apoiadores e servidores do ministério, Moro anunciou que vai formalizar pedido de demissão a Bolsonaro

Foto: Marcello Casal Jr/ Agência Brasil

Manobras políticas

Moro revelou uma manobra do Planalto para tornar palatável a demissão de Valeixo, informando no Diário Oficial que a exoneração ocorreu “a pedido”. “Isso não é totalmente verdadeiro. O ápice da carreira de todo policial federal é o comando da PF”. Valeixo até manifestou que talvez fosse melhor sair, comentou Moro.

“Mas isso nunca foi voluntariamente e sim decorrente dessa pressão não apropriada, uma substituição orientada por causas que possam ser sustentadas, daí não haveria problema específico”.

Moro relatou ainda que Bolsonaro foi direto ao comunicar a ele as razões da demissão do diretor da PF. “O presidente também informou sobre inquéritos em curso no STF e que a troca seria oportuna. Isso também não é razão e gera uma grande preocupação”.

Ele disse que não assinou a saída de Valeixo e que ficou sabendo da exoneração pelo Diário Oficial da União. “Eu não assinei esse decreto. Em nenhum momento o diretor apresentou um pedido formal. Ontem à noite ele foi informado que seria a pedido e perguntado se concordava. Isso foi ofensivo”, disparou.

O ex-juiz concluiu que virou persona non grata no governo Bolsonaro. “Pra mim, é a sinalização de que o presidente me quer fora do cargo essa precipitação. Não vejo justificativa”, desabafou. Moro disse que teve muitas divergências com o presidente, assim como convergiu e apoiou Bolsonaro, em nome da hierarquia, mas que a demissão de Valeixo foi a gota d’água.

“De todo modo, o meu entendimento foi que não tinha como aceitar essa substituição, em respeito à minha biografia como juiz, à lei e à impessoalidade. Seria um tiro na Lava Jato uma substituição dessa”, comparou. “Relações impróprias entre o diretor ou o superintendente da PF e o presidente da República é algo que não posso concordar. Vou começar a empacotar minhas coisas e encaminhar minha carta de demissão. Não tenho como persistir com o compromisso que assumi, sendo forçado a sinalizar uma concordância com uma interferência na PF”, concluiu Moro.

MINISTRO OMISSO – A saída de Moro do governo ocorre 540 dias depois do convite feito pelo recém-eleito presidente Jair Bolsonaro para ser ministro da Justiça e Segurança Pública, lembrou o jornalista Rafael Moro Martins, do portal The Intercept Brasil (TIB), veículo que expôs as relações promíscuas do ex-juiz da Lava Jato com procuradores na série de reportagens #VazaJato. De acordo com áudios obtidos pelo TIB, Moro fraudou o processo penal e extrapolou das suas prerrogativas de juiz para condenar e prender Lula, entre outras arbitrariedades. “Como sempre foi seu hábito, Moro não permitiu que jornalistas o confrontassem com perguntas embaraçosas. Em vez disso, fez um pronunciamento de quase 50 minutos em que, retomando a voz pausada e humilde das aparições públicas dos tempos de juiz federal, tentou vender uma espécie de Sergio Moro 3.0, mirando uma óbvia candidatura presidencial em 2022”, suspeita Martins. Nos 16 meses em que esteve no cargo, sobram omissões por parte do ministro da Justiça na sua missão de agradar ou ao menos não incomodar Bolsonaro. Moro foi omisso, só pra citar exemplos mais explícitos, em relação ao escândalo das rachadinhas, que envolve filhos do presidente e milicianos em um esquema de divisão de salários de servidores na Assembleia Legislativa e na Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro. Também ignorou evidências e a adulteração de provas sobre a ligação dos Bolsonaro e da milícia próxima ao presidente com a execução da vereadora Marielle Franco (PSol-RJ) e de seu motorista, Anderson Gomes, em março de 2018.

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